Caro, complexo, demorado — e fundamental. Ao investir no maior programa de bolsas internacionais para estudantes brasileiros já realizado, o governo tenta elevar o patamar da ciência nacional
Cristiane Mano, de
Os bolsistas Jaeger, Adonno e Fidelis (da esq. para a dir.): estágio na Nasa
Nova York - Assim como milhares de universitários brasileiros, os três jovens retratados na foto ao lado aguardam ansiosos o início de seu primeiro estágio. Para eles, a estreia vem acompanhada de uma dose extra de expectativa. No início de maio, eles serão os mais novos integrantes da equipe de pesquisadores da Nasa, agência espacial que, mais de quatro décadas atrás, levou pela primeira vez o homem à Lua.
O destino dos três se cruzou em janeiro, quando eles ganharam uma bolsa de estudo para completar o quarto ano da faculdade na Universidade Católica de Washington, nos Estados Unidos. O paranaense Fernando Jaeger, de 23 anos, e o mineiro Tito Fidelis, de 25 anos, estudam engenharia mecânica no Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), no interior de São Paulo.
O paulista Victor Adonno, de 21 anos, cursa matemática na Universidade de São Paulo. A experiência nos Estados Unidos durará um ano e foi totalmente organizada e patrocinada pelo governo brasileiro — do valor do curso à acomodação, e até uma verba de 1 000 dólares para que cada estudante compre um computador.
Ao final de um ano de estudo, Jaeger, Fidelis e Adonno devem voltar ao Brasil para concluir a graduação na escola de origem. “Nunca sonhei que teria uma oportunidade como essa”, diz Jaeger, prestes a se integrar a um projeto de um robô de exploração espacial.
Os três estudantes fazem parte da primeira leva de bolsistas do maior programa de intercâmbio educacional já realizado no Brasil — o Ciência sem Fronteiras, lançado em dezembro de 2011. O custo do programa impressiona. Com investimento de 3,2 bilhões de reais, o Ciência sem Fronteiras deverá distribuir 101 000 bolsas de estudo para brasileiros até 2015.
Só participam da seleção alunos de ciências exatas ou biológicas — como engenharia, medicina e computação, áreas em que o Brasil demonstra profunda carência de profissionais qualificados. A escolha dos bolsistas é feita com base em mérito: considera o desempenho acadêmico, a participação em pesquisas científicas e prêmios ganhos em competições universitárias.
Cerca de 4 500 estudantes escolhidos já estão fora do país, a maior parte para completar um ano de estudo nas modalidades de doutorado ou graduação. Outros 10 000 devem embarcar até o fim deste ano para estudar em quase uma centena de universidades de 30 países. Caso bata a meta, o Ciência sem Fronteiras triplicará o atual número de bolsas de estudo internacionais financiadas pelo governo.
Durante a viagem aos Estados Unidos programada para o dia 9 de abril, a presidente Dilma Rousseff deverá assinar acordos com dez das mais conceituadas universidades americanas, como Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT).
“Hoje, esse é o maior programa de bolsas organizado por um governo para trazer estudantes estrangeiros aos Estados Unidos”, diz Allan Goodman, diretor do Institute of International Education, órgão contratado pelo governo brasileiro para fazer parcerias com instituições americanas. “Nunca vi nada com a mesma proporção em tão pouco tempo.”
O primeiro esforço para ampliar o envio de brasileiros a universidades estrangeiras ocorreu nos anos 70, quando o número de bolsistas no exterior foi multiplicado por 20. No início daquela década, cerca de 70 bolsistas brasileiros estudavam em outros países, apenas no nível de graduação
Em 1978, havia 1 200 deles. “Na época, o impulso foi fundamental para garantir, por exemplo, a criação de empresas de tecnologia como a Embraer”, diz Márcio de Castro, diretor de relações internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação. “Esperamos obter um novo salto tecnológico no país com a conclusão do programa atual.”
