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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A CONSTITUIÇÃO FEZ 20 ANOS E QUASE NINGUÉM CANTOU PARABÉNS

O por quê do descaso?
Nosso povo, por causa de nossa formação, ainda não tem a cultura de observar, aprender, entender, apreender, internalizar, abstrair as normas para respeitá-las e vivê-las debaixo das condicionantes legais.
Nem a classe dominante, que se supõe mais culta, obedece normas, exceto as que lhe interessa ou lhe convém. Usam o famoso: "sabe com quem está falando". Incluindo, especialmente, as nossas "ortoridades", e, por extensão, seus filhos; ou seja, justamente aqueles que deveriam dar o exemplo no cumprimento das normas.
Todas as regras existentes são justamente para o nosso convívio em sociedade e o respeito ao outro.
Todos reclamam essas exigências, mas ninguém observa nada, ou, observa muito pouco.
A Constituição de 88 inaugurou um novo comportamento no brasileiro. Expliquemos:
Nós saímos de um estado policial (ditadura), onde ninguém podia questionar nada, perguntar nada, reclamar nada, pedir satisfação de nada, pleitear direito de nada.
(Esse ranço ditatorial ainda permanece em muitas das nossas instituições e órgãos, até empresas, mesmo naquelas que foram privatizadas: vide os exemplos cotidianos da falta de transparência e de respeito ao cidadão praticados pelas polícias, pelo Judiciário, pela saúde, pelas escolas, transportes públicos, nos locais públicos, etc. E as empresas públicas que foram privatizadas? Consiga reclamar alguma coisa com bancos, com empresas de telefonia, a lá Telemar (ela se chama telemar no litoral, mas no interior chama-se telepior), energia elétrica, gás, etc., onde os consumidores, necessitados dos serviços, são definidos como consumidores cativos.
Somos tratados como coisa, inadimplentes, usuários sem a menor importância. Sequer se lembram que somos nós que os sustentamos, mas, não existe concorrência significativa, o desrespeito é grosseiro, inclusive.
Não há concorrência porque no Brasil nosso setor produtivo é praticamente dominado por monopólio ou oligopólio, redundando em cartéis quanto aos preços, cuja margem de escolha do consumidor é mínima.
Os exemplos são muitos e a lista interminável.
Até em delegacia, quando você chega para prestar uma queixa, já te olham desconfiado, "lá vem um safado". Ninguém te vê como cidadão em busca de direitos e soluções que o Estado deve prestar.
Os servidores, que sustentamos com nossos impostos, esquecem-se que estão ali para servir e até desdenham de um pobre coitado qualquer, seja lá quem for. A não ser que você seja amigo, ou amigo do amigo, ou parente, ou se trate de algum interesse, etc.).
Lembro-me de um deputado que conheci no ES e era bacharel em Direito e eu, à época, ainda era estudante de Direito. Perguntei-lhe se já havia advogado, ao que me respondeu: "como? pra quê? se não se tinha liberdade para nada nesse País!"
Naquela época, qualquer petição que se fizesse, habeas corpus então, a depender das palavras usadas e dos fundamentos, o advogado também ia preso. Ele e o cliente na cadeia, no xilindró. Bonito hein?!
Atualmente vivemos sob a ditadura de um estado fiscal (arrecadatório de tributos), mas isso é assunto para outra conversa.
Pois bem, com a Constituição de 88, ainda sob muitos temores dos militares retomarem o poder, publicou-se uma carta política apelidada de cidadã.
Ora, no afã de romper todo um histórico de restrições das liberdades pela ditadura, noticiou-se aos quatro ventos que o povo tinha direitos e mais direitos.
Está tudo certo.
Mas esqueceram de avisar que o direito requer cumprimento de obrigações para que ele (direito) seja respeitado.
Todo mundo tem direito, mas ninguém respeita nada.
Entramos em outro colapso social e cultural, ninguém se sente obrigado moralmente, conscientemente, a obedecer regras, a não ser que seja coagido pela polícia, seja ela a PM que conhecemos, seja o poder de polícia do Estado em administrar e fiscalizar tudo que gira em sua órbita.
O processo nesses 20 anos foi e continua sendo o de aprender a respeitar a Constituição. Esse é o desafio!
