Elaborado em 11.2008.
Eduardo de Souza Floriano
advogado, servidor público do Município de Juiz de Fora (MG), especialista em Direito Público, especialista em Direito Social, pós-graduando em Administração Pública Municipal
Introdução ao tema
A lei federal 11.705/2008 [01], conhecida como a "lei seca" regulamentou a proibição de venda de bebidas alcoólicas em rodovias federais e, entre outras medidas, acrescentou o §3º ao art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro (lei federal 9.503/97 [02]) prevendo a aplicação de penalidades para o condutor de veículo automotor que se recusar a submeter aos exames para verificação do índice de dosagem alcoólica.
"Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)
...
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo." (NR)
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm
Muito se discute acerca da constitucionalidade do dispositivo (art. 277, §3º) acima citado.
Para muitos, a referida norma desrespeita o direito constitucional da "não auto-incriminação", que tem como nascedouro a famosa 5ª emenda da constituição dos Estados Unidos da América (privilege against self-incrimination [03]).
Fifth Amendment to the United States Constitution
"No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation."
Disponível em: http://www.constitution.org/billofr_.htm#bor-selfincrim
A maioria dos doutrinadores pátrios, que se dedicaram ao estudo da "lei seca", argumenta que os motoristas não poderão receber as penas previstas no art. 165 do CTB, no caso de recusa da realização dos procedimentos previstos no caput do art. 277, porque entendem que a Constituição Federal garante o direito à não auto-incriminação e, via de conseqüência, que os mesmos se abstenham de realizar qualquer procedimento passível de produzir prova contra si próprio.
As poucas vozes que defendem a constitucionalidade da norma aduzem que o direito à não auto-incriminação não é absoluto e que, realizada a devida ponderação, não deve se sobrepor ao direito à vida e à segurança daqueles que vivem diariamente no trânsito. Ademais, afirmam que a fiscalização do trânsito é parte do poder de polícia conferido ao Estado e que a concessão de licença para dirigir pode, e deve, ser condicionada à obediência à normas de trânsito.
O STF já foi provocado a se manifestar sobre a constitucionalidade da "lei seca", através da ADIN 4103, movida pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento - ABRASEL Nacional [04].
O Julgamento desta ADIN não tem data definida embora a Folha On-line, de 12 de Agosto de 2008, afirme que o julgamento correrá ainda no corrente ano [05]. Todavia, até que o STF decida o assunto, a população permanecerá em dúvida sobre a conduta dos policiais e fiscais de trânsito diante de uma suspeita de embriaguez ao volante.
O que se pretende, portanto, com este artigo, é responder à seguinte pergunta: A Constituição Federal permite a condução de veículo automotor, sob influência de álcool, sem que o condutor sofra qualquer tipo de molestação pela Autoridade Policial?
A interpretação do STF quanto ao direito à não auto-incriminação
No direito brasileiro, o direito à não auto-incriminação deriva diretamente do direito constitucional à ampla defesa (art 5º, LV) e do direito ao silêncio (art 5º, LXIII).
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;"
Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm
Ademais, o Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao nosso sistema jurídico através do DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992, também prevê como garantia judicial o direito à não-incriminação.
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
"Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
...
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;"
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/andec678-92.pdf
Tratando-se de norma constitucional, importante analisarmos a amplitude da referida norma e, principalmente, a interpretação dada pelos Ministros do STF, o órgão jurisdicional que tem como função servir como "guardião" da Constituição.
O Ministro Celso de Mello, no julgamento do HC 95.037 proferiu, em sede de liminar, decisão favorável ao impetrante que desejava manter-se silente face às perguntas da CPI da Pedofilia da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Destaca-se da decisão o entendimento do ministro acerca da amplitude da garantia da não auto-incriminação.
"...
Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual "Nemo tenetur se detegere", nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o "Bill of Rights" norte-americano.
Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo (...)".
Cumpre rememorar, bem por isso, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), também reconheceu que o réu não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu "status poenalis".
Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, enfatizou que qualquer indivíduo "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. `Nemo tenetur se detegere´. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(95037.NUME.%20OU%2095037.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas
Em outro julgamento (HC 83.096/RJ) a Ministra Ellen Gracie, decidiu que o direito à não-incriminação abarca, inclusive, a garantia ao não fornecimento de "padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável".
