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terça-feira, 14 de outubro de 2008

LEI SECA: SERÁ ELA INCONSTITUCIONAL?

Penso que não. Vejamos:
O presente post é uma resposta aos alunos da Faculdade de Ciências Jurídicas da Unime, em Lauro de Freitas, grande Salvador, sobre a questão polêmica da atual lei seca (Lei n. 11.705/08) que alterou os artigos 165, 276, 277, 291 e 306 do CTB (Lei n. 9.503/97) e de uma r. sentença proferida no Estado de Goiás.
A notícia e a sentença podem ser encontradas nos seguintes links: http://www.abrasel.com.br/index.php/atualidade/item/4693/
Como não foi possível disponibilizar o arquivo em pdf aqui no Blogger, pela limitação de conteúdo dos arquivos, sugiro a leitura da r. sentença.
A localização é fácil pelo Google.
Seguem as observações, em linguagem acessível e com alguns tons de humor.
Comentem e participem da discussão.
Fraternalmente, João Damasceno.

1) Concordamos plenamente com o juiz quanto ao relaxamento da prisão, por correto. Pois, na grande maioria dos casos penais, o réu é solto ou é inocentado pelos próprios atos das polícias, seja por inobservar as exigências técnicas previstas em lei, seja pelo total desrespeito à lei em si.
As polícias brasileiras, assim como vários outros órgãos ou empresas, algumas até privatizadas, ainda agem como se estivéssemos na época da ditadura militar, como se não devessem prestar contas, como se não devessem satisfações a absolutamente ninguém.
Idem para as autoridades, em todos níveis e esferas. (Faz-se as devidas ressalvas quanto a todos os que detém poder e são comprometidos com este País).
Fazem do jeito que bem entendem e conforme suas conveniências, como se lei não existisse, ou, melhorando o raciocínio, como se a lei existisse apenas para os seus benefícios e interesses, sejam corporativos, administrativos ou pessoais.
Sabe-se que, na grande maioria dos processos criminais, os réus são soltos ou libertados por falta de provas, justamente porque a polícia é quem "estraga" a prova.
E não adianta colocar a culpa em advogado criminalista, pois o trabalho deste é imensamente facilitado pela própria polícia.

