Considerando que a tese defendida pelos Correios obteve êxito por 1 voto de vantagem, e considerando ainda o teor da análise feita pelo Ministro das Comunicações, conforme consta na notícia abaixo; é de se estranhar que haja dúvidas quanto a interpretação do que está previsto na CR, verbis:
"Art. 21. Compete à União:.........…………..X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;"
Necessário se faz lembrar que tal previsão, mantida em nossa Carta Magna, tem por herança a tradição histórica, ainda quando da formação dos países, dos estados.
Apesar de muitos livros e o que é tipificado pela Lei n. 6.538/78, assim como o que é comumente noticiado equivocadamente chamar de monopólio dos correios, tem-se que, tecnicamente, não se trata de monopólio, mas de serviço exclusivo da União. Um serviço que necessariamente é e deve ser atribuição do País.
Num primeiro lance de olhos, dada a informalidade que vige na discussão do assunto em qualquer esquina, é mais fácil usar o termo monopólio, dada a sua acepção no cotidiano e que facilita o entendimento de qualquer interlocutor.
Mas, parecer não significa que seja idêntico ou igual, podendo conter semelhanças. É o caso da exclusividade do País quanto aos serviços de postagem e correio aéreo.
Considerando que possuímos um sistema jurídico nacional, coroado pelas normas fixadas na Constituição Federal de 1988, documento jurídico fundante de um Estado (mesmo que alguns insistam em desconhecê-la e desobedecê-la, caso atual da crise do Senado, pois se trata efetivamente de franco desrespeito aos princípios e normas constitucionais. Enfim, também se trata de nossa cultura de não respeitar regras e apropriar-se do poder, da coisa pública, como se sua fosse…), temos que a interpretação desse sistema só pode ser feita através do método sistemático, concatenadamente.
É regra de linguagem que deve haver ordem na interpretação, consonância, concatenação e coerência. Um sistema tão complexo como o nosso e que prima pela inflação legislativa, requer muito cuidado para estabelecer os primados e cuja linha de raciocínio deve seguir a mesma orientação.
Em primeiro lugar é preciso compreender que o Brasil fez uma opção ideológica quanto ao nosso sistema de produção de riquezas e distribuição das mesmas. Nossa opção ideológica quanto ao sistema econômico encontra as primeiras linhas no art. 1º da CR, e, para a análise em comento, transcrevemos o inciso IV do citado artigo:
“IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
A seu turno, na definição dos direitos e garantias fundamentais, encontramos comandos nos incisos do art. 5º que preservam determinados direitos quanto a liberdade, a propriedade, o exercício do uso dos bens e das faculdades pessoais, inclusive a transmissão de bens pela herança, conforme se vê nos seguintes incisos, dentre outros:
“XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”“XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”“XXII - é garantido o direito de propriedade;”“XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”“XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;”“XXX - é garantido o direito de herança;”“XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
No que diz respeito as definições da ordenação econômica, a CR possui capítulo específico, cujo tratamento se inicia no art. 170, conforme se lê:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:I - soberania nacional;II - propriedade privada;III - função social da propriedade;IV - livre concorrência;V - defesa do consumidor;VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;VII - redução das desigualdades regionais e sociais;VIII - busca do pleno emprego;IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Da leitura do art. 170, vê-se que em verdade os dizeres são desdobramentos dos fundamentos básicos do Estado brasileiro, dos primados estabelecidos no art. 1º e seguintes. E é assim que o nosso legislador produz documentos, fruto de nossa cultura, repetir por outras formas, com mais detalhes e explicativos, o que se pretende nas linhas introdutórias do documento jurídico.
Cotejando as normas principiológicas da CR com as demais que se seguem, pode-se perceber claramente que nossa opção ideológica e política quanto ao nosso sistema econômico é pela liberdade das atividades, exploração e produção das riquezas, que também conhecemos como capitalismo.
O capitalismo previsto na Constituição é também informado com outro objetivo, o de torná-lo voltado para o bem comum, para o social. É, em verdade, um grande desafio.
A estruturação e o entrelaçamento de qualquer sociedade são permeados pelas relações jurídicas (regras de convivência), pelas relações econômicas (relação de troca em face do atendimento das necessidades) e relações políticas (exercício do poder em administrar os dois interesses anteriores).
Elas convivem ora em harmonia, ora em choque. Esses entrechoques carecem de regras de equilíbrio e esse é o grande desafio da formação e amadurecimento de uma sociedade. Os chamados valores fixos, os marcos legais (normas) que farão os balanços de peso e contrapeso.
É ingenuidade imaginar que apenas formulando e publicando regras jurídicas se domará as relações econômicas e políticas.
Se imaginarmos que a estruturação desenhada acima pode ser feita pela figura de um triângulo, poderemos dispor que a base da relação social é o direito (regras jurídicas) que dá suporte, fundamento à ideologia e ordem econômica, que por sua vez sustenta o exercício do poder político.