Ementa HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 14 DA LEI Nº 6.368/76. REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE PERÍCIA DE CONFRONTO DE VOZ EM GRAVAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA. DEFERIMENTO PELO JUIZ. FATO SUPERVENIENTE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA PELA PRODUÇÃO DA PROVA INDEFERIDO. 1. O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. 2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia.
Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=83096&classe=HC
No mesmo sentido, no HC 77.135, de relatoria do Min. Ilmar Galvão, restou decido ser lícita a recusa de fornecer padrões gráficos de próprio punho para produção de prova pericial em juízo.
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido.
Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=77135&classe=HC
Tendo em vista os julgados acima expostos, pode-se concluir que o STF defende uma interpretação bastante ampla do princípio da não incriminação, não se cingindo, apenas, ao direito de manter-se em silêncio, o que seria natural em uma interpretação literal da norma constitucional.
Ademais, com base nos posicionamentos, adotados nos referidos julgados, outro não poderia ser o entendimento de nossa Corte Constitucional senão de acolher a fundamentação favorável à inconstitucionalidade da presunção de embriaguez do motorista infrator que se recuse a realização de exames de dosagem alcóolica. Este, inclusive, foi o recente entendimento da Ministra Carmem Lúcia, do STF, no julgamento do HC93916-3 de 10/06/2008.
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBLIDADE DE SE EXTRAIR QUALQUER CONCLUSÃO DESFAVORÁVEL AO SUSPEITO OU ACUSADO DE PRATICAR CRIME QUE NÃO SE SUBMETE A EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA. DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO: NEMO TENETUR SE DETEGERE. INDICAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS JURIDICAMENTE VÁLIDOS, NO SENTIDO DE QUE O PACIENTE ESTARIA EMBRIAGADO: POSSIBILIDADE. LESÕES CORPORAIS E HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. DESCRIÇÃO DE FATOS QUE, EM TESE, CONFIGURAM CRIME. INVIABILIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. Não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo: Precedentes.
2. Descrevendo a denúncia que o acusado estava "na condução de veículo automotor, dirigindo em alta velocidade" e "veio a colidir na traseira do veículo" das vítimas, sendo que quatro pessoas ficaram feridas e outra "faleceu em decorrência do acidente automobilístico", e havendo, ainda, a indicação da data, do horário e do local dos fatos, há, indubitavelmente, a descrição de fatos que configuram, em tese, crimes.
3. Ordem denegada.
Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=535925&codigoClasse=349&numero=93916&siglaRecurso=&classe=HC
É certo que tal decisão datada de 10/06/2008 é anterior à edição da lei 11.705/2008 (de 19/06/2008) que acrescentou ao art 277 do CTB o §3º, mas pelo teor das decisões acima destacadas é possível crer que o Supremo Tribunal Federal poderá concluir pela inconstitucionalidade da regra disposta no art 277, §3º do CTB em razão da violação ao princípio do nemo tenetur se detegere.
O direito comparado e o entendimento da doutrina quanto ao direito à não auto-incriminação
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha demonstrado, em seus julgamentos, que o direito ao silêncio abrange não só o direito de ficar calado, mas também o direito a não produzir qualquer tipo de prova contra si próprio, esta interpretação extensiva do princípio da não auto-incriminação encontra opositores.
Em recente artigo veiculado na Internet, André Lenart, afirma que a interpretação do princípio da não auto-incriminação, nos EUA e na Alemanha, é diverso daquele apontado pelo STF.
Para o autor, o direito da não auto-incriminação, naqueles países, restringe-se ao silêncio em depoimento, não podendo este silêncio ser utilizado como fundamento de condenação do Réu.
O DIREITO DE DIRIGIR BÊBADO
Escrito por André Lenart em Julho 24, 2008
"Até onde sei, nos Estados Unidos o nemo tenetur se detegere assegura ao Acusado apenas o direito de ficar calado ou de mentir, desde que não esteja depondo formalmente como testemunha. São corriqueiros os mandados judiciais autorizando a coleta de material orgânico para exame de DNA, e a ninguém ocorre que a pessoa possa se opor à ordem, sem motivo convincente. Na Alemanha, o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare é visto como derivação do direito à personalidade (das allgemeine Persönlichkeitsrecht) e do princípio do Estado de Direito (Rechtsstaatsprinzip) (art. 2 I GG e Art. 1 I GG). Impede que a pessoa seja forçada a depor ("Niemand wird gehalten, sich selbst anzuklagen"), sem que isso valha como confissão de culpa (BVerfG StV 1995, 505 [506]; BGHSt 42, 139 [152]). Além do direito ao silêncio (Schweigerecht), o acusado pode mentir, sem o risco de ser punido (Urs Kindhäuser, Strafprozessrecht, p. 63, rubrica "Die Rechte des Beschuldigten" - Os Direitos do Acusado: "er kann sogar lügen, ohne eine Sanktion befürchen zu müssen...").