2) No que diz respeito ao fundamento da "inconstitucionalidade" da chamada lei seca, a r. decisão deve ser completamente refutada.
Não se pode fundamentar decisões judiciais por juízo de valor pessoal, visto que temos um sistema jurídico a ser respeitado e obedecido, cujo padrão do sistema deve ser seguido, sob pena de verdadeira inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Lei mal feita se conserta na Casa competente - Legislativo, e se necessário, faz-se denúncia (Adin) ao E. STF.
Lei que requer interpretação técnica se faz na Casa competente - Judiciário.
Observem que a lei requer interpretação sistemática. Aliás, como todo texto legal requer.
Uma coisa é dirigir veículo sob efeito do álcool em condições inferiores a 6 decigramas de álcool (art. 165 do CTB) e se sujeitar às penalidades administrativas (pagar multa e suspensão do direito de conduzir veículo por 12 meses).
Outra coisa é dirigir veículo sob efeito do álcool em condições iguais ou superiores a 6 decigramas de álcool (ar. 306 do CTB), e, nesse caso, configurar ilícito penal, além do administrativo supracitado.
Registre-se que em momento algum a lei proíbe alguém de beber, mas, sim, proíbe de dirigir veículo sob efeito de álcooel ou qualquer outra substância psicoativa.
Entre uma coisa e outra existe um abismo de diferença.
Entretanto, se adotarmos os critérios iniciais da r. sentença e considerarmos que a "inconstitucionalidade" da lei se dá em razão do hábito brasileiro de beber cerveja, comum em qualquer lugar do mundo e desde os egípcios, então, teremos que estender o raciocínio da decisão para inocentar as pessoas que, embriagadas, em razão de um hábito comum e cultural, sob o efeito do álcool, espacam as mulheres e filhos, promovem brigas em quaisquer locais públicos (bares, boates, estádios, carnaval, etc.), realizam atos de vandalismos, depedram patrimônio púbico e alheio (podendo ser o seu carro que você tanto adora), espacam gratuitamente pessoas (tais como os punks, skin-heads e outros grupos fazem), et coetera....
Amanhã, por ser tratar de um hábito já comum aos atuais jovens, teremos que inocentar quaisquer conseqüências oriundas do uso de maconha ou cocaína, além da bebida que fazem uso em concomitância, porque, atualmente, seria algo tão comum e banal...
Assim, na sociedade atual, em que todos fazem uso de psicoativos ou psicotrópicos, sejam elas quais forem, até lexotan em excesso, todos poderão usar a r. sentença como lastro para não responder por suas conseqüências.
Graças que não estamos nos EUA, pois a justiça de lá é administrada/aplicada com base em jurisprudência e essa seria uma referência e tanto para os skin-heads, punks, racistas, violentadores de mulheres, homofóbicos, etc., pois, bastaria alegar que tinham tomando um cervejinha, fumado um baseado, dado um "teco" ou fumado uma pedra, e, "cá pra nóis né inselência, isso é tudo normal. Até o senhor bebe uma purinha, ou uma cerva, né não?".
Pelo raciocínio da r. sentença e suas possibilidades de alcance interpretativo, nada disso seria diferente do simples e habitual uso de qualquer coisa, incluindo a cerveja.
ATENÇÃO! A lei em momento algum proíbe alguém de beber; ela veda dirigir bêbado, o que é bem diferente.
Ademais, o fim da lei é a vida, especialmente do terceiro, do cidadão qualquer, que nada tem a ver com a bebedeira alheia.
Pois, se de liberdade se trata e acaso ocorra um acidente fatal cujo condutor do veículo estava embriagado, pergunta-se: a vítima fatal vale quanto?
A vítima fatal vale o preço que a sociedade pagará pela liberdade de dirigir bêbado e da liberdade cultural de se embriagar sem enfrentar nenhuma conseqüência por seus atos?
Você, sua vida, sua família, seus filhos, seus pais, seus irmãos, valem quanto? Acaso trafegando a pé em algum lugar ou se vier a sofrer colisão em seu veículo porque o outro estava sob efeito do álcool ou de algum alucinógeno, ou combinados?
Em verdade, a lei protege você e não se trata de cerceio da liberdade de dirigir embriagado, PORQUE ESSA LIBERDADE NUNCA EXISTIU!
Que raio de liberdade é essa que eu posso agir sem enfrentar as conseqüências dos meus atos? Esse País está ficando doido?!
Há uma verdadeira confusão entre defesa de direitos e respeito às regras de convivência

