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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PRECE DE UM JUIZ

A PRECE DE UM JUIZ
João Alfredo Medeiros Vieira*
SENHOR! Eu sou o único ser na terra a quem Tu deste uma parcela de Tua Onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.
Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em abastança, e a riqueza em miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas. Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte à LEI que eu represento e à JUSTIÇA, que eu simbolizo.
Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus ombros.
AJUDA-ME, SENHOR! Faze com que seu seja digno desta excelsa missão. Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do mal, não me fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs. Unge as minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do Direito, que Tu criaste para a Sociedade Humana. Faze da minha Toga um manto incorruptível. E da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da Lei, no caminho da Justiça.
AJUDA-ME, SENHOR, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da Lei, mas antes de tudo, cumpridor da mesma. Não permitas jamais que eu lave as mãos como Pilatos, diante do inocente, nem atire como Heródes, sobre os ombros do oprimido a túnica do opróbrio. Que eu não tema César e nem por temor dele pergunte ao poviléu se ele prefere "Barrabás ou Jesus".
Que o meu veredicto não seja o anátema candente e sim a mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os panas sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados e cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rostos são lavados nas lágrimas da dor da humilhação e do desprezo, AJUDA-ME, SENHOR, a saciar a sua fome e sede de Justiça.
AJUDA-ME SENHOR! Quando as minhas horas se povoarem de sombras; quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés; quando for grande a maldade dos homens; quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem; quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão, quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos.
AJUDA-ME, SENHOR! Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito, quando eu vacilar, alenta a minha alma, quando eu esmorecer, conforta-me, quando eu tropeçar, ampara-me.
E QUANDO UM DIA finalmente eu sucumbir e então como réu comparecer à Tua Augusta Presença, para o eterno Juízo, olha compassivo para mim.
Dita, Senhor, a Tua sentença.
Julga-me como um Deus.
Eu julguei como homem.
*Juiz de Direito aposentado (Santa Catarina) e membro, desde 1975, da Academia Catarinense de Letras.

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