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quinta-feira, 25 de junho de 2009

ENTREVISTA COM CELSO CASTRO

ENTREVISTA COM CELSO CASTRO

O diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), o professor e doutor Celso Castro, acredita que o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) sofre pesadas influências políticas, principalmente na escolha de novos desembargadores, cuja palavra final é do governador. Em entrevista concedida ao Bahia Notícias na última quinta-feira, Castro, que é especialista em direito público e procurador da Assembléia Legislativa, também critica a postura da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), que classificou como um grande sindicato, e a qualidade dos cursos de Direito no estado. Ele aproveita para relacionar os cursos de Direito que considera como melhores em Salvador.


 


 

Fotos: Max Haack

"O Judiciário continua ainda sendo um poder fechado, mas há uma mudança sensível ao que era no passado"

Por Alexandre Costa


 

Bahia Notícias – O Supremo Tribunal Federal (STF), em uma decisão polêmica, aboliu a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. É uma decisão que pode ser ampliada para outras áreas. O senhor acha que o Direito pode ser uma delas?
Celso Castro –
Acho que há um exagero quando se quer advogados em todas as situações. Por exemplo, nos juizados de pequenas causas, não há necessidade de advogado, desde que o cidadão tenha conhecimento suficiente para se defender. As pessoas tem que ter necessidade de contratar um advogado, não fazer isso pela imposição de uma lei. Hoje, a realidade é que se adquire conhecimento fora das universidades. Considero que as faculdades de jornalismo contribuíram muito para o aprimoramento da qualidade da área no país. Por outro lado, há uma realidade que vem desafiando padrões tradicionais, que é justamente a internet. A mídia se tornou, com ela, pouco controlável. Bom, os efeitos dessa decisão do Supremo só o tempo dirá. Acredito que o mercado vai regular isso, contratando os melhores. Mas há profissões que ficarão de fora disso, como a engenharia, a medicina, que exigem uma qualificação técnica fundamental.

BN – O STF vem cumprindo bem o seu papel em defesa da Constituição e da sociedade?
CC -
Um fato é verdadeiro. O Supremo mudou o seu perfil, não é mais o que era antes. Poucas pessoas ouviam falar no Supremo, e hoje muita gente já fala, já está no cotidiano. Já se conhece ministros como Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Ellen Gracie. O Supremo passou a interessar à comunidade. Agora, há problemas que vieram com a transparência na transmissão dos julgamentos pela TV. Isso fez com que aflorasse a vaidade, o que leva a votos longos em detrimento rapidez com que os casos precisam ser julgados. Você vê ministros dando verdadeiras aulas para a platéia. Enquanto isso, o Supremo ainda continua com um volume muito grande de processos. É impossível 11 ministros julgarem dez mil processos em um ano. É preciso que o Supremo se restrinja às questões nacionais, como acontece nas supremas cortes do mundo inteiro. Ele tem de avançar nos processos de repercussão geral, e não nos individuais, como casos de pensão do INSS. Isso ainda falta.

BN – Mas, mesmo com a transmissão dos julgamentos ao vivo e com o Supremo mais na mídia, o Judiciário continua sendo um poder meio que "secreto", ao contrário do Congresso Nacional, onde a imprensa está sempre fiscalizando.
CC –
O Judiciário continua ainda sendo um poder fechado, mas há uma mudança sensível ao que era no passado. Juízes expressam hoje seus pontos de vista com mais franqueza. Falta ainda, também, a imprensa visitar mais o Judiciário. Às vezes, decisões de impacto não são percebidas pela imprensa. Falta um diálogo maior entre a mídia e o Judiciário. O papel do Judiciário é dar segurança ao cidadão, e a mídia poderia ser muito parceira nisso. A mídia poderia sinalizar que não adianta o cidadão entrar com tal tipo de processo porque coisa parecida já foi decidida antes de forma negativa. Isso inibiria julgamentos desnecessários, processos desnecessários.

BN – Outra crítica ao Judiciário é que ele é lento. Isso também não melhorou.
CC –
Em primeiro lugar, está se percebendo que soluções individuais estão cada vez mais difíceis. Você tem milhares de ações no Judiciário contra determinada empresa de telefonia que versam sobre o mesmo assunto, o que emperra tudo. O Judiciário precisa de instrumentos para tentar resolver tantas ações coletivamente. Hoje temos um Judiciário assoberbado de falsos processos. O que é um falso processo? É quando o INSS sabe que tem de pagar ao cidadão mas usa o Judiciário para procrastinar o pagamento. O Estado precisa ter consciência de que deve respeitar os direitos do cidadão, o que ajudaria muito o Judiciário. E o Legislativo precisa sempre aprovar normais mais claras e punições mais claras. Hoje, o Judiciário não presta mais atenção questões. Juízes lêem votos e nem se lembram o que decidem. São os assessores dos juízes que julgam. Fico imaginando alguém julgar 600 processos numa tarde. Acontece!