2.1) Outro ponto crucial que não vejo ser noticiado, porque em verdade não interessa noticiar, é:
A recente lei é avançada e melhor das que temos notícias e exemplos em países considerados mais sérios nessas questões, e não se considera crime.
Por quê?
Nossa lei, ao proibir qualquer percentagem de álcool no sangue, para fins administrativos, significa que estamos igualando todos pela sanidade, por não estar embriagado, ao invés igualar todos pela loucura, pela insesatez, pelas alucinações, pelas incapacidades que o álcool e outras substâncias geram.
Considerar crime e proibir a direção de veículo com 6 decigramas de álcool no sangue ou mais, significa que o Estado está protegendo a própria vida do condutor "bebum" e a vida de terceiros, que nada têm a ver com o motivo da farra daquele que teria plena liberdade para se embriagar.
O bêbado somente está proibido de dirigir e responde administrativamente e criminalmente por sua desobediência, a depender do teor de álcool no sangue.
Gente, apenas estamos diante de um tipo de desobediência civil que foi criminalizada em razão da sua potencialidade em prejudicar a coletividade, e isso na hipótese de estar igual ou acima de 6 decigramas de ácool por litro de sangue.
Existem vários outros exemplos de desobediências civis que foram transformadas em crimes e não há nenhum pesadelo em razão disso, pois todos nós entendemos a razão de tais conversões, como, por exemplo, portar arma de fogo (como se diz aqui na Bahia: "pau de fogo") sem autorização legal.
D´outra banda, a fixação legal de permissão de percentual de álcool é um erro, visto que cada pessoa, cada ser, tem uma resposta biológica distinta para o álcool ou outras substâncias psicoativas.
0,6 de álcool em alguém que pesa 120 Kg pode não significar quase nada e pode não o comprometer, contudo, 0,6 em alguém que pesa 40, 50 ou 60 Kg ou que nunca bebeu na vida, tem efeitos poderosos de mudanças da percepção e dos reflexos.
Há pessoas que ficam embriagadas, caídas de sonolência, nos braços de Morfeu, apenas com uma taça de vinho, que o digam as mulheres.
Há outros que podem tomar uma garrafa de vinho e, aparentemente, não apresentar sintoma algum de embriaguez.
Entretanto, o álcoool, em qualquer concentração no corpo humano, provoca perda dos reflexos e alterações das percepções, e isso é fatal na direção de veículos, potentes como os atuais, cujas velocidades são facilmente desenvolvidas em 80, 100,120 ou mais Km/h.
Experimente fazer o seguinte teste:
Passe ao lado de um ônibus parado no ponto a 40, 60, 80, 100 km/h ou mais e observe a velocidade pela qual você atravessa a imagem do ônibus ao seu lado.
Agora, transfira essa velocidade da imagem para um impacto.
Mesmo a 40 km/h, considerando o fator da física que multiplica a velocidade pelo peso do objeto em aceleração e pelo peso do objeto inerte, além da força da gravidade, é bem provável que não sobraria nada de uma pessoa, mas, o carro acaba funcionando como redutor do impacto, dado as novas tecnologias aplicadas aos automóveis, mas certamente ninguém sairá incólume.
Talvez: um rosto fraturado e que precisará de plástica, um braço ou perna fraturados, se não tiver que amputar, tórax quebrado e pulmão perfurado (acaso não possua air bag), parada cardiorrespiratória ou até mesmo um infarto pelo susto.
Agora, imaginemos que você não seja o motorista e que por qualquer descuido cometeu o acidente.
Imaginemos que você seja um simples motorista, obediente às normas, cheios de sonhos e planos, ou um simples pedestre, também cheio de sonhos e planos, que sofre um acidente de veículo cujo condutor está embriagado.
Você moreu... (RIP)
Como diz Tiririca: moorrreeeuuuuu!!!!
Entonces, segundo o entendimento do nobre magistrado, o infrator poderá vir a ser libertado, pois, ou a polícia trabalhará mal ou ele estava sob o efeito de algo comum, habitual, banal, festivo, vindo do jogo do Baêa e do Vitorinha, uma pobre cervejinha, tadinha.
Pois é, mas você está morto!
Que lucro hein, que a defesa intransigente da liberdade de se poder dirigir embriagado te proporcionou?!!!
Mas, professor, ele responderá pela morte, você me pergunta furiosamente.
Lógico que sim, no nosso sistema jurídico; na nossa lentidão; nas nossas prescrições penais; na ineficiência técnica das polícias; nas nossas confusas defesas dos direitos humanos que só privilegiam os criminosos, mas deixam de lado as vítimas; nos bons antecedentes do motorista "bebum"; no fato dele ser jovem; cheio de sonho, planos, "inclusiviu" de ser "adevogado" ou "médicu", que é o que atualmente tem sido formado no Brasil, em larga escala.
A qustão é que nós padecemos do velho e idiota modo de raciocinar o jurídico no Brasil, de nossa triste herança portuguesa (triste nesse sentido):
Se o avião da Tam cair e matar 199 pessoas, a gente indeniza, porque a lei diz que assim é que deve funcionar.
Assim, em nome da liberdade de voar, contratar, empregar, fazer de contas que paga tributos e lucrar exageradamente, não vejo porque fiscalizar seriamente a Tam.
Não é esse o raciocínio? Não é assim que nossas leis e nossa doutrina nos induz a pensar?
A lei do menor esforço jurídico, administrativo e de poder de polícia?
Nossa cultura é: "laissez faire, laissez aller, laissez passer", que significa literalmente deixai fazer, deixai ir, deixai passar. Deixa prá lá...
Só que, com a Tam, e com a repercussão, eu me revolto!!!! Viro o bicho!!!
Ora, mudemos a cena: Ah, se alguém dirigir bêbado e vier a matar uma pessoa, ele vai preso.
Então, não há necessidade de fiscalizar para que ele não mate.
Deixa ele dirigir embriagado, pois estamos falando da liberdade maior e constitucional que é beber a vontade, "inclusiviu", porque se trata de um hábito cultural.
Então, para quê lei, para quê bafômetro, para quê blitz, para quê polícia, para quê delegado, para quê perturbar a paz e o regalo de um juiz com uma bobagem dessas, se ele tem tantos outros processos para cuidar né?
Vamos tentar julgá-lo pelo crime decorrente do acidente causado pelo mesmo, acaso ocorra, com todas as atenunantes e liberdades possíveis, porque não nos interessa ter um poder de polícia (fiscalização) para evitar a morte de outrem.
Afinal, "num fui eu que morri".
Não nos interessa desperdiçar bilhões de reais, debitados em nossa conta de pagar tributos, pelos acidentes, mortes, recuperações, fisioterapias, Hospitais Sara, benefícios previdenciários, prêmios do seguro obrigatório, seguros dos veículos, resseguros, contratos de trabalhos suspensos, mão de obra e produtiva perdida, invalidez, famílias destruídas e revoltadas, etc.
Você não deve se lembrar, mas quem paga essa conta toda somos nós, eu, você e todo mundo.
Se em verdade pretendemos mudar algo nesse País, um dos momentos é esse.
Reflitam!
Pois a pretendida liberdade de dirigir embriagado ou sob os efeitos de qualquer outra substância psicoativa poderá atingir você também, e não será exclusivamente para beber uma merecida cervejinha ou fumar um relaxante baseado.

