Pesquisar este blog

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

NOSSOS VALORES. TRÂNSITO

Resposta a um colega sobre o art. 58 do CTB que determina a preferência aos ciclistas no trânsito.
JD

Prezado Dr. Valci, saúde!

O trânsito brasileiro é a representação nua e crua dos valores e da cultura social brasileira.

O comportamento dos brasileiros no trânsito é nosso extrato de como lidamos com o bem da vida, com os valores, com as nossas relações sociais.

Também me incluo sobre o que a seguir se alinha, mas devemos ressalvar as exceções, com todo respeito.

O trânsito é onde eu posso agir com minha parcela de poder: o veículo, e sem dar muita satisfação aos outros.

É nele que eu posso competir com um pouco mais de igualdade, nem sempre com igualdade, mas posso competir.

Presente ainda o ânimo em desobedecer a normas ou explicitar o suposto direito de não ser um anônimo.

Não há nada mais insuportável para o brasileiro do que o anonimato, o ser um comum.

Ninguém suporta ser tratado como um comum, pois, se abordado, fará a pergunta elementar de qualquer um que detém seja lá qual for a parcela do poder, mínima que seja, ou que apenas o represente: "você sabe com quem está falando?"

O trânsito representa uma ausência de valor em nossa sociedade que nos custa muito caro como País, pois sequer somos uma nação.

O valor ausente é o senso de coletividade.

Todos dirigem como se estivessem guiando apenas e tão somente sozinhos e para si, como se não tivessem responsabilidade para com o próximo, ou como se não tivessem que agir no coletivo de veículos que é o trânsito.

Parece um paradoxo, mas não é e explico.

Se alguém pretender entender a sociedade brasileira, sob a perspectiva sociológica e afins, basta analisar o trânsito.

No trânsito, ambiente de exercício da nossa cultura, com a ausência de um valor elevado que é o senso de coletividade, eu posso:

Não respeitar os pedestres, os outros veículos, as regras, as normas, a urbanidade, e a necessária abstração de norma de convivência social que é respeitar o próximo, pensar no próximo, agir em prol do próximo.

Assim, pergunta-se:

Respeita-se faixa de pedestres? Não

Respeita-se local correto de estacionamento? Não

Respeita-se vagas destinadas? Não

Sinalizo com antecedência o que pretendo fazer, para que o outro motorista entenda e se acautele, como dar seta para virar a esquerda ou a direita? Não (No máximo, sinalizo no próprio ato de fazer a curva, como se estivesse avisando a mim mesmo que estou virando).

Preocupo-me em ter os faróis, lanternas, lâmpadas e outros elementos sob manutenção, pela preocupação em fazer com que o meu veículo seja visto pelos outros? Não

Respeito vaga pré-fixada em condomínio? Não

Respeito o veículo que já está em uma rotatória, pois a preferência é dele, visto que, em uma urgência, ele não teria muita área de escape e nem forma adequada de virar a direção para um lado ou outro? Não

Bom, as questões seriam muitas por causa dos maus exemplos diários.

É muito engraçado como todo mundo sabe disso, e parece que só serve para passar no exame "água" do Detran, pois, nas ruas, a situação é totalmente inversa.

É assim que convivemos. E cada dia vivo, depois do trajeto no trânsito, é uma vitória e uma dádiva.

O trânsito acaba funcionando, ainda que em caos, porque sou forçado a respeitar o outro veículo, o maior, o ônibus, a carreta, etc. Ceder, ser educado, ser urbano, jamais...

É da nossa cultura exigir ética do outro, mas nos auto apiedamos com nossas falhas.

É da nossa cultura sermos extremamente formalistas e exigentes na elaboração e prescrição das normas, mas não obedecê-las em sua totalidade.

Na nossa cultura, é constrangedor o lesado, o que teve o direito violado, pleitear ou lutar por seus direitos. Tais pessoas não são bem vindas, bem aceitas, não são recomendadas, é um problemático, persona non grata...

O que mais me impressiona na sociedade brasileira é ainda a herança da cultura trazida pelos portugueses em valorizar o que é ou que vem do exterior.

Todas as pessoas que viajam para os chamados países desenvolvidos voltam embasbacadas com o respeito das pessoas de lá quanto as regras públicas e de coletividade.

Ora, o engraçado é que essas mesmas pessoas que viajam, e criticam o Brasil, elogiam o exterior, são as mesmas que no dia-a-dia cometem os mesmos crimes de desobediência civil que tanto critica. Isso sim é um paradoxo.

Estou ultimando um artigo para postar no blog quanto a minha falta de fé em que um dia seremos uma nação.

É bem provável que nos sairemos bem na economia, mas teia social, respeito ao próximo, coletividade, prestação de serviço público digno...? Jamais. Certamente é coisa para, além de um milagre, mais 500 anos ou mais.

Enquanto nossa educação de valor social for pautada pelo individualismo e pelo sucesso imediato, teremos uma sociedade distorcida em todos os ambientes que você imaginar, e trânsito é apenas uma delas.

Ser benevolente com uma pequena mazela entorpece o senso quando se necessita analisar outra de grau mais elevado ou perigoso

Penso que discutimos muito isso quanto ao sucesso do vídeo da professora libertina.

Voltando ao trânsito, seria muito bom se os ciclistas, ou, todos aqueles que circulam de bicicleta pelas ruas, também respeitassem o CTB, não andassem na contramão, pregando-nos sustos ao volante, ou disputando lugar com o carro, como se carne pudesse ser mais forte que o aço e a velocidade.

É de se lembrar que a maioria dos ciclistas também trafega no trânsito pautado pelo mesmo senso social exposto anteriormente: individualismo.

Além da ausência de educação e valor social, nossa sociedade no quesito de administração pública padece de outro mal gravíssimo, qual seja: ausência, desejo, seriedade e competência para fiscalizar. Não gostamos de fiscalizar, nem de sermos fiscalizados.

Os países elogiados não são desenvolvidos somente porque o povo respeita isso ou aquilo, mas porque são seriamente fiscalizados, e, se necessário, seriamente punidos.

Você encontra esse senso aqui no Brasil? Eu desconheço, pois sempre se dá um jeitinho de abrandar o castigo. Vide os crimes oriundos de acidente de trânsito que vitimam pessoas.

Ainda se discute se a lei seca é constitucional ou não. Na verdade, na prática, poucos são os que possuem senso de respeito para com a mesma.

Respeitar o art. 58 do CTB? Isso é o de menos...


Fraternalmente, João Damasceno.


Nenhum comentário:

Postar um comentário