Não parece que a jurisprudência desses países vá tão longe a ponto de dar ao Suspeito/Acusado o direito de eximir-se da coleta de material orgânico ou, menos ainda, de recusar um mero sopro no bafômetro. O motivo é singelo: eles não estão fazendo prova contra si próprios; quem faz essa prova é o Estado. O STF, contudo, parece conferir dimensão muitíssimo mais ampla ao princípio do nemo tenetur: ainda que um fio de cabelo ou uma gota de saliva bastem à investigação ou à instrução processual, é preciso que a polícia ou o juiz os catem no chão. Não podem ser "obtidos" contra a vontade do Suspeito, pouco importando o direito de outra pessoa a conhecer sua origem genética (exame de paternidade) ou o interesse da vítima e da sociedade em geral no esclarecimento de crimes (persecução criminal). É mais um exemplo eloqüente da distorção que a alfândega dos trópicos impõe às doutrinas estrangeiras que aqui aportam."
Disponível em:
http://reservadejustica.wordpress.com/tag/direito-a-nao-auto-incriminacao/
O entendimento mais restritivo do direito à não auto-incriminação, salvo melhor juízo, parece o mais acertado analisando-se o direito comparado e a doutrina mais balizada.
No direito comparado podemos citar as legislações de Portugal, França e Estados Unidos que reprimem a recusa de realização de testes de alcoolemia.
O Código da Estrada de Portugal, no art. 158º, obriga que o motorista seja submetido a exames de detecção de níveis de álcool, impondo, no art 158, item 3, a punição por desobediência a recusa na realização de exames.
CÓDIGO DA ESTRADA (Decreto-Lei n.º 265-A/2001 de 28 de Setembro)
Artigo 158.º
Princípios gerais
1 Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2 Quem praticar actos susceptíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, são punidas por desobediência.
4 As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, são impedidas de iniciar a condução.
5 O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, é punido por desobediência.
Disponível em: http://www.dgv.pt/UpLoadedFiles/codigo_estrada.pdf
O Código de Trânsito Francês (Code de le Route) possui 14 dispositivos que tratam especificamente da condução de veículo sob a influência de álcool (Chapitre 4 : Conduite sous l''influence de l''alcool - Article L234-1 a 234-14) [06] .
Ademais, o Code des Débits de Boison e des Mesures contre l''Alcoolisme determina a prisão daquele motorista flagrado com suspeita de embriaguez e que se recusa a realizar os exames previstos em lei para detecção nos níveis de álcool no organismo.
Não bastassem tais regras, o Código Penal Francês em seu art. 221-6-1, determina que o crime de homicídio culposo no trânsito será agravado pelo fato do motorista estar embriagado ou caso se recuse a proceder aos exames de comprovação do estado de embriaguez.
CÓDIGO PENAL FRANCÊS
Article 221-6-1 En savoir plus sur cet article...
Créé par Loi n°2003-495 du 12 juin 2003 - art. 1 JORF 13 juin 2003
Lorsque la maladresse, l''imprudence, l''inattention, la négligence ou le manquement à une obligation législative ou réglementaire de sécurité ou de prudence prévu par l''article 221-6 est commis par le conducteur d''un véhicule terrestre à moteur, l''homicide involontaire est puni de cinq ans d''emprisonnement et de 75 000 Euros d''amende.
