Decisão da Justiça Federal do RJ diz que candomblé e umbanda não são religiões.
Veja no link acima.
Certamente que o
Tribunal (TRF da 2a. Região) mudará tal decisão.
Errou o juiz,
errou o MPF.
Confesso que não
tive acesso aos autos, a ação inicial e a sentença. Apenas li a notícia nos
meios jornalísticos.
Alguns devem
aplaudir e outros estão em polvorosa. Mas é por pouco tempo, pois, como de
hábito no Brasil, em poucos dias isso será totalmente esquecido.
Conforme
noticiado, e a meu sentir, a sentença confunde uma coisa com outra, assim como
diz a filosofia popular.
Vamos à
necessária compreensão:
Ainda que nos
quadros da filosofia clássica e no âmbito das definições teológicas estejam assentados
que tais matizes e manifestações de credos nativos ou vindos da África não
preenchem as definições do que vem a ser uma religião, não se pode confundir
com o direito constitucional de liberdade de credo e da prática da sua
liturgia, do culto em si.
Primeiro, é
necessário estabelecer que credo é do subjetivo, do íntimo de cada pessoa, e
também, do sentimento.
Filosófica,
moral e teologicamente é possível ter vários pavimentos de discussão contrários
a tais "religiões nativas", mas, em se tratando de direito ao credo,
não há o que se discutir em si.
Alguns da
Antropologia e Sociologia dirão tratar-se de aberração, pois seria a imposição
de credo alienígena sobre o credo natural, nativo, etc.
A discussão
sobre o que vem a ser ou não religião é campo de estudo das ciências
investigativas, e não da Ciência do Direito, que é descritiva enquanto ciência
e prescritiva em sua aplicação. Não é o Direito quem a definirá, cabendo apenas
regular as suas liberdades e atividades.
Apenas cabe ao
Direito, exercido pelo Estado, garantir a licitude do credo e do culto, bem
como a liberdade de expressá-lo.
Há uma inversão
de valores quanto ao primado do Estado laico e da liberdade religiosa.
Liberdade
religiosa diz respeito a manifestação do credo e ao respectivo culto. Isso deve
ser respeitado e preservado pelo Estado, até como manifestação cultural. Ponto.
O inverso também
deve ser observado, pois, ainda que o credo seja admitido até como manifestação
cultural, tal condição não deve ser imposta aos demais cidadãos, como se faz
massivamente na Bahia, sendo até matéria que compõe o currículo de certos cursos na
UFBA.
Assim como o
Estado não deve se intrometer nos credos e suas liturgias, o inverso também é
verdadeiro, ou seja, não deve haver ingerência do credo, seja ele qual for, na
administração das coisas de Estado.
O credo e o
culto, qualquer que seja, permitido pelo Estado, só não pode ir de encontro ao
mesmo em conflitos que digam respeito a segurança nacional ou aos direitos
humanos, como, por exemplo, sacrifícios humanos, canibalismo, bizarrices,
sevícia de menores, mulheres, idosos ou quaisquer pessoas, xenofobia, discurso contra pessoas designadas
como imperfeitas (aleijados, doentes, etc.), e situações similares.
Há que se fazer
a distinção para a Ciência do Direito, que, em suas garantias civis e de Estado,
para a coletividade, não há que se confundir com as possíveis definições
acadêmicas da Filosofia e Teologia.
Uma coisa é o
Estado garantir a liberdade civil de crer e de cultuar. Outra coisa é o Direito
tentar definir, moldar, aprisionar que vem a ser o credo e a sua liturgia. Isso
ficou num passado remoto.
E, aqui reside
maior grau de problemática, é entender que o inverso não é verdadeiro, isto é,
que o Estado que se pretende ser laico, como é o caso do Brasil, deve garantir,
apenas, o direito de crer e de cultuar a quem ou ao que quer que seja, porém, o
credo protegido pela liberdade NÃO deve influenciar as decisões do Estado.
Os atos do
Estado, como muitos assim interpretam e desejam, caso comum dos adventistas e
judaizantes quanto a guarda do sábado, equivocados que estão na postulação, bem
como os adeptos da Testemunha de Jeová quanto a transfusão de sangue em casos
de urgências e cirurgias.
Idem, agora,
para a postulação do MPF, num argumento, sem base, de proteção ao diverso.
Por incrível que
pareça, mesmo que a lei de liberdade de credo e de culto tenha sido proposta
por Jorge Amado, comunista e materialista, porém, adepto dos cultos afros, via
emenda constitucional, eleito em 1945 pelo PCB, preocupado que estava com as
restrições a tais cultos; é inusitado que num país tão plural e permissivo,
encontre barreiras justamente onde não deveria, que é na Justiça.
