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sábado, 31 de outubro de 2009

LEMBRANÇAS DO PROF. ACCIOLY DA CRUZ MOREIRA

O mestre se torna mestre quando seus ensinos são fundidos nas mentes dos alunos sem que essa pretensão seja externada ou a força. Dá-se pela simplicidade em passar conhecimento com autenticidade.
Tive muitos professores importantes na minha vida, na minha formação.
Mas o que sempre permanece vivo na memória é o Prof. Accioly da Cruz Moreira, de Dir. Comercial e Falência, da UESC, em Ilhéus.
Não há necessidade de ciúmes dos demais, é que os fatos pitorescos que relatarei abaixo merecem registro.

O Prof. Accioly era o típico professor de sala de aula, não faltava e não se podia perder suas aulas, pois não adiantava estudar por livros ou anotações dos colegas para suprir a aula, acaso perdida.

Era promotor público aposentado e parece que chegou a ter alguns embates processuais com Cosme de Farias, outra figura ilustre que merece uma biografia.
Foi Comodoro do Yacht Clube de Ilhéus.
Seu veículo era um BR 800 da Gurgel e usava gravata borboleta com uma certa freqüência.

Eis algumas pérolas de lembranças, por mim presenciadas e outras contadas por colegas, todas tragicômicas.
Quem se recordar de mais alguma nos informe, para anotarmos no blog e na web.

"No passado o cigarro não era alvo de tantos ataques. Assim, era comum pessoas fumarem em sala de aula ou mesmo o professor lecionar e fumar.
Accioly era um deles, mas depois parou, por causa da idade e da saúde.
Contam que certa feita, lecionando e fumando, um aluno lhe trouxe café da Cantina do Lelê, ao que ele agradeceu. O aluno pediu-lhe um cigarro, para fazer uma média com o mestre, ao que lhe respondeu: 'quem tem seu vício que sustente.'"

"Com o tempo os alunos passavam a entender o trato com o mestre em sala.
Uma das regras era não fazer perguntas aleatórias, idiotas ou desprovidas de bom senso.
Quando algum desavisado ou quem pretendia fazer uma média, fazia uma pergunta idiota, ele já mandava parar e nem deixava concluir, e dizia: 'não chegue perto, fique longe de mim porque burrice pega, é contagiosa.'"

"Uma forma de incutir nos alunos a seriedade com que deveriam encarar a matéria era nos apresentar, momentos antes de aplicar a prova, a fila de alunos repetentes, que ele chamava de jubilados.
O aluno que cursasse a matéria por 2 vezes e não passasse, na terceira vez já era jubilado.
Tinha que se matricular, mas não precisava assistir aulas ou fazer a prova.
Ele dizia que o aluno já sabia Dir. Comercial mais do que ele e que assim ele não teria condições de ensinar nada de novo para o jubilado.
Entretanto, apesar do jubilado não receber faltas e, assim, não precisar assistir aulas, teria que comparecer no dia da prova, apresentar-se, dizer o nome e informar, em alto e bom som, que era aluno jubilado.
Na primeira vez que vi isso, todos contiveram o riso, apesar das cenas que se repetiram, pois era uma fila com pelo menos 16 alunos jubilados.
Nossa turma passou intacta pelos 3 semestres que se seguiram, com algumas baixas naturais, finalizando o curso com o semestre sobre falência e concordata.
Os colegas da turma: Arilson Guimarães, Evy Paternostro, Tarso Soares, Guilherme Nora e tantos outros..."

"Certa feita, numa aula inaugural, um aluno perguntou-lhe, para fazer média, qual o livro indicado ou a bibliografia.
Ora, era de sabença que ele não indicava livros, mas advertia para presença em sala, para assistir suas aulas. Sempre excelentes!
Accioly respondeu que havia alguns livros sobre Dir. Comercial e que o aluno poderia ler qualquer um, contanto que assistisse suas aulas.
Ainda assim o aluno insistiu em um nome, um autor, citando Rubens Requião, Fran Martins, etc.
Todos na Faculdade sabiam que ele quase foi as vias de fato com Fran Martins por causa da discussão de um ponto no livro de F. Martins que ele considerava errado.
Mesmo assim ele respondeu: 'Veja. Tem um livro muito bom, um autor que respeito, você pode ler João Eunápio Borges. Mas acaso você não assista minhas aulas, não saberá em quais pontos discordo dele ou dos outros que você citou e não valerá como resposta em minhas provas.'
Detalhe: João Eunápio é antigo pra caramba. Válido como pesquisa, mas não para sala."