O projeto foi organizado, entre abril e agosto de 2011, pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Educação. A prioridade foi convencer empresas e entidades de classe a bancar 26 000 bolsas — tarefa à qual a presidente se dedicou pessoalmente. A maior patrocinadora é a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), com 6 500 alunos.
Entre as empresas, as maiores são Petrobras, com 5 000, e Eletrobras, com 2 500. Boa parte das parcerias com as universidades estrangeiras, no entanto, ainda está em negociação. Delegações com cerca de 20 reitores brasileiros já viajaram para países como Estados Unidos, Itália e França.
Uma das metas é aumentar a proporção de alunos que já saem do Brasil com curso e estágio garantidos — o que ainda é exceção. É o caso do acordo firmado com a fabricante de aeronaves Boeing, patrocinadora de 14 bolsas para alunos de graduação em engenharia que chegaram em janeiro aos Estados Unidos e iniciarão em maio um estágio na fábrica da companhia, em Seattle.
Os alunos têm acompanhamento individual de um engenheiro da Boeing para aplicar conceitos aprendidos em sala de aula. “Nunca fizemos nada semelhante antes e esperamos que a experiência tenha bons resultados”, diz Donna Hrinak, presidente da Boeing para o Brasil.
No caso dos estagiários da Nasa, a parceria surgiu da iniciativa da paulista Duília de Mello, pesquisadora da agência espacial e professora de astronomia da Universidade Católica de Washington. “Procurei o governo brasileiro assim que soube das vagas”, diz Duília.
Há vários méritos no Ciência sem Fronteiras. Mas, talvez, o maior deles seja a rara decisão de investir em algo que é e continuará sendo o fundamento para o sucesso do país: a educação de qualidade. Os resultados não aparecerão amanhã. Educação é para quem acredita no longo prazo.
Os custos são altos e, quando comparado a outros países emergentes, o Brasil está atrasado. Hoje, há 160 000 alunos chineses em universidades americanas. Os brasileiros não chegavam a 9 000 até 2011. Com o programa, serão 30 000 por ano.
Ainda assim — e por tudo isso —, o programa é fundamental. Basta ver o que vem acontecendo na China, país que na década de 70 assumiu a missão de abrir as portas das melhores universidades do mundo para seus estudantes. (Hoje, apenas 5% dos chineses que frequentam universidades americanas são bolsistas.) Ao retornar, engenheiros, matemáticos e biólogos formados no exterior ajudaram a colocar a China no caminho da inovação.
Desde 2000, o número de patentes depositadas no país cresceu 450%. “A iniciativa brasileira tem mérito”, diz o economista Gustavo Ioschpe, especialista em educação. “Mas, diferentemente do Brasil, países como China e Coreia do Sul aliaram medidas semelhantes a uma política para criar centros de excelência dentro de casa e em educação de base.”
Poucos bilíngues
Uma barreira para a expansão do Ciência sem Fronteiras é justamente a deficiência na formação de boa parte dos estudantes brasileiros. Dos 7 000 inscritos para a primeira turma do intercâmbio de graduação, cerca de 2 000 preencheram os requisitos técnicos — 25% deles, no entanto, foram barrados por falta de fluência em inglês.
Na segunda turma de graduandos, que deve embarcar no segundo semestre, alunos com notas inferiores à média nesse quesito serão aceitos e frequentarão um curso prévio de dois meses para melhorar o domínio do idioma. Para quem já tentou fazer ciência no país no passado, a ida de mais brasileiros aos melhores centros de ensino do mundo é um inquestionável avanço.
Doutora em astrofísica pela Universidade de São Paulo, a pesquisadora da Nasa Duília de Mello mudou-se para os Estados Unidos há 15 anos, quando a bolsa que a mantinha como pesquisadora do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, foi cortada pela metade. “Deixei um país que dava desânimo”, diz ela. “Hoje, pelo menos vejo sinais de que querem levar ciência mais a sério.”