Os juros são um grande paradoxo no Brasil.
A população nada entende ou entende muito pouco sobre o assunto, não participa das discussões, apesar de ser a usuária final do sistema financeiro e é quem sustenta o sistema autofágico brasileiro.
O Legislativo, que deveria normatizar as regras financeiras, conforme previsão constitucional, além de nada entender, cooptado pelo poder econômico, é omisso e entregou o ofício ao Banco Central e ao Copom. Tudo que o Executivo sempre quis e sempre abusou desse mandato...
O Judiciário, também cooptado pelo poder econômico, pouco sabe, faz de conta que não sabe, ou atende com imensa prontidão o discurso dos bancos, tendo algumas decisões contrárias, raras e honrosas, quanto a correta análise dos contratos bancários, consistindo em exceções, pois tais decisões, na sua grande maioria, procedem dos juízos de 1ª instância (aquele juiz da sua cidade), visto que a cúpula do Judiciário (STF, STJ e a maioria dos Tribunais) é amplamente favorável aos bancos e no dia-a-dia tem decidido em benefício dos mesmos e suas práticas abusivas, inclusive com a edição de súmulas que, de certa forma, amordaçam o Judiciário, pois são poucos os juízes que têm a coragem de decidir contra as súmulas dos tribunais superiores, ainda que não sejam vinculantes, ou fazem o jogo do mais fácil, do menor esforço de trabalho, adotando as súmulas espúrias e injustas, sem uma correta análise do caso e do drama social das pessoas que batem à porta do Judiciário.
Analisar, discutir e entender contrato bancário é a mesma coisa que se abrir uma "caixa preta".
Os bancos sempre levam vantagem. É como diz o ditado popular: "banco nunca perde".
A população também tem seu jeitinho: quando não é ouvida nem atendida pelo poder que deveria defender seus interesses, salvá-la dos abusos contratuais, da espoliação e escravidão financeira, revendo os contratos; alguns poucos populares têm a coragem de fazer o que se chama de "brocar o banco". Tomam dinheiro emprestado, quando conseguem, e mandam o banco plantar batatas.
Entretanto, essa atitude não é das melhores, pois cada inadimplente ou pessoa que consegue enganar o banco acaba por passar essa dívida para todos os demais entes da população, e, tais despesas são divididas por todos os usuários do sistema financeiro. Ou se paga pelo alto custo em se conseguir dinheiro, seja para consumo ou para investimentos em produção, a chamada taxa de risco ou de inadimplência, ou, o banco contingencia esses prejuízos em sua contabilidade e como prejuízo deduz da base de cálculo para pagar o imposto de renda e a contribuição social, causando uma espécie de desconto fiscal, onde, com a renúncia autorizada, toda a sociedade paga, pois o coletivo, a fazenda pública, a sociedade, deixou de receber parte da participação no sucesso empresarial do banco, cuja sociedade organizada (Estado) permite que haja exploração de tal atividade em seu seio.
Os juros são algo que atormentam a humanidade, em qualquer parte do mundo, desde priscas eras. Vários são os registros históricos, desde a proibição de usura contida na Bíblia, fazendo-nos entender que já era uma prática, assim como o relato contido num dos seus livros, o de Neemias, cap. 5. Citamos abaixo o da época grega:
“Aristóteles dizia, já em 350 a.C., num texto que se adéqua aos dias atuais (Política, traduzido do grego por Mário Kury, UNB, 1981, p.288):
'O objeto original do dinheiro foi facilitar a permuta, mas os juros aumentavam a quantidade do próprio dinheiro (esta é a verdadeira origem da palavra: a prole se assemelha aos progenitores, e os juros são dinheiro nascido do próprio dinheiro); logo, esta forma de ganhar dinheiro é de todas a mais contrária à natureza.'”
Assim, no Brasil, é necessário que os bancos mudem de postura, cobrando taxa de juros aceitáveis, fato atualmente iniciado pelos bancos oficiais, sob ordens do Pres. Lula, mas que ainda não é a desejada.
É necessário que o Legislativo assuma a responsabilidade por dividir os rumos da economia com os quadros técnicos do Executivo (Bacen, Copom, Min. Planejamento, Min. da Fazenda, etc.).
É necessário que a população participe mais das discussões sobre a economia, juros, contratos, consumo e que evite aderir aos contratos bancários, sem maiores critérios, na medida do possível, pois ninguém entra nos juros do cheque especial para curtir o carnaval. As pessoas usam juros por necessidade.
Numa sociedade de capitalismo moderno, não há outra forma de obter bens senão por meio do financiamento e do pagamento de juros.
Ter acesso ao crédito é garantia constitucional semelhante à educação, saúde, segurança, habitação, alimento, emprego, etc., pois, nenhum desses itens é possível de se obter sem que haja financiamento, e, lógico, com juros.
O mercado brasileiro é tão interessante para os bancos, que os estrangeiros já vieram para cá (HSBC, Santander e ABN-Amro, dentre outros) e mais uma quantidade aguarda na fila a autorização do BC para poder operar no Brasil. E, ainda que você não saiba, a grande maioria deles atua no financiamento do crédito ao consumidor (aquele carnê das lojas), mesmo sem ter uma agência na esquina, com empregados, etc.
Ora, quem não gostaria de ter uma banca de juros no Brasil? As taxas mais elevadas e permitidas do mundo, onde bancos pagam poucos impostos, cobram juros extorsivos acumulados com uma série de penduricalhos (acessórios como comissão de permanência, taxa de abertura de crédito que a cada dia aumenta mais, etc.), cobram taxas de serviços elevadas, cujo faturamento é mais que suficiente para pagar as despesas com empregados, e praticam o anatocismo, a capitalização, ou seja, o cálculo dos juros sobre juros.