"Ele levava a advertência de não faltar as aulas com muito rigor.
No primeiro semestre que cursamos com ele, uma parte da turma, chamada de 'banda voou', não assistiu as aulas até a 1a. primeira prova, deixando para fazer a 2a. chamada.
Outra coisa que Accioly detestava era aluno que fazia 2a. chamada.
As provas dele eram: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D1 e D2, com no máximo 4 perguntas. Gostava de respostas objetivas, sem muita prolixidade.
Esse modelo impedia que aluno passasse cola para outro, pois, além das perguntas serem distintas em cada prova, qual tempo o aluno teria para, além de responder a sua prova, auxiliar a do outro?
Respostas contendo letras ilegíveis recebiam nota zero. Sem direito a defesa ou considerações.
Bem, fizemos a prova e parte da turma não, pois fariam a 2a. chamada. Se não me falha a memória, Fred Gedeon foi um dos que optou pela 2a. chamada.
Dia da prova? Dia de aula normal.
Todos aparentemente preparados, apreensivos e com pelo menos umas 3 folhas de papel pautado, pois achavam que ele despejaria uma série de perguntas.
Qual a questão da prova? R: Qual a importância do Flamengo para o Dir. Comercial?
Ninguém ria e ninguém deixava de prestar atenção na aula.
Mas observamos que muitos ficaram um tempo parado sem saber o que fazer e outros desatinaram a escrever, uma, duas folhas.
Próxima aula a entrega das provas da 2a. chamada. Nota zero para todos.
A resposta era nenhuma. O Flamengo não tinha nenhuma importância para a Ciência do Dir. Comercial.
Quem teria a coragem de escrever uma resposta dessas?!"

"Nas décadas de 80 e 90 não havia tanta preocupação e tanta exigência quanto aos títulos dos mestres. Pós graduação, mestrado, doutorado, etc.
Esse movimento foi difundido no Brasil com os MBA´s, depois pós graduação em algumas disciplinas e posteriormente o MEC passou a exigir mestrados para os professores das universidades públicas.
Numa reunião do Colegiado da UESC para saber dos professores se possuíam mestrado e se tinham interesse em fazer, e o que deliberar por diante, etc., etc., etc.
Nessa época, tínhamos um professor, que não vale a pena citar o nome, que vivia arrotando que possuía mestrado e coisa tal. Na verdade, não possuía título algum.
Perguntaram ao Prof. Accioly se ele era mestre. Ele disse que sim.
Então quiseram saber onde ele havia feito o mestrado.
Ele respondeu que era mestre pela escola do Mestre Bimba (professor idoso e popular de capoeira)"


"Um dos prazeres dele era vigiar, de sua casa, os jovens fumando maconha na praia do Cristo em Ilhéus.
Quando muitos estavam empolgados com o fumo, ele ligava para a polícia, identifica-se como promotor e professor da Uesc e denunciava os usuários, requerendo providências.
Ficava em casa, de binóculos, vendo os jovens correrem e lançando-se ao mar para não serem presos pela polícia."


Morreu na madrugada de ontem, no Hospital Aliança em Salvador, o ex-professor da Faculdade de Direito de Ilhéus e ex-secretário municipal de educação Accioly da Cruz Moreira, de 77 anos, de problemas pulmonares. Ele foi um dos fundadores da Faculdade de Direito de Ilhéus, promotor público e professor da Uesc. 26.03.07.

2 comentários:

  1. Professor Damasceno,
    Mestres como este, titulados pela experiência da vida, na escola do Ilustre Mestre Bimba, criador da capoeira regional, é que nos faz refletir o quanto pesa um bom docente no início de uma formação acadêmica. O Prof. Accioly deve ter marcado a vida de muita gente, sendo um diferencial em sua época. Não tive a honra de conhecê-lo, mas pelo visto, a sociedade Ilheense perdera um filho, diferencial, para nosso mundo jurídico. Meus sentimentos a amigos, familiares e admiradores.
    Um forte abraço de seu ex-aluno (Constitucional II) da UNIRB
    Daniel Diniz – dssdiniz@msn.com

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  2. Prezado Daniel, saúde!
    Realmente, o Prof. Accioly era uma figura ímpar
    Obrigado pela visita ao blog e manutenção do contato
    Sucesso em tudo quanto fizer
    Grande Abraço, João

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