BN – A possibilidade que um cidadão tem de recorrer tanto de decisões é outro grave problema, não?
CC –
A Constituição de 1988 abriu muito o acesso ao Judiciário. Há um certo exagero sim. Primeiro que o cidadão toma uma topada na rua e entra com uma ação de indenização. Além disso, e das inúmeras possibilidades de recursos a uma decisão desfavorável, há também a falta de especialização no Judiciário. Faltam varas especializadas em assuntos diversos. Diria que há uma crise de especialização no nosso Judiciário em função da demanda excessiva e da falta de sistematização dos processos, pois não se julga por área.

BN – Em suma, a questão do excesso de processos é algo impossível de se resolver?
CC -
Eu diria que o problema do Judiciário não pode ser resolvido apenas por juízes. O Judiciário precisa de administradores, sociólogos. Porque os juízes, às vezes, não têm formação muito especifica para problemas administrativos e operacionais. Eles aprendem a julgar o caso concreto sem vislumbrar situações mais amplas. Os juízes não estão sabendo como resolver a grande demanda de processos postos no Judiciário.

BN – O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalha com metas para tentar resolver o problema do excesso de ações no Judiciário. A meta 2, por exemplo, tem como objetivo julgar todos os processos distribuídos em 2005. São 300 mil processos que têm a União como parte. Para isso, busca a ajuda da própria União. O senhor acha que isso será possível?
CC -
Acho que não. Mas, pelo menos, criar uma meta já é importante, coisa que não havia antes. O Judiciário nunca trabalhou com metas. Pela primeira vez, o Judiciário, com o CNJ, está fazendo estatísticas. Estatística é o conhecimento da realidade, a previsibilidade do julgamento. Você precisa ter julgamentos ágeis e previsíveis. Quando já se tem uma previsão do que vai acontecer, você não entra no Judiciário sabendo que tem 99% de chances de perder. As ações do CNJ ajudam nessa questão.


"Quando chega o período da escolha de um novo desembargador, você começa a ver nos tribunais gente pedindo votos, pedindo apoio a políticos"

BN – A conciliação é um instrumento que tem ajudado a enfrentar o problema da sobrecarga de processos?
CC –
Ajuda, mas a conciliação é mal concebida no Brasil. Porque o juiz que vai julgar não deve ser nunca o que vai conciliar. Isso porque essa possibilidade inibe que uma das partes ofereça um determinado valor com medo do juiz achar que ela é culpada. O sistema japonês concilia melhor porque não transmite nada para quem vai julgar.

BN – Mas aqui a conciliação não passa antes por um técnico antes de chegar ao magistrado?
CC -
De modo geral passa, mas o técnico registra muito do que acontece na audiência. A conciliação seria muito mais valiosa se omitisse o que partes dissessem ali. E o técnico está muito próximo do juiz. Ele diz o que uma das partes ofereceu. As partes recuam por isso. A sociedade devia ter instâncias de conciliação formadas em fábricas ou em lugares quaisquer, formadas por pessoas comuns.

BN – Vamos falar de outro problema grave do Judiciário, que é a questão da impunidade. O senhor é advogado, ou seja, defende clientes. Como vê essa imagem de que a polícia prende e o Judiciário manda soltar?
CC -
Eu diria que, na verdade, a polícia é desaparelhada e, às vezes, atua com violência excessiva, o que atrapalha as punições. Eu digo sempre que as polícias que atuam bem separam o ato de investigar do de prender. O ato de investigar é intelectual. Hoje não há essa diferença em nossa polícia. Se exige que policiais troquem tiros com bandidos e investiguem. A falha começa aí, o que ajuda muito os advogados.

BN – O CNJ, que o senhor acabou de elogiar, colocou o Judiciário baiano como um dos piores do país. O senhor concorda com essa avaliação?
CC –
Não concordo. Acho que o Judiciário é representado pela sociedade. Então, não vamos ter ilusão. Se a sociedade tem um grau de corrupção, isso contamina o Judiciário, o clero, os advogados, os militares. A Justiça baiana, dessa forma, é a média do que existe em diferentes setores da sociedade, com os mesmos vícios e defeitos que ocorrem nacionalmente. As mesmas pessoas que criticam o Judiciário ou o Legislativo são aquelas dispostas a parar em local proibido, a furar fila, a oferecer "gorjeta" ao guarda...

BN – É o velho "jeitinho brasileiro"...
CC –
Sim. Existe até um trabalho de um jurista americano que escreveu uma obra sobre o "brasilian jeitinho". Ele não conseguiu traduzir a palavra "jeitinho" para o inglês e deixou assim mesmo. É a cultura da falta do respeito à ordem instituída, à cidadania.