Les peines sont portées à sept ans d''emprisonnement et à 100 000 Euros d''amende lorsque:
1° Le conducteur a commis une violation manifestement délibérée d''une obligation particulière de sécurité ou de prudence prévue par la loi ou le règlement autre que celles mentionnées ci-après ;
2° Le conducteur se trouvait en état d''ivresse manifeste ou était sous l''empire d''un état alcoolique caractérisé par une concentration d''alcool dans le sang ou dans l''air expiré égale ou supérieure aux taux fixés par les dispositions législatives ou réglementaires du code de la route, ou a refusé de se soumettre aux vérifications prévues par ce code et destinées à établir l''existence d''un état alcoolique ;
Disponível em:
http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=11434BA8D5392F3E4D61FF94B71ED94F.tpdjo14v_2?idSectionTA=LEGISCTA000006165277&cidTexte=LEGITEXT000006070719&dateTexte=20080815
João Francisco de Assis, professor de direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM), por sua vez, em seu texto TESTES DE ALCOOLEMIA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO [07] afirma que o CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MODELO PARA A IBERO-AMÉRICA prevê a possibilidade de realização de exames mesmo sem o consentimento do infrator desde que não haja perigo de prejuízo da saúde.
...
"O Código de Processo Penal Modelo para Ibero-america, no art. 38, prevê serem admissíveis extrações de sangue e outras intervenções corporais, que serão efetuadas segundo as regras do saber médico, mesmo sem o consentimento do imputado, quando não haja qualquer probabilidade de prejuízo para a saúde."
Disponível em: http://www.dpp.uem.br/005.htm
Prosseguindo, o código de trânsito da Pennsylvancia (E.U.A.) institui uma interessante presunção de que toda e qualquer pessoa que dirige veículos automotores, implicitamente permitem a realização de exames para verificação do estado de embriaguez. E mais, prevê a suspensão do direito dirigir por 12 meses àqueles que recusam a se submeter aos referidos exames.
CHEMICAL TESTING TO DETERMINE AMOUNT OF ALCOHOL OR CONTROLLED SUBSTANCE
Section 1547 of the Vehicle Code
Any person who drives, operates or is in actual physical control of the movement of a motor vehicle in Pennsylvania shall be deemed to have given consent to one or more chemical tests of breath, blood or urine for the purposes of determining the alcoholic content of blood or the presence of a controlled substance if a police officer has reasonable grounds to believe that person to have been driving, operating or in actual physical control of the movement of the motor vehicle:
While under the influence of alcohol or a controlled substance or both; or
which was involved in an accident in which the operator or passenger of any vehicle involved or a pedestrian required treatment at a medical facility or was killed.
If a person refuses to submit to a chemical test, the testing shall not be conducted but upon notice by the police officer, the Department of Transportation shall suspend the operating privilege of the person for a period of 12 months.
Disponível em:
http://www.lcb.state.pa.us/edu/cwp/view.asp?a=1346&Q=555019#CHEM
Na Suprema Corte Americana, podemos citar o clássico caso Schmerber v. California, 384 U.S. 757 (1966), no qual restou decido não infringir o direito à não auto-incrininação a coleta de sangue de motorista inconsciente envolvido em acidente de trânsito com suspeita de estar embriagado.
Breithaupt summarily rejected an argument that the withdrawal of blood and the admission of the analysis report involved in that state case violated the Fifth Amendment privilege of any person not to "be compelled in any criminal case to be a witness against himself," citing Twining v. New Jersey, 211 U.S. 78. But that case, holding that the protections of the Fourteenth Amendment do not embrace this Fifth Amendment privilege, has been succeeded by Malloy v. Hogan, 378 U.S. 1, 8. We there held that "[t]he Fourteenth Amendment secures against state invasion the same privilege that the Fifth Amendment guarantees against federal infringement - the right of a person to remain silent unless he chooses to speak in the unfettered exercise of his own will, and to suffer no penalty . . . for such silence." We therefore must now decide whether the withdrawal of the blood and admission in evidence of the analysis involved in this case violated petitioner''s privilege. We hold that the privilege protects an accused only from being compelled to testify against himself, or otherwise provide the State with evidence of a testimonial or communicative nature,[Footnote 5] and that the withdrawal of blood and use of the analysis in question in this case did not involve compulsion to these ends.
Disponível em: http://vlex.com/vid/19992975
No mesmo sentido o case Daniel G. Chapel, Defendant-Appellant., 55 F.3d 1416 (9th Cir. 1995 00:00:00), o qual restou assim decidido:
...