Os religiosos de
correntes diversas e o Judiciário se equivocam diariamente sobre o tema,
especialmente por conta de nossa cultura não pretender definir nada em questões
polêmicas, de sempre ficar em cima do muro, e sob o apelo de "não quero
criar confusão com ninguém", e, “cada um que se garanta”. Como digo, é o
desdobramento do pensamento individualista, egocêntrico, ausente de coletividade,
e que é transportado para um determinado grupo, i.e., tal grupo pretende tal
benefício, e o resto que se dane! Não temos cultura coletiva genérica, temos
cultura de interesses, apenas.
É impressionante
como o Judiciário patina nessas questões, ora com decisões favoráveis a algum
grupo, ora com decisões contrárias, ora com decisões que não definem
absolutamente nada.
Mas é próprio da
nossa cultura: o embaraço, o atrapalhamento, o rigor nos trâmites para não se
concluir em nada, para não se produzir nada, ou quase nada.
Como diria
William Shakespeare: “muito barulho por nada.”
A liberdade de
credo e de culto é uma garantia constitucional que deve ser preservada a todo
custo, avocando para si também, como centro gravitacional, as demais imunidades
garantidas pela CR: imunidade patrimonial, financeira, e a mais importante que
é a liberdade de expressar opiniões, a liberdade do discurso, a pura e simples
liberdade de expressão, o “freedom of speech” assim definido pelos ingleses.
As outras
imunidades, como patrimonial e financeira, são decorrentes lógicas da liberdade
de credo e liturgia (culto), pois, se não houver proteção ao patrimônio e
finanças, e a liberdade de expressão, é lógico, o contrário importará em morte
do credo e de sua voz, do que tem a dizer.
Tal proteção é
extensiva a todas as formas de associação civil, seja partido político,
sindicato, associação de moradores, de pais, de vítimas, de portadores de
doenças, de ONG´s, clubes recreativos, etc.
Ou seja, sem
dinheiro, nenhuma delas sobreviveria. Assim, há que se afastar a incidência
tributária sobre patrimônio e rendas.
Todas as
associações são passíveis de fiscalização e devem atender a legislação
pertinente.
Para os que
torcem o nariz, pode-se pensar em adotar o modelo americano, em face do receio
de arrecadação de quantias vultosas que se vê no cenário nacional entre as
igrejas chamadas de neo-pentecostais, e os problemas daí advindos: impor que
todos os credos tenham que cumprir funções sociais, além de expressar o credo,
tais como manter escolas, creches, aconselhamentos, cursos profissionalizantes,
oficinas, serviços sociais, auxílio aos necessitados com programas regulares,
auxílio na obtenção de casa própria, sopão e dormitório, assistência a doentes
e dependentes químicos com tratamento, internatos, reformatórios, assistência a
idosos, orfanatos, apoio aos veteranos de guerra, horta comunitária, jardim
comunitário, biblioteca comunitária, etc., enfim, o que for.
Desta forma,
incorreu em erro também o MPF, ao propor ação judicial contra meros discursos
fantasiosos e apelativos, sucumbindo em seu munus, visto que deveria se
preocupar com questões mais importantes, pois, quem discorda do credo alheio
tem a liberdade, constitucional, de emitir parecer, razões, argumentos,
discussões, discordâncias do outro; tem a liberdade de emitir o parecer que
quiser - ouça quem quiser, dê crédito quem quiser, discorde quem quiser,
argumente contra quem quiser, e mude de opinião ou de credo quem quiser...
Porém, tudo
dentro das cercanias das discussões, dos debates, dos arrazoados, das
argumentações, no plano das idéias; nunca no ataque físico e pessoal. Esta
também é uma das garantias que o Estado também oferecerá.
O combate, se
houver e que é permitido, em face de sermos uma cultura e uma sociedade
permeada pela diversidade, é que se dê no altiplano das idéias.
E quem pode
determinar no que o outro crê ou deixa de crer, se credo é uma manifestação do
subjetivo, do sentimento?
É propício o
dizer de Voltaire:
"Posso não
concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte
o direito de você dizê-las."
Se o MPF alega
ter preocupação com condutas violentas, em face de algumas promessas que são
meras fanfarrices, intimasse as partes, fizesse audiência entre elas e as
fizessem firmar um acordo, um TAC, um pacto de não agressão física, mantendo
apenas a liberdade de expressão das idéias, devendo até sugerir que as
discussões se dêem em níveis mais elevados de inteligência e argumentação, para
convencimento e persuasão.