BN – Como o senhor avalia o método de escolha de ministros para o Supremo ou de desembargadores para o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)? No caso do Supremo, quem dá a palavra final é sempre o presidente. No TJ-BA, é o governador.
CC -
Tenho sérias duvidas quanto a essa forma de indicação. Acho que a sociedade deveria participar mais para evitar a politização do Judiciário. Quando chega o período da escolha de um novo desembargador, você começa a ver nos tribunais gente pedindo votos, pedindo apoio a políticos, ao próprio governador. Há toda uma campanha que às vezes sai na mídia e outras vezes não. De algum modo, isso não é o ideal.

BN – Então o Judiciário baiano não está livre de pressões políticas?
CC –
Não, o tribunal baiano não esta livre de influências políticas. Ao contrário, ele sofre influências políticas. Ele tem bons e maus juízes, e está dando passos para se modernizar. Estou esperançoso, mas o Judiciário baiano ainda sofre em alguns momentos pesadas influências políticas.

BN – O que o senhor destaca como ponto positivo e negativo da gestão da desembargadora Sílvia Zarif à frente do tribunal baiano?
CC –
Acho que a desembargadora está tentando informatizar o Judiciário baiano, e isso é positivo, além de tentar dar mais transparência. De negativo, destaco um aspecto que é histórico, que é a falta de uma revisão ampla sobre as bases do Judiciário, que continua lento, sem atender às demandas da sociedade. Não se fez, por exemplo, um estudo sobre a distribuição de comarcas no interior. Uma vez um juiz me disse que, na sua comarca, recebia 30 processos por ano, enquanto outros recebem dois mil.

BN – Por que a seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) é uma entidade que, ao contrário do que ocorre com a mesma nacionalmente, não se posiciona politicamente? Por que ela não se manifesta publicamente, como faz a OAB nacional, em defesa de teses relacionadas à manutenção do Estado democrático de direito?
CC –
Também sinto falta disso, de uma posição política mais firme da OAB baiana. Gosto muito da pessoa do Saul Quadros (presidente da entidade), mas a OAB baiana não tem se projetado no cenário nacional, e isso na terra de Ruy Barbosa e outros juristas importantes.  Vejo mais ela voltada para questões administrativas, mais como um sindicato, ao invés de um órgão de defesa da democracia. Concordo com sua crítica.

BN – Como está a qualidade dos inúmeros e diversificados cursos de Direito que existem na Bahia?
CC –
A qualidade caiu com a quantidade de cursos criados. Há uma década tínhamos na Bahia três faculdades, e hoje temos 50. Hoje, ser bacharel em Direito na Bahia é só uma questão de ter dinheiro para pagar um curso. Claro que existem exceções. Tirando a Faculdade de Direito da Ufba, temos ainda a Ucsal, a Unifacs e a Faculdade Baiana de Direito, que é nova mas tem se mostrado boa, com perfil inovador. Mas no geral a qualidade é baixíssima. Basta ver a quantidade de formandos reprovados no Exame da Ordem.

BN – Entrega aí algumas que são ruins agora...
CC –
(risos) Ah, eu não farei isso porque poderia ser uma condenação sem defesa. Se os responsáveis por esses cursos estivessem aqui conosco, eu diria sim.

BN – Qual o percentual de aprovação da Faculdade de Direito da Ufba no Exame da Ordem?
CC –
O percentual é de 80% de aprovação.

BN – Quais as carências hoje da faculdade que o senhor dirige?
CC -
A faculdade vive alguns aspectos de carência física. Temos, por exemplo, um prédio bonito, mas que se degradou. Mas o mais importante é que precisamos desenvolver pesquisas sérias para as comunidades. Pesquisas que facilitem, por exemplo, a criação de mecanismos que tornem mais ágeis os processos licitatórios nos entes públicos.  E estamos procurando fazer isso.

BN – Em sua opinião, o grosso da corrupção no país está nos municípios ou em Brasília?
CC –
Houve um exagero na Constituição de 1988 em dar autonomia muito grande aos municípios. Boa parte da corrupção está em municípios, embora ela exista em outros lugares também. Temos prefeitos absolutamente despreparados e comunidades sem condições de controlar os gastos públicos municipais. Hoje, a maioria dos municípios sobrevive com recursos vindos do governo federal. É um verdadeiro ralo de dinheiro jogado fora sem fiscalização. Nas outras esferas de poder, há órgãos de controle mais firmes.


"Boa parte da corrupção está em municípios, embora ela exista em outros lugares também"


 

FONTE:
http://www.bahianoticias.com.br/
Segunta-feira, 22 de junho de 2009.

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