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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

APRESENTO-ME: MEU NOME É CRISE

MEU NOME É CRISE
Escrito por Frei Betto
14-Nov-2008
Há tempos não se falava tanto de mim como agora. Tudo por causa de uma
crise no sistema financeiro. A África anda, também há tempos, em crise
crônica - de democracia, de alimentos, de recursos; quem fala disso?
Existe ameaça de crise do petróleo; governantes e empresários parecem em
pânico frente à possibilidade de não poder alimentar 800 milhões de
veículos automotores que rodam sobre a face da Terra.
No último ano, devido ao aumento do preço dos alimentos, o número de
famintos crônicos subiu de 840 milhões para 950 milhões, segundo a FAO.
Mas quem se preocupa em alimentar miseráveis?
Meu nome deriva do grego krísis, discernir, escolher, distinguir,
enfim, ter olhos críticos. Trago também familiaridade com o verbo
acrisolar, purificar. Ao contrário do que supõe o senso comum, não
sou, em si, negativa. Faço parte da evolução da natureza.
Houve uma crise cósmica quando uma velha estrela, paradoxalmente
chamada supernova, explodiu há 5 bilhões de anos; seus cacos,
arremessados pelo espaço, deram origem ao sistema solar. O Sol é um
pedaço de supernova dotado de calor próprio. A Terra e os demais
planetas, cacos incandescentes que, aos poucos, se resfriaram. Daqui 5
bilhões de anos o Sol, agonizante, também verá sua obesidade dilatada
até se esfacelar nos abismos siderais.
Todos nós, leitores, passamos pela crise da puberdade. Doeu ver-nos
expulsos do reino da fantasia, a infância, para abraçar o da
realidade! Nem todos, entretanto, fazem essa travessia sem riscos. Há
adolescentes de tal modo submersos na fantasia que, frente aos
indícios da idade adulta, que consiste em encarar a realidade,
preferem se refugiar nas drogas. E há adultos que, desprovidos do
senso de ridículo, vivem em crise de adolescência.
Resulto da contradição inerente aos seres humanos. Não há quem não
traga em si o seu oposto. Quantas vezes, no trânsito, o mais amável
cidadão arremessa o carro sobre a faixa de pedestres? A gentil donzela
enfia a mão na buzina? O aplicado estudante acelera além da
conveniência?!
Não é fácil conciliar o modo de pensar com o modo de agir.
Estou muito presente nas relações conjugais desprovidas de valores
arraigados. Sobretudo quando a nudez de corpos não traduz a de
espíritos e o não-dito prevalece sobre o dito. Felizmente muitos
casais conseguem me superar através do diálogo, da terapia, da
descoberta de que o amor é um exercício cotidiano de doação recíproca. O
príncipe e a fada encantados habitam o ilusório castelo da
imaginação.
Agora, assusto o cassino global da especulação financeira.
Acreditou-se que o capitalismo fosse inabalável, sobretudo em sua
versão neoliberal religiosamente apoiada em dogmas de fé: o livre
mercado, a mão invisível, a capacidade de auto-regulação, a
privatização do patrimônio público etc.
Dezenove anos após fazer estremecer o socialismo europeu, eis-me aqui a
gerar inquietação ao mercado. A lógica do bem-estar não lida com o
imprevisto, o fracasso, o inusitado, essas coisas que decorrem de minha
presença. Os governantes se apressam em tentar acalmar os ânimos como a
tripulação do Titanic: enquanto a água inundava a quilha, ordenou à
orquestra prosseguir a música.
Tenho duas faces. Uma, traz às minhas vítimas desespero, medo,
inquietação. Atinge aquelas pessoas que não acreditavam em minha
existência ou me encaravam como se eu fosse uma bruxa - figura
mitológica do passado que já não representa nenhuma ameaça.
Minha outra face, a positiva, é a que a águia conhece aos 40 anos: as
penas estão velhas, as garras desgastadas, o bico trincado. Então ela
se isola durante 150 dias e arranca as penas, as garras, e quebra o
bico. Espera, pacientemente, a renovação. Em seguida, voa saudável rumo
a mais 30 anos de vida.
Sou presença freqüente na experiência da fé. Muitos, ao passar de uma
fé infantil à adulta, confundem o desmoronar da primeira com a
inexistência da segunda; tornam-se ateus, indiferentes ou agnósticos.
Não fazem a passagem do Deus "lá em cima" para o Deus "aqui dentro" do
coração. Associam fé à culpa e não ao amor.
Acredito que este abalo na especulação financeira trará novos
paradigmas à humanidade: menos consumismo e mais modéstia no padrão de
vida; menos competição e mais solidariedade entre pessoas e
empreendimentos; menos obsessão por dinheiro e mais por qualidade de
vida.
Todas as vezes que irrompo na história ou na vida das pessoas, trago
um recado: é hora de começar de novo. Quem puder entender, entenda.

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