"Chapel argues, however, that the statute is meaningless if it is not construed to imply the requirement of an arrest prior to a test for which there is no express consent. We do not think so. Although it is true that Schmerber, as we now construe it, obviates the necessity of an implied consent both before and after arrest, this fact does not deprive the statute of meaning or effect. The two subsections must be read together. Subsection (a) implies a consent to testing in the event of an arrest, and subsection (b) provides that drivers who have so consented and refused a test, after having been advised of the consequences, may lose their driving privileges and may have the refusal used against them in court. Officers may decide to test without an arrest, under Schmerber, or, if they prefer not to cause the forcible extraction of a sample, may make an arrest and rely on the alternative sanctions subsection (b) provides. The statute has not become useless or nonsensical. There is accordingly no occasion for us to consider whether heroic measures of construction are necessary or appropriate to save the statute. As written, section 3118 applies "if" the suspect is arrested, and there we leave it.(4)
We therefore conclude that no statutory bar stands in the way of our decision. We accordingly overrule Harvey, and hold that an arrest is not a constitutional prerequisite for the non-consensual taking of Chapel''s blood without a warrant. We vacate the panel''s decision, and remand to the panel for a determination whether probable cause existed to support the taking of blood from Chapel, and for further disposition consistent with this opinion."
4 - Our disposition of this question makes it unnecessary for us to decide whether evidence obtained in violation of section 3118 is inadmissible
Disponível em: http://vlex.com/vid/37691541
Na doutrina nacional, podemos destacar os membros do Ministério Público goiano, Edison Miguel da Silva Júnior e Mozart Brum Silva [08] que defendem a obrigatoriedade do uso do bafômetro sob o argumento de que a norma do art 269 e 277 do CTB são voltadas ao fiscal de trânsito e não ao motorista.
Nessa linha de raciocínio, tendo por eixo o direito penal democrático (mínimo e garantista), a obrigatoriedade da realização dos exames está dirigida à autoridade de trânsito e não ao cidadão-suspeito. O inciso IX do artigo 269 do CTB prevê esse dever da autoridade, ao passo que o mencionado artigo 277 apenas fixa a situação em que deve ocorrer: quando suspeitar que o condutor de veículo automotor se acha impedido de dirigir em decorrência da concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue.
Por outro lado, sem a referida norma, a autuação por embriaguez ao volante ocorreria por mera suspeitada autoridade, com todos os constrangimentos dela decorrente: apreensão da Carteira de Habilitação e do veículo, multa administrativa e prisão em flagrante. Nessa hipótese, a justa causa para a autuação ficaria dependendo apenas do subjetivismo (suspeita) da autoridade, sem nenhuma outra exigência legal.
Assim, o artigo 277 do CTB não é inconstitucional, mas dispositivo que limita o poder do Estado em respeito ao direito individual de liberdade. Semelhante ao que ocorre, por exemplo, com a exigência do artigo 158 do CPP (exame de corpo de delito) ou, ainda, com a do artigo 22, §1º, da Lei 6.368/76 (laudo de constatação). A novidade é que nestes artigos a prova da materialidade é requisito legal para o início da ação penal e naquele para a autuação.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1749
Apesar dos posicionamentos favoráveis à constitucionalidade da norma em discussão, acima apontados, faz-se necessário discorrer sobre o posicionamento do ilustre penalista Damásio de Jesus que em seu artigo Limites à Prova da Embriaguez ao Volante: a Questão da Obrigatoriedade do Teste do "Bafômetro" [09], pois afirma ser inconstitucional a submissão ao bafômetro contra a vontade do motorista.
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"Sob o ponto de vista penal, considero intransponível, no atual estágio de desenvolvimento das garantias constitucionais, a superação do direito ao silêncio, reconhecido no art. 5.º, LXIII, da Constituição Federal, com o intuito de obrigar o condutor a colaborar na produção de prova contra si mesmo. De fato, é prova reconhecidamente inadmissível a coleta de sangue do condutor contra a sua vontade ou a submissão forçada ao conhecido teste do "bafômetro" (etilômetro). Essa limitação é imposta pela necessidade de tutela a direitos fundamentais, como esclarece Antonio Magalhães Gomes filho: "No Brasil, o direito ao silêncio do acusado, que já era mencionado pelo art. 186 do Código de Processo Penal, embora com a sugestiva admoestação de que poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, foi elevado à condição de garantia constitucional pelo art. 5.º, LXIII, da Carta de 1988, que determina: `o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)´; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também assegura `a toda pessoa acusada de delito (...) o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada (...)´ (art. 8.º, g). (...) De qualquer modo - e isso é o que interessa ao presente estudo - o direito à não auto-incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão, comprometendo o caráter ético-político do processo e a própria correção no exercício da função jurisdicional" (grifos do autor)."