Os bancos que atuam no Brasil são os únicos autorizados a praticarem a agiotagem. É institucional.
E a cúpula do Judiciário, com uma súmula de 1976 (núm. 596-STF), de uma época autoritária, cujo governo era financiado e ainda é pelos bancos, permitiu que os bancos praticassem a extorsão com altas taxas de juros, sem sofrer a menor fiscalização pelo BC, pelo Legislativo ou pelo Judiciário, com raras exceções.
O Legislativo até que tentou, com a promulgação da Constituição em 1988, pois era uma época de romper com o passado de imposições e opressões. Mas, o incrível que só ocorre no Brasil, aconteceu:
No dia 06.10.88, após um dia da publicação da CF, o DOU publicou um parecer (SR-70), cujas iniciais denunciam seu autor, do Consultor-Geral da Procuradoria da República - Saulo Ramos, expondo que o art. 192 não era auto-aplicável. O presidente a época era o pusilânime e longevo Sarney (conhece?). Em 07.10.88 o BC expediu uma circular (1.365), informando e aliviando aos bancos que o limite de 12% de juros previstos no art. 192 da CF não precisaria ser respeitado. Quanto a votação do art. 192 cogita-se ainda a intromissão espúria do então Min. da Defesa Nelson Jobim, vulgo Dr. No (confesso quanto a manipulação de outros artigos da CF/88), pois a norma do art. 192 deveria estar contida na redação do seu caput e não no § 3º, cuja exclusão da regra foi patrocinada pelo PT, através da EC n. 40/03. Dá para acreditar nisso? O PT foi responsável por algo que nem FHC conseguiu...
O assunto é uma piada amarga para o Brasil, nas mãos dos poderosos banqueiros.
{Indico a leitura de excelente artigo no seguinte endereço: http://jusvi.com/artigos/1367}
Já a capitalização é algo que carece de maior discussão e adequação contratual, bem como legislativa e de entendimento judiciário (jurisprudência).
No Brasil não se permite cobrar juros sobre juros nos contratos bancários, com algumas exceções previstas em lei (contratos de financiamento comercial, industrial ou rural). No quesito judicial, possuímos até súmula do STF, a de n. 121, de 1963, que veda a capitalização.
Esse raciocínio também se encontra completamente ultrapassado.
Na atual sociedade capitalista, moderna, no atual contexto da economia e seus fundamentos, é impossível, é inviável financeiramente não permitir a capitalização.
Se hoje contamos com uma economia estável, cujos financiamentos tendem a ser por longo prazo, é importante que haja capitalização, pois, do contrário, não vale a pena emprestar dinheiro e correr o risco da inadimplência, quando se tem tantas outras possibilidades de se ganhar dinheiro.
E a súmula 121 do STF se mostra incompatível com o atual modelo de sociedade capitalista, porque o dono do dinheiro ou pelo menos o que o administra, o banco, possui tantas outras formas de obter renda com dinheiro e em cujas formas são permitidas a capitalização. Ou seja, o investidor pode aplicar o dinheiro, ao invés de emprestá-lo com o objetivo de fomentar outras atividades geradoras de renda (construção, engenharia, bens, máquinas, projetos, etc.), em uma série de oportunidades capitalistas (poupança, renda fixa, ações, bolsas, cdb, rdb, previdência privada, etc.) onde os rendimentos se dão com capitalização, com juros sobre juros. Não é assim que se calcula a renda de sua poupança?
Então, concluindo esse ponto, é natural da atual época, do capitalismo em que vivemos e até globalizado, que se permita sim a cobrança de juros capitalizados nos contratos.
Contudo, aí vem o nó, só se pode permitir a capitalização em contratos que taxem os juros de forma decente, como os países desenvolvidos o fazem.
Observem que a crise americana que se alastrou pelo mundo decorreu de contratos que inicialmente os bancos regulares não quiseram emprestar pelo risco, sendo que outras instituições aproveitaram o nicho de mercado, e, com a bolha, os bancos antes desinteressados passaram a comprar os papéis, cujos juros de financiamento da casa própria eram de 17%, ao ano, com prazos longos, de 30 anos. 17% AO ANO. O que era um absurdo em si para o mercado americano.
Ora, no Brasil, 17% de juros, de forma capitalizada, eu e você pagamos ao mês em qualquer cartão de crédito!
É evidente que já passamos da hora de adotarmos uma política mais austera com os bancos brasileiros, cujos integrantes são os mais lucrativos do mundo, assim como a população precisa evitar o uso excessivo do crédito, virando a mesa, para que os bancos nos procurem, para que eles nos ofereçam contratos decentes.
É claro que, com a economia ainda se engatinhando nos passos da estabilidade, e com uma população que viveu décadas espoliadas quanto ao acesso ao crédito e aos bens, ainda que se faça isso hoje com altas taxas de juros, todos acabam por adquirir os bens (eletrodomésticos, móveis, eletrônicos, computadores, veículos e residências) por meio do financiamento, mesmo se sujeitando a um nível absurdo de juros.
A esperança é que todos despertem para essa crise social: sociedade, Legislativo, Judiciário e Executivo.
A porca torce o rabo em questões maiores e segredos, negociatas, que sequer conhecemos, mas já passou da hora dos consumidores virarem a mesa e do Brasil ter uma política de juros decentes, além do BC efetivamente cumprir seu papel de fiscalização.
João Damasceno.
13/09/2009 - 07h00
Delfim Netto: Brasil poderia ter juro real próximo de 3% ao ano
Delfim Netto: 'Brasil é o último peru com farofa à disposição' |
UOL ECONOMIA |