Mas isso também não é de nossa cultura. Esse é o problema! E, diga-se de passagem, um grande problema.
Lembremos que Direito é produto cultural e se frutifica da cultura e valores de uma sociedade, numa determinada época e momento de sua história. Por isso mesmo ele é dinâmico.
Tanto é verdade que não gostamos de respeitar regras e contratos, que não gostamos de nos adequar e obedecer normas, que a própria Constituição, que fez 20 anos, possui uma enormidade de comandos sem serem obedecidos, que ainda carecem de legislações para que sejam efetivados, e que já conta com 55 emendas constitucionais. 55 ou 56 emendas? Deixe-me conferir... São 56 emendas, até hoje.
Filio-me ao ensino do Prof. José Afonso da Silva ao expor que mandamento constitucional não pode ser condicionado a nada, tem legítima e imediata validade, devendo todos obedecerem.
Pois, o raciocínio de nosso caldo cultural é o seguinte: é mais fácil mudar a constituição (via emendas) , do que obedecê-la, do que internalizar (consciência) suas regras e nos adequarmos às mesmas. É mais fácil desrespeitá-la do que respeitá-la.
Esse é o problema. Esse é o nosso desafio enquanto povo, enquanto sociedade.
O problema de nossa legislação, e somos pródigos em produção legislativa, inflacionários nesse ramo, é torná-la efetiva.
Não basta dizer (escrever) que um membro qualquer da sociedade tem direito a tal coisa, a liberdade por exemplo, o Estado precisa tornar esse direito efetivo e vigiar seu cabal cumprimento.
(Confiram um recado anterior sobre um princípio constitucional consignado neste blog, da lavra do jurista alemão Konrad Hesse.
Qual o ensino dele: é mais importante para a sociedade uma pessoa que decide por si só obedecer a norma, inclusive suprimindo de si um privilégio, do que a própria autoridade (seja ela juiz, polícia ou administrador público) que impõe a força, a obediêcia a norma).
Por isso que Alemanha é "alumanha" e nós "semos o que semos".
Padecemos ainda da cultura de admirar o que é do exterior, e, ingenuamente, achamos que os outros países, que elogiamos, especialmente aqueles que podem viajar para fora (o sujeito não conhece Foz do Iguaçu ou a Chapada Diamantina, mas faz questão de gastar as riquezas nacionais na disneylândia), nasceram da noite pro dia com aquela estrutura social toda, tudo organizado, tudo limpo, tudo funcionando, tudo respeitoso.
Tenha paciência! Vamos estudar um pouco de história geral.
Eles são o que são porque o povo lutou muito, especialmente quanto a tirania, inclusive com mortes.
O pobre coitado do Tiradentes tentou se insurgir contra 20% de tributação e foi degolado e esquartejado.
Quem atualmente tem coragem de lutar por algo que entende abusivo, a ponto inclusive de sofrer restrições, em nome da ordem posta? Quem?
Collor passou a mão no dinheiro de todo mundo (confisco) e todos foram tomar cerveja na praia... Até o STF disse, à época, que o plano e a gatunagem de d. Zélia Cardoso (ministra da "inconomia") era legítimo, constitucional.
Na Argentina, tentativa similar, teve panelaço e o presidente (Fernando de la Rúa) teve que fugir de helicóptero para não ser linchado. Cultura diferente.... Povo educado, povo consciente...
Voltemos....
Todo mundo quer liberdade, como direito maior a ser consagrado e respeitado por todos, mas, para ter direito a liberdade, há que se entender que a face da moeda que representa a liberdade, tem por outra face a responsabilidade, individual e coletiva.
A liberdade garantida anda de mãos dadas com a responsabilidade. Responsalidade pelos atos e consequências que sua liberdade te proporciona.
Temos liberdade para fazer o que quisermos, contanto que respondamos por nossos atos.
O que vemos atualmente é que as pessoas reclamam liberdade, mas não querem responder por nada. Isso é anarquia! 
Não é da nossa formação obedecer normas, regras, respeitar contratos, seja pacto privado, seja pacto político, seja pacto social.
Tudo aqui é um faz de conta e todo ano tem carnaval, e muito futebol e todo mundo se diverte... (Flamengo campeão!)