O Estado/Juiz
errou ao requerer que, para definir religião, faz-se mister a figura de um nome
proeminente, de um líder único, tal como Jesus, Buda, Maomé ou o Papa; que é
necessário ter livros históricos escritos e regras de condutas.
Olvidou-se que
todas as religiões citadas na decisão são, por tradição, de transmissão oral. E
que outras tantas, reconhecidas como tal, possuem um panteão de nomes de
deuses, as chamadas religiões politeístas, à qual se vincula o Candomblé e a
Umbanda, e que no Brasil é sincrética, em face de um processo próprio da Igreja
Católica, que teve por missão fazer isso em todo mundo, ou seja, aplicou
sincretismos em todos os lugares aonde chegou e chega, como é o exemplo do
papai noel.
É mister e sempre
será requerido a distinção das coisas: uma é a função do Estado em garantir a
liberdade de credo e de culto, outra é impossível, que é a tentativa de impor
ao Estado, laico, a definição de um credo de um culto, ou que o Estado se dobre
ao desejo de um grupo religioso para lhes satisfazer as crenças e os
cumprimentos dos seus votos e credos.
Exemplos dos
mais comuns hoje, em voga, é a tese dos adventistas, que, ao alegarem que
guardam o sábado, exigem, via ações judiciais, que o Estado os proveja de condições
para que possam participar de concursos, cujas provas são aplicadas aos
domingos, ou, às vezes, sábados e domingos.
É uma total
inversão de valores constitucionais e administrativos quanto a função do
Estado, sem a necessidade de entrar na seara teológica.
Ora, o Estado
não pode ficar a mercê de um grupo ou outro de credo todas as vezes que tiver
que agir em nome da administração, como nos casos de concurso ou de cirurgia
médica, citados como exemplos.
Há que se
lembrar ao aderente de determinada corrente religiosa que a opção dele requer
também a sucumbência ao ônus do seu credo, suas formas e liturgias. Pois, ao
religioso se debita o que deve padecer pela religião abraçada, e, tal fato não
pode e não deve ser oposto aos demais. É ele quem deve sofrer o ônus de sua
escolha, cuja liberdade para tanto está garantida na Constituição, e não o
contrário.
Nesse caso,
considerando nossa formação histórica, cristã inclusive, onde o dia de
observância para descanso é o domingo, o sabatista não tem legitimidade do
ponto de vista da lei e nem da moral (valores) religiosa para postular a que o
Estado brasileiro se desdobre para atender sua forma particular de vida e de
credo. Ora, assim o Estado não é único nem supremo e nem é igual para todos,
muito menos impessoal, como requer o art. 37 da CR, mas passa a ser casuístico e fica a mercê de qualquer
capricho pessoal ou de um grupo, o que não pode ocorrer em hipótese alguma e
está virando moda no Brasil, pois os planos legislativo e jurídico ainda não
sabem lidar com tantas ações afirmativas e sucumbe a todas, tendo em vista
padecermos da inexistência de um objetivo ou plano claro de nação, do que afinal de contas pretendemos ou queremos ser.
E a guerra de
postulação dos adventistas somente se deve ao fato do Brasil ser o maior e
melhor empregador do País, pois, se fôssemos realmente uma economia de mercado,
cada um teria seu emprego, seu empreendimento e a guarda do sábado não
afligiria nenhum crente do tal credo, muito menos perturbaria a administração
pública.
Pergunta: os
adventistas dos EUA, UK, Alemanha, França, Austrália, etc., propõem as mesmas
postulações nestes países? Lógico que não! Ser servidor público por lá é, de
certo modo, um desprestígio. É como se diz no interior: “num deu pra nada, foi
ser funcionário público. Tá encostado na prefeitura”.
Claro que muita
coisa mudou no Brasil, mas nós somos o único país do mundo que o prestígio do
trabalho e da produção, do empreendimento, é totalmente convergido para o
estado pessoal de autarquia que cada servidor é contemplado: autoridade. E que
se esquece até de trabalhar, ou que está obrigado a tanto, sendo o emprego
público "vendido" no País como "O paraíso".
Acaso a inversão
do direito se consagre, como exposto e como se tem notícias de algumas decisões
favoráveis, outros grupos religiosos pedirão para que o Estado se abstenha de
algo ou que se obrigue a algo, que eles se abstenham se fazer algum compromisso
estatal ou cívico porque guardam os preceitos do seu credo, que, nas suas
concepções, são maiores que as normas, direitos e deveres do Estado.
Publiquei um
comentário blog sobre tema semelhante, mas o pessoal de plantão de defesa não
entendeu o quanto suscitado, provocativo, e defenderam apenas os interesses
próprios, que pretendem ver acima dos demais.
