Por Sebastião Nery
A ESPONJA DE SANGUE
A definição é de um poeta cubano, Nicolas Guillen, falando de um romancista haitiano, Jacques Roumain, autor da obra-prima da literatura do Haiti (“Les Gouverneurs de La Rosé”) ou “Os Donos do Orvalho, traduzido por outro poeta, o brasileiro Manuel Bandeira:
- “O Haiti é uma esponja empapada de sangue.”
O primeiro culpado foi Cristovão Colombo, que a descobriu em 1492 e a chamou, a ilha inteira, de La Española.
Vieram os franceses e tomaram dos espanhóis a metade da ilha, chamando-a de Saint Domingue. A banda espanhola continuou Santo Domingo. Para os índios, a terra deles, toda a ilha, era “Ahiti” (terra alta, lugar montanhoso).
ESPANHA
Os livros e enciclopédias contam uma história de cinco séculos da “esponja empapada de sangue”, com alguns títulos vistosos:
1. - “A mais antiga republica negra do mundo”.
2.– “O primeiro estado independente da America Latina” (1º de janeiro de 1804).
Nada disso valeu nada, diante da brutalidade da colonização européia e depois norte-americana. No primeiro século, a ilha ficou com os espanhóis. A partir de 1600, ingleses e franceses instalaram portos de contrabando. Eram ninhos de piratas de varias nacionalidades, chamados de bucaneiros, porque preparavam e comiam o “boucan”, carne defumada.
Felipe II da Espanha vingou-se mandando destruir e despovoar Puerto Plata, Bayajá e e La Yaguana, vilas fundadas no século anterior.
FRANÇA
Luis XIV, da França, o tal Rei-Sol, para começar a cultivar cacau e açúcar, mandou 150 mulheres de presente para os colonos e em 1670 autorizou o livre tráfico negreiro da África: anualmente chegavam à ilha de 20 a 30 mil escravos africanos de diversas procedências.
Nas vésperas da revolução francesa, havia lá mais de 500 mil escravos. Desses, 30 mil eram mulatos. Livres, só 58 mil pessoas, das quais 30 mil mulatos e negros. Mulheres casadas só 3 mil, 2 mil delas brancas.
Logo se viu a “opulência” da Saint Domingue francesa e a “pobreza” da Santo Domingo espanhola. Saint Domingue, o Haiti de hoje, valia muito mais do que o Canadá Francês: a ilha exportava para a França açúcar, cacau, café, algodão, anil, carne, que a França revendia na Europa.
Era exploração e escravidão demais. Em 1758, a ilha explodiu.
ZUMBI
O escravo Mackandal, o Zumbi de lá, rebelou-se, organizou sua gente, foi preso, condenado à fogueira, fugiu, durante anos apavorou os brancos e acabou mesmo na fogueira. Em 1791, o “gigantesco negro” Boukman liderou um levante geral, mas foi derrotado e morto.
Toussaint Louverture, também escravo, lutou com os espanhóis contra os franceses, depois ficou com os franceses contra os espanhóis quando os ingleses foram apoiar os espanhóis e tornou-se governador-geral, mas em 1802, o concunhado de Napoleão, general Leclerc, cercou e invadiu a ilha, prendeu Louverture, levou-o para a França e lá o matou.
NAPOLEÃO
A notícia de que Napoleão restabeleceria a escravidão uniu pela primeira vez negros e mulatos sob o comando de Jean Jacques Dessalines, ex-escravo e analfabeto, que começou a guerrilha da independência, obrigou o general francês Rochambeau a capitular, expulsou os franceses, mandou matar todos os brancos franceses, proclamou a independência em 1° de janeiro de 1804, adotou para o país o nome indígena de Haiti e se declarou “Primeiro Imperador”: Jacques I.
Logo foi assassinado por Henri Christophe, ex-escravo negro, e Sabes Pétion, mulato culto, que dividiram o país em dois: o norte para Christophe, “rei do Haiti” e o sul para Sabes Pétion, republicano. Mortos Chistophe e Pétion, assumiu Jean Pierre Boyer, filho de um colono francês e uma negra da Guiné, amigo de Bolívar e da França, que reunificou a ilha.
ESTADOS UNIDOS
Para reconhecer a independência do Haiti, a França cobrou o preço de sempre dos colonizadores: Vultosa indenização, reduzida, em 1838, de 150 a 60 milhões de francos. O peso dessa dívida, paga pontualmente, caiu sobre várias gerações haitianas em impostos por ela requeridos. Apenas três mulatos exerceram a presidência da república, restabelecida em definitivo. A elite econômica e intelectual continuou sendo essencialmente mulata, mas o comando do Exército, árbitro da política, era negro. (Enciclopédia Britânica).
Depois da abertura do canal do Panamá, em 1914, o presidente Guillaume Sam, deposto violentamente, refugiou-se na legação da França e foi arrancado de lá para ser morto pela multidão em fúria. Em julho de 1915 os Estados Unidos, “alegando proteger a vida e os bens dos cidadãos estrangeiros, fez a intervenção com fuzileiros navais norte-americanos”.
Protegida pelos Estados Unidos, veio em 1957 a ditadura Duvalier. O Papa Doc, ditador pérpetuo a partir de 1964, cruel e sanguinário, morreu em 71, substituído pelo filho Jean-Claude,o Pipi Doc, hoje no sul da França. Depois dele, foi eleito o Padre Aristide, que os americanos derrubaram.
A invasão norteamericana só piorou as coisas. Como sempre.
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