Pois bem, voltando ao raciocínio necessário para conclusão dessa primeira parte, percebe-se facilmente que os mandamentos constitucionais nos fazem enxergar um sistema jurídico que dá suporte a um sistema econômico que prima pela liberdade das atividades, da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da iniciativa privada. Sendo assim, por conseguinte, temos que, em regra, a exploração das atividades e produção das riquezas foram destinadas ao setor privado, na medida em que o Estado deve se concentrar em suas atividades eminentemente públicas, tais como: saúde, educação, segurança, transporte, administração dos bens públicos e proclamação do direito (Poder Judiciário). Entretanto, frise-se que, exceto a essência da prestação do serviço jurisdicional, todas as outras atividades podem ser exercidas pela atividade privada, sob autorização e fiscalização da administração pública (art. 175 da CR).
Em conseqüência, destinando a produção das riquezas ao setor privado, visto que este pode e deve correr os riscos das atividades desenvolvidas, o papel cabível ao Estado é o da fiscalização. (art. 174 da CR). Diga-se de passagem, é uma carência nacional e frágil que até hoje não foi totalmente solucionada e não parece ter interesse quanto a este ponto, pois nossa cultura jurídica é reativa e não preventiva. Mas são temas que cuidaremos em outra escrita.
A seu turno, o contrário de destinar a produção das riquezas ao setor privado como regra prevista em sede constitucional, tem-se que as previsões que contemplam o Estado como produtor e explorador de certas riquezas se tratam de exceção.
A opção pelo estabelecimento da exceção, permitindo a intervenção direta do Estado nas atividades econômicas, também se deve a uma opção ideológica, política e, no nosso caso, a uma questão eleita pelo constituinte como sendo de segurança nacional. É isso que se constata no quanto previsto nos artigos 172, 173, 176 e 177 da CR.
Sendo assim, percebe-se que há uma enorme distância entre o quanto previsto no art. 21, inc. X da CR, em confronto com o capítulo que trata da ordem econômica. Vê-se que no trato da ordem econômica, em momento algum se fala em serviço de postagem e correio aéreo como sendo atividade econômica e que até poderia ser permitida a exploração pelo setor privado através do mecanismo da concessão, sob licitação pública.
Por que isso? Porque uma coisa nada tem a ver com outra.
Por isso é que afirmamos no início que a exclusividade do serviço destinado á União não se trata, tecnicamente, de monopólio.
E é bom lembrar que a definição técnica de monopólio e demais modelos econômicos pertencem a Ciência Econômica, não é algo afeito ou que tenha nascedouro nas definições do mundo jurídico. O mundo jurídico apenas convive com tais regras de definições do mercado.
Comparativamente, se a regra constitucional é de destinação da exploração das riquezas ao setor privado, e que a exceção é a intervenção do Estado nas atividades produtivas, tendo como exemplo a previsão de monopólio da exploração de jazidas de petróleo, e sendo a definição de monopólio um conteúdo econômico; temos que o serviço de postagem e o correio aéreo não é caso de monopólio econômico, pois se trata de um serviço exclusivo da União, de uma de suas obrigações enquanto Estado nacional.
Afinal, por que esse tipo de serviço foi listado pelo legislador constituinte como sendo de exclusividade da União e fez questão de separar do mundo econômico?
Com dito antes, o cometimento desse serviço ao Estado é herança do período de formação dos países, pois, serviço de postagem e correio aéreo nada tem a ver com objetivo econômico, mas tem a ver com a segurança nacional, com a manutenção da unidade da federação, com a garantia da liberdade das pessoas, da liberdade em se comunicar e da garantia da manutenção da unidade cultural, social, dos valores e o enfeixe e fortalecimento dos laços de uma sociedade, inda mais considerando a nossa, de uma país continental, com tantas sub-culturas, diferentes. Manutenção do serviço de postagem tem a ver com a unidade nacional.
Serviço postal e correio aéreo nada têm a ver com o envio de mercadorias, objetos pequenos e médios, ou até documentos em caráter de urgência. Nesse caso, os Correios concorrem com qualquer outra empresa de transporte.
Serviço postal é exclusividade do Estado porque é serviço público essencial, assim como o é o de saúde, o de segurança, dentre os demais, pois é o Estado quem tem a obrigação, enquanto organização social, de prover aos seus cidadãos que os mesmos tenham a garantia de manter comunicação com os demais concidadãos, aonde quer que estejam, qualquer um e em qualquer lugar do país continental.
Não se mede aí os custos, mas é serviço. Assim como é serviço levar energia a toda casa, água potável, saneamento básico, moradia, saúde, segurança, etc. É obrigação do Estado e não se pode cogitar que o Estado tenha o direito de prestar tais serviços somente quando lhe for conveniente obter lucro com os mesmos. O máximo que se permite é compensar os custos, mediante preço público.