E já tem gente falando em convocar uma nova constituinte...
Outro ponto: para que as pessoas e a sociedade tenham por hábito obedecer normas, elas precisam ser educadas para tanto, e, nós sabemos que educação nunca foi o forte da política brasileira, até porque, quanto mais gente analfabeta ou analfabeta últil, mais fácil fica para governar e engambelar.
Ora, se nada sei ou não me foi dada a oportunidade para aprender, e aprender com consistência, ao invés de ensinar a desenhar o nome; significa que nada entendo e nada sei questionar. Se não sei questionar, não sei fiscalizar. Se não sei fiscalizar, não sei pedir providências ou fazer denúncias.
Assim, alguém que está no poder faz o que quiser e ninguém sabe explicar nada. Pois, no Brasil vige a máxima adotada por todos os políticos: "aos amigos tudo, aos inimigos a lei".
Os chamados órgãos de fiscalização não passam de casas das panelinhas, das indicações dos amigos, dos irmãos (exemplo recente do Paraná), dos parentes, da mulher, dos primos, dos cunhados e por aí vai...
E ainda não podemos deixar de levar em consideração o hábito brasileiro da passividade, de nada fazer, de esperar no berço esplêndido que alguém fará algo por ele, que o Governo Federal fará as mudanças necessárias, que a PF resolverá tudo, que o Min. Público tomará as providências, que a Justiça condenará, que o Estado fará algo, e "vamu simbora que eu quero é cumer caranguejo na praia e tomar minha gelada, e de noite tem o sambão".
É certo que esperemos algo das institituições, mas se ficarmos de mãos cruzadas, se não fizermos o que nos cabe, por mais pequeno e ínfimo que seja o nosso ato, nada mudará.
Lembrem-se que o Congresso, as Assembléias e as Câmaras são o extrato de nosso povo e de nossa cultura. São, literalmente, nossos representantes.
Nós, narcisistas, não gostamos da imagem que vemos no espelho chamado Congresso e similares, mas a imagem é nossa mesmo!
O espelho chamado Congresso reflete a nós mesmos, nossos valores, nossa cultura, nosso jeitinho, nossa confraria, as panelinhas, o descaso com o bem dos outros, a farra com a coisa pública, etc., etc., etc.
Nossos deputados são os mais caros do mundo. É mais caro sustentar um deputado brasileiro do que um deputado americano e quão grande é a diferença!
Exemplo que uso em sala: "se o policial te parar para multar no trânsito, porque você cometeu uma infração, você opta por sofrer a pena (multa) ou paga os R$ 20 reais da cervejinha para deixar isso pra lá?
A depender da sua atitude, e a resposta válida é de sua espontaneidade, não vale a condicionante por estar lendo esse texto, ela é o reflexo da cultura do nosso povo em sua maioria.
Se você prefere pagar a cervejinha, seja ela pedida pelo policial, seja ela ofertada por você e aceita pela autoridade; que moral você tem para exigir que nossos mandatários tratem a coisa pública de forma diferente? Resp.: nenhuma.
Sabe por quê? Porque quando se está no poder, o raciocínio, melhor dizendo, o império da nossa cultura e da nossa formação é a mesma, apenas, trata-se de outros valores monetários. No exemplo anterior foram R$ 20 reais, nada demais. No cenário político, foi só uma "comissãozinha" de 2% ou 30%, mas essa pequena comissão significa a bagatela de R$ 1 milhão, R$ 5 milhões, acertar na loto várias vezes, e por aí vai...
Nossa! Quanta coisa para falar, mas tudo se resume no nosso fazer de contas em respeitar a Constituição e tudo continua como dantes, no quartel de Abrantes.

Finalizo por aqui, mas voltaremos a esse assunto em outras oportunidades.

Um comentário:

  1. Caro João,

    Não sei, ao certo, se temos muito o que comemorar pelo vigésimo aniversário da CF.
    Sem dúvida, avanços aconteceram para nos vangloriarmos; entretanto, a Carta Magna é, a todo momento, "rasgada" pela Presidência da República com as inúmeras e incontáveis edições de MP, que não têm nem urgência, muito menos relevância.
    Esperemos para, um dia, nosso sistema político tenha homens honestos, sinceros e públicos, sem interesse econômico ou mesmo livres da hipocrisia.

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