4 comentários:

  1. DAmsceno, li esta sentença e acho que este juiz deveria fazer análise. Não pelo fundamento inicial, pois para mim, apesar de concordar com a lei sei, também acho que ela seja inconstitucional, mas pelo valores que ele explicita em sua sentença. Gostei muito do texto.
    Um abraço, Alexandre Cruz

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  2. Jõao, gostei do seu blog e concordo plenamente com seu artigo sobre a lei seca. Fico irritada quando um aluno ou colega fala que "fulano se jogou em baixo do seu carro"... Não é assim: ao dirigir um carro, você cria um perigo potencial e deve dominar sua maquina e deixar a criança correr atras da sua bola, o velhino atravessar a rua ao seu ritmo, o adulto sonhar... sem morrer! No Brasil, ainda você tem direito de matar pessoas com seu carro e isso deve mudar o quanto antes. Fiquei triste ao saber que a Set ia parar com seus blitz.
    Bom fim de semana,
    Um abraço fraterno,
    Juliette.

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  3. Olá Profa. Juliette, tudo bem?

    Obrigado pelo contato e por ter lido o blog
    Tem uma outra faceta da sentença que preciso fundamentar numa nova resposta que é sobre o chamado princípio "de não fazer prova contra si mesmo"
    Assim que estiver pronta te avisarei.
    Há mais algumas verdades sobre a nossa sociedade e nosso trânsito.
    O trânsito é o reflexo de nossa sociedade, onde todo mundo exerce um pouco de poder, por estar dentro de um carro, e ninguém respeita ninguém, onde o obetivo é que cada quer se dar bem, ou seja, a famosa Lei de Gérson, e total desrespeito às regras de convivência e de coletividade.
    Assim, se quisermos entender a sociedade brasileira, é importante analisar o nosso comportamento no trânsito.
    A SET alega que falta dinheiro para realizar as blitzes
    Fraternalmente, João Damasceno

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  4. Alexandre, comentarei sobre o princípio de não ser possível fazer prova contra si posteriormente e te avisarei
    Abs, João

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