Se serviço postal e correio aéreo fossem eleitos pelo legislador como objetos destinados ao setor privado para obtenção de lucro, teríamos que repensar qual a definição do nosso Estado. E sabe-se que na prática, na efetividade do bem da vida, ele ainda não é grande coisa…
E se entrega de cartas estivesse submetido a exploração mercantil com o objetivo lucrativo, quanto custaria uma carta destinada a Manaus, se o remetente estivesse em Porto Alegre? Evidentemente que seria muito caro.
E é serviço exclusivo da União especialmente por se tratar de segurança nacional e de manutenção da união da federação dos estados que a compõe. Pois, imaginemos uma hipótese de secessão entre os estados federados, ou de estado de sítio, ou de enfrentamento de guerra. Quem faria o serviço de comunicação mediante postagem? Uma empresa privada com intuito lucrativo? Debaixo de um período de guerra? Sob qual ordem e mandamento constitucional para obrigá-la? E como ela mesmo poderia prover-se de segurança para realizar o serviço a que está incumbida? E em período de guerra, considerando que essa atividade não é de todo lucrativa?
E se o pobre quiser se comunicar, da forma mais barata e acessível, com seu familiar que reside em uma distância insuperável pelas limitações econômicas? Só o pode fazer se tiver o Estado para lhe garantir que o serviço será prestado, porque se trata de sua obrigação, e por um preço que justifica o custo do serviço, sem intuito lucrativo, e, talvez, como freqüentemente o é, subsidiado.
Nesse último exemplo, estamos tratando novamente de um desdobramento da linguagem prevista na Constituição: fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).
Eis a razão pela qual o serviço de postagem e correio aéreo é exclusividade da União, pois se trata de sua obrigação enquanto organização estatal e não se confunde com exploração e produção das riquezas destinadas ao setor privado, com o objetivo de lucro, e que, por conseguinte, nesse ambiente é que, acertadamente, cabe falar em monopólio, visto que este termo está afeito a exploração econômica e não com as obrigações inerentes a um Estado.
João Damasceno.
“STF mantém monopólio da ECT para correspondências
De acordo com a decisão, todas as correspondências pessoais devem ficar sob a responsabilidade dos Correios
Mariângela Gallucci e Isabel Sobral - Agência Estado
BRASÍLIA - Por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira, 5, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) deve ter o monopólio no transporte de correspondências pessoais, mas que empresas privadas podem transportar encomendas como livros, CDs e presentes. De acordo com a decisão do Supremo, todas as correspondências pessoais devem ficar sob a responsabilidade dos Correios.
Na segunda-feira, o STF discutiu a questão, mas não conseguiu chegar a uma decisão final. O julgamento terminou empatado. Depois que todos os ministros revelaram seus votos, o placar terminou em 5 a 5. Para proclamar o resultado, seriam necessários pelo menos 6 votos. Mas hoje o ministro Carlos Ayres Brito reformulou o seu voto, desempatando a favor dos Correios.
Ontem, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, havia afirmado que se o monopólio dos Correios caísse, a empresa não resistiria e acabaria extinta, eliminando milhares de empregos e serviços. Costa dissera que faria um apelo pessoal a alguns ministros do STF para explicar a situação dos Correios. Segundo Costa explicou, o monopólio funciona como uma espécie de subsídio cruzado, porque permite à empresa ter ganhos com a prestação de serviços em regiões de maior poder aquisitivo e prestá-lo a custo zero nas regiões mais carentes. "Se houver o fim do monopólio estaremos próximo a um desastre, porque os Correios não resistem a esta decisão", afirmara o ministro.”
Professor, acho interessante alguns dos seus pensamentos, mas não se trata de privatizar os Correios, e sim de abrir o mercado. Ora, pode-se manter o tal "direito de se comunicar" e, simultaneamente, manter o direito à livre iniciativa. Um não restringe o outro.
ResponderExcluirAlém de que, em caso de greves - o que ocorre o tempo inteiro -, onde vão parar tais direitos garantidos por lei? Nesses casos, faltam as alternativas. É muito mais eficiente que se mantenha a concorrência como incentivo à qualidade do serviço, tanto nas empresas privadas como nos Correios em si.
Se quer um exemplo, em países como a Nova Zelândia foram mantidas as estatais e hoje elas concorrem normalmente com os serviços privados.
Abraços,
Ivan Filho
Prezado Ivan, saúde!
ExcluirGrato pela visita e comentário.
Concordo contigo e creio tenha sido o que pretendi explicar no breve artigo.
Sem dúvida, houve confusão entre as duas hipóteses: uma, quando o Correio atua apenas e tão somente como extensão da União para fins de integração nacional através do serviço de comunicação; e, outra, quando pratica atos de comércio, prestando serviços de transporte e entrega de mercadorias.
Shalom, João.