...
"Essa rápida visão da doutrina constitucional e processual penal brasileira demonstra claramente os percalços os quais surgiriam em função de eventual constrangimento imposto ao condutor para que produzisse prova contra si mesmo. Idêntica conclusão poderíamos extrair de eventual ilícito administrativo criado para punir a recusa a tal colaboração do condutor. Ora, se o direito à não-auto-incriminação adquiriu um status constitucional, é evidente que nenhuma outra regra, muito menos de cunho administrativo, pode servir de instrumento de persuasão para que o indivíduo viole as suas próprias convicções e, especialmente, os seus direitos fundamentais. Se assim ocorre no campo administrativo, igualmente sucederá no Direito Penal, porquanto inadmissível a configuração de crime de desobediência12 em razão de o condutor negar a sua colaboração para a realização dos testes de embriaguez."
Disponível em:
http://209.85.215.104/search?q=cache:ja_VjprMVYYJ:www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2004/05-25_damasioevangelistadejesus.doc+%22direito+ao+sil%C3%AAncio%22+produ%C3%A7%C3%A3o+provas&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=7
Em detida análise quanto a íntegra do referido texto, verifica-se que o renomado jurista afirma ser possível a realização de exame clínico para averiguação do estado de embriaguez. Neste ponto, contudo, verifica-se certa contradição em sua linha de pensamento no momento em que afirma que a verificação do estado de embriaguez poderá ocorrer pela análise de "hálito, motricidade (marcha, escrita, elocução), psiquismo e funções vitais entre outras pesquisas médicas, cuja realização, em vários casos, independerão da colaboração do condutor do veículo automotor"
"Pois bem. Ainda que o condutor exerça o direito à não-auto-incriminação, é possível, diante dos indícios configuradores de crime de trânsito (art. 306 do CTB), encaminhá-lo à autoridade de polícia judiciária a qual, de imediato, expedirá a requisição para o exame clínico. Em razão da pesquisa do médico oficial, será possível aferir se o condutor dirigia, de forma anormal, sob o efeito de álcool ou substância análoga, o que se mostrará suficiente para a configuração do art. 306 do CTB, haja vista ser desnecessário estabelecer, para efeitos penais, a dosagem de concentração do álcool no organismo do condutor. Como ensina a doutrina, basta a prova da ingestão dessas substâncias e a influência por elas exercidas na forma de condução do veículo automotor em via pública. Constatando-se o comportamento anormal à direção - ziguezagues, velocidade incompatível com a segurança etc. - já será possível a imposição de sanções penais (art. 306). Ressalto que, no exame clínico, serão observados: hálito, motricidade (marcha, escrita, elocução), psiquismo e funções vitais, entre outras pesquisas médicas, cuja realização, em vários casos, independerão da colaboração do condutor do veículo automotor."
Disponível em:
http://209.85.215.104/search?q=cache:ja_VjprMVYYJ:www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2004/05-25_damasioevangelistadejesus.doc+%22direito+ao+sil%C3%AAncio%22+produ%C3%A7%C3%A3o+provas&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=7
Ora, evidente que todos os aspectos acima citados dependem de colaboração do motorista, já que o mesmo poderá, diante da interpretação dada pelo ínclito mestre Damásio, recusar-se a "bafejar", a caminhar, escrever, falar e ter aferida sua pulsação [10].
Vejam como a interpretação demasiadamente ampliativa do "direito ao silêncio" poderá inviabilizar, até mesmo, qualquer simples exame de corpo de delito.
Os Bens Jurídicos Tutelados e a Colisão de princípios constitucionais
É certo, como visto acima, que a Carta Magna protege o direito do indivíduo à não auto-incriminação. Mas protege, também, com a mesma intensidade, no caput do art 5º, o direito à vida e à segurança e, no art 144 o direito à segurança pública.
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos"
No caso em tela, normas constitucionalmente protegidas se colidem. De um lado o direito do motorista à sua intimidade e inviolabilidade pessoal e de outro, o direito à segurança e o direito à integridade física dos demais condutores e pedestres.