Assim,
pergunta-se: Ora, e o Estado, quando será efetivamente Estado?
Quando este
estado será Estado para administrar seus interesses em nome da coletividade, de
todos, que são iguais perante este mesmo Estado?
A lógica de
Platão e Rui Barbosa acerca da isonomia não cabe aqui.
Este tema
realmente não é dos mais simples, e, dado a nossa cultura, de fugir de embates
e debates, é próprio do brasileiro não demonstrar interesse porque ele “não
gosta de confusão”.
Mas, vamos
finalizar com um conceito sobre o típico brasileiro religioso, o que crê em
tudo e é supersticioso, nossa grandíssima maioria. Se não preenche todos os
requisitos, ele se confunde com um e outro na prática e nas concepções
ideológicas de cada credo. É o caldo do sincretismo, da herança da Igreja
Católica.
Útil também a
frase usada entre os protestantes, reformados: “crentes com formação de alma
católica”, i.e., sincrética, que tem atenção para o místico, para o sensorial,
os sentidos, o mistério...
O brasileiro é
católico, mas também toma passe no centro espírita; também faz um trabalho ou
participa de uma festa com comida do candomblé, ainda mais se for sincrético e
aqui na Bahia ou no RJ; participa do culto dos 318 na Universal porque ele quer
ser vitorioso em suas lidas, nem sempre muito éticas ou lícitas e porque quer
ficar rico, custe o que custar, valendo qualquer pacto; passa num culto de
milagres porque também precisa de um(a) ou algum familiar; se convidado vai em
qualquer festinha religiosa, comer caruru, pipoca, ou beber santo daime, seja
com os humildes da Barquinha ou com os chiques e iluminados da UDV; não perde a
oportunidade de ir na “casa da luz vermelha” para fazer um 'rendez vous' com as
mulheres; concorda com todas as religiões materialistas e humanistas orientais
porque também precisa ficar zen, até fumar um 'beck'; e, numa roda de amigos,
para não atritar com seu ninguém, concorda com os argumentos propostos pelos
seguidores de C. Darwin, evolução do macaco e ateísmo, cuja máxima de aforismo
é: “Se faz o bem, que mal tem?, ou, Se bem não fizer, mal também num faz!”.
Ou seja, na
prática, o brasileiro é ateu, ele não acredita em banana nenhuma. Ele quer é
ser servido!
É um mero
supersticioso. Um completo analfabeto, um materialista e nada mais.
Talvez, por
conta disso, a decisão judicial não afetará a vida ninguém.
Abs, JD
O juiz voltou atrás:
ResponderExcluirhttp://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2014/05/20/interna_nacional,530849/juiz-volta-atras-e-ve-umbanda-e-candomble-como-religiao.shtml
Juiz volta atrás e vê umbanda e candomblé como religião
Agência Estado
Publicação: 20/05/2014 20:31 Atualização:
Rio, 20 - O juiz federal Eugênio Rosa de Araujo, autor da polêmica decisão segundo a qual candomblé e umbanda "não se constituem em religiões", voltou atrás. Ele manteve a decisão liminar em que autorizou a permanência no YouTube dos vídeos da Igreja Universal, considerados ofensivos pelo Ministério Público, mas mudou a argumentação de que os cultos afro-brasileiros não são religiões.
No novo texto, Araujo explica que a decisão de manter os vídeos teve como fundamento a defesa da liberdade de expressão. Ele lembra que reconheceu na liminar "que tais vídeos são de mau gosto, como ficou expressamente assentado na decisão recorrida, porém refletem exercício regular da referida liberdade".
"Destaco que o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões, daí porque faço a devida adequação argumentativa para registrar a percepção deste Juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões, eis que suas liturgias, deidade e texto-base são elementos que podem se cristalizar, de forma nem sempre homogênea", escreveu.
Ele ressaltou ainda que "inexiste perigo de perecimento das crenças religiosas afro-brasileiras", já que a liminar dizia "respeito à liberdade de expressão e não à liberdade de religião ou de culto".
O MPF pediu a retirada dos vídeos postados no YouTube por entender que afrontavam as religiões afro-brasileiras. Ao analisar o caso, o juiz Araujo escreveu que "as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões". Referindo-se à umbanda e ao candomblé, o magistrado afirmou ainda que "não contêm os traços necessários de uma religião" por não terem um texto-base (como a Bíblia ou o Corão), uma estrutura hierárquica nem "um Deus a ser venerado".
A decisão causou revolta em praticantes das religiões afro-brasileiras. Está marcado para esta quarta-feira um ato em solidariedade às religiões de matriz africanas na Associação Brasileira de Imprensa. O MPF recorreu da decisão de Araujo.