É certo que diante da colisão de princípios constitucionais deve-se aplicar a teoria da ponderação dos princípios constitucionais.
O processo de ponderação no caso deve ser desenvolvido em duas etapas:
a) concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite,
b) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, no caso concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional.
Neste Sentido já se manifestou o TJ do RJ:
Responsabilidade civil de empresa jornalística. Publicação ofensiva. I. Liberdade de informação versus inviolabilidade à vida privada. Princípio da unidade constitucional. Na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. De um lado, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, de outro lado, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Sempre que princípios aparentam colidir, deve o intérprete procurar as recíprocas implicações existentes entre eles até chegar a uma inteligência harmoniosa, porquanto, em face do princípio da lealdade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro, atuando como limite estabelecido pela própria Lei Maior para impedir excessos e abusos" (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n° 760/96 - RJ, 2ª Câmara Cível, rel. Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO).
Pode-se afirmar, ainda, que no exercício de ponderação utiliza-se o princípio instrumental da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Prosseguindo, para melhor análise da questão apresentada, faz-se mister apresentarmos uma breve evolução da legislação de trânsito.
Quando o mundo vivenciou a produção em massa dos automóveis iniciada por Henry Ford, os poucos motoristas que circulavam em automóveis pelo país não estavam condicionados a qualquer tipo de normatização Estatal.
Todavia, o aumento da frota e dos acidentes envolvendo os veículos obrigou o Estado a criar regras gerais de circulação e conduta no trânsito.
Tais regras, bem como a exigência de obtenção de uma "licença para dirigir" foram criadas para regulamentar o trânsito e proteger os bens (públicos e particulares) dos motoristas imperitos, bem como proteger a vida e a incolumidade física dos transeuntes e os condutores e passageiros dos outros veículos.
Quanto mais modernos e velozes ficavam os veículos automotores, mais e mais normas protetivas e de segurança foram criadas pelo Estado. Em 1966, foi editada a lei federal 5.108 [11] que instituiu o Código Nacional de Trânsito, sendo este regulamentado, em 1968, pelo decreto 62.127. [12]
Em 1997 nasceu, então, o Código de Trânsito Brasileiro, norma extremamente rígida e que tem insculpida no art 1º, § 2º, como princípio basilar, o direito ao "trânsito em condições seguras"
"Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
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§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito"
Em conclusão a este breve histórico, nota-se que a intenção do legislador pátrio foi de dar efetividade ao princípio da segurança e do direito à vida previsto no art 5º da CF/88, ao impor como dever do Estado (no caso os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito) de garantir o trânsito em condições seguras além de imputar-lhe responsabilidade objetiva pelas suas ações e omissões na gestão do trânsito (art. 1º, § 3º do CTB).
"§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro."
Passada esta breve digressão, vejamos os direitos constitucionais que estão em colisão:
De um lado encontra-se o direito do condutor de não se submeter a exames de verificação de dosagem alcoólica, em razão da proteção conferida pela Constituição à intimidade dos cidadãos e, ainda, pela previsão de que o seu silêncio não poderá ser argumento para o fundamento de imputação de qualquer conduta criminosa (não auto-incriminação).
De outro lado, vislumbra-se a obrigação do Estado ordenar o trânsito de modo a garantir o direito à vida, à integridade física e à segurança pública.
Em uma análise bastante superficial pode-se notar que os direitos à vida e segurança estão localizados no caput do artigo 5º o que pode denotar uma prevalência sobre os demais, inclusive os direitos à intimidade e ao silêncio que estão estipulados nos incisos XXXVI e LVIII do referido artigo.
Mas não é só. Realizando o exercício de ponderação acima estudado, outra não pode ser a conclusão senão a de que o direito à vida deverá sempre prevalecer, uma vez que este é a base dos direitos fundamentais previsto na CF/88 e a razão maior para existência de todo o arcabouço legislativo.
Importante ainda ressaltar que, diferente do que afirmam alguns articulistas, a utilização de veículos automotores não é incondicionada nem se trata do direito de livre locomoção previsto na Constituição.
A natureza jurídica deste instituto é de licença. O Estado somente permite a condução de veículos automotores por indivíduos maiores de 18 anos, alfabetizados, que possuam carteira de identidade e que sejam aprovados em testes de saúde, psicotécnicos, de legislação e de direção.
"Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos:
I - ser penalmente imputável;
II - saber ler e escrever;
III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente.
Parágrafo único. As informações do candidato à habilitação serão cadastradas no RENACH."
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm
Logo, verifica-se que a condução de veículos automotores é condicionada à preexistência de diversos requisitos. Mas os requisitos para a direção de veículo automotor não estão apenas no art 140, mas em todo o Código de Trânsito Brasileiro.
Dentre as diversas condições existentes podemos citar como uma das mais importantes a proibição de ingerir bebida alcoólica e conduzir veículo automotor.
Logo, a obrigação de submeter-se aos testes de alcoolemia, não se trata de ato de produzir provas contra si mesmo, mas sim de demosntrar que está cumprindo um dos requisitos previstos em lei para poder conduzir veículo automotor em vias públicas, qual seja, dirigir sem estar sob influência de álcool.
Assim, a resistência em submeter-se aos exames não poderá ser encarada como direito à não auto-incriminação, mas como ausência de requisito para direção de veículos automotores.
Citemos outros exemplos suficientes para elucidar a questão:
Dispõe a Resolução 14 do CONTRAN que o extintor de incêndio trata-se de equipamento obrigatório.
Em uma blitz de fiscalização é licito que o motorista se recuse a mostrar o extintor, já vencido, com base no direito à não auto-incriminação?
Ou ainda, pode o motorista se recusar a acender os faróis para que o fiscal de trânsito verifique se as lanternas estão em perfeito funcionamento?
Assim como dispõe a legislação do Estado da Pennsylvania (U.S.A.) acima citado, entendo que aquele cidadão que solicita do Estado uma licença para conduzir veículos automotores em vias públicas, ciente de que a lei proíbe a ingestão de álcool, implicitamente estará permitindo que esse requisito seja aferido em eventual fiscalização, isto é, ao obter a CNH ou permissão para dirigir o motorista abre mão de parcela de sua intimidade em benefício do trânsito em condições seguras, conforme estipulado no CTB.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto e respeitadas as posições dos renomados juristas e articulistas que defendem a inconstitucionalidade do art. 277, § 3º, entendo que o referido dispositivo legal está em consonância com toda a proteção constitucional à vida e à segurança da população.
Assim, a resposta à pergunta apresentada é NÃO.
A Autoridade Policial pode, e deve (poder-dever de polícia), dentro da legalidade, fiscalizar e punir não só aqueles que dirigem alcoolizados bem como aqueles que se recusam a comprovar que se encontram aptos a uma direção segura.
Como visto, a lei brasileira não é a única a punir o condutor que se recusa à realização dos testes de alcoolemia, até mesmo porque é, no mínimo, descabido privilegiarmos a intimidade de um cidadão em detrimento ao direito à vida e integridades daqueles que se utilizam as vias públicas mesmo tendo ciência do elevadíssimo número de mortes causadas por motoristas embriagados em todo o planeta.
Notas
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A quinta emenda protege, em matéria criminal, o cidadão contra a auto-incriminação. Historicamente, a proteção jurídica contra a auto-incriminação está diretamente relacionada com a questão da tortura para extrair informações e confissões, comuns no final do século 16 e início do século 17, na Inglaterra. O caso mais célebre John Lilburne recusou-se a prestar juramento, em 1637. Seu caso mobilizou parcela da sociedade para as reformas contra juramentos forçados, auto-incriminação, e outros tipos de coerções. Foi apresentado "The Humble Petition of Many Thousands" para o Parlamento Inglês em 1647 com treze pedidos, entre os quais, o direito a não auto-incriminação. Estas proteções foram trazidas os Estados Unidos, e foram posteriormente incorporadas na Constituição através da sua Carta de Direitos. (elaborado a partir do texto disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Takings_Clause#cite_note-5). -
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SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da; SILVA, Mozart Brum. Obrigatoriedade do bafômetro no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <>=1749>. Acesso em: 15 ago. 2008.
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Trabalho apresentado no Debate Técnico Volvo de Segurança no Trânsito, com o tema Como tornar obrigatório o teste do bafômetro no Brasil?, promovido pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito e pelo Departamento de Trânsito do Paraná, em Curitiba, no dia 7 de abril de 2004.
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Quanto ao fornecimento de padrões vocais e de grafia, vide decisões do STF acima citadas (HC 83.096/RJ e HC 95.037).
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