Aparências escondem - Jornal do Commercio - 15/5/2009
Há alguns dias, dois juízes do Supremo se acusaram verbalmente. Um ministro acusou o Presidente do STF de estar desmoralizando a Justiça. Ninguém exigiu que o acusador provasse suas acusações, nem que o acusado desmentisse o acusador. Um dos dois deveria ser punido, mas o debate que se travou foi sobre aparências. Ninguém questionou se um juiz mentia ou se o Presidente da corte máxima desmoralizava a Justiça. O tom que Suas Excelências usaram, a aparência e a liturgia prevaleceram sobre a substância e o conteúdo.
Os formadores de opinião condenaram o comportamento, os ministros colocaram “panos quentes” e os poucos que acompanharam o fato já o esqueceram. Porque aparências são substituídas rapidamente. Não importa se há ministros que mentem, nem ministros que desmoralizam a corte. Importam as aparências.
Só quando se revelou a falta de decoro no uso de passagens, com recursos do Congresso Nacional, é que a mídia e a população perceberam que havia algo errado. A omissão do Congresso não aparecia. Temos 14 milhões de analfabetos; a cada minuto de ano letivo, 60 crianças abandonam a escola; os poucos que chegam ao final do Ensino Médio saem despreparados para os cursos que chamamos de superiores. Mas esse naufrágio da nação não vira escândalo, porque não afeta as aparências: temos escolas aparentes, programas de alfabetização aparentes, universidades aparentes. Para um país de aparências, isso basta.
Há tempo, nós parlamentares passamos em Brasília dois ou três dias por semana, espalhados pelo edifício do Congresso; ficamos a maior parte do tempo correndo de uma comissão para outra, sem tempo para parlamentarmos entre nós. Passamos boa parte do ano com a pauta trancada por Medidas Provisórias enviadas pelo Executivo, ou surpreendidos por medidas do Judiciário. Mas a omissão não aparece, por isso, não importa.
Apesar da Embraer e de poucos setores de alta tecnologia, nossa balança comercial é baseada em ferro, soja, suco de laranja, alguns produtos da indústria mecânica. E nossas importações são chips, aparelhos de alta tecnologia, componentes inteligentes para a indústria. Já que o resultado financeiro é positivo, o que vale é essa aparência.
A política brasileira é corrupta no comportamento e nas prioridades, mas nos dedicamos apenas à primeira das corrupções, porque ela aparece. Roubar dinheiro público aparece, mas desviar dinheiro público das prioridades sociais para eventos midiáticos, imediatistas, dirigidos aos privilegiados, não aparece. Por isso, ninguém vê a corrupção nas prioridades.
Há alguns anos, parado no sinal de trânsito, às duas da tarde, em Manaus, um motorista de taxi apontou o fusquinha ao lado e disse: “Ele fecha os vidros para fazer de conta que tem ar-condicionado.” Na hora, percebi que aquele era um retrato do Brasil. Não importava sentir calor, mas sim aparentar ter ar-condicionado. Apesar da nossa realidade de violência, desigualdade, depredação ambiental, baixa educação e do previsível fracasso do nosso desenvolvimento, somos 190 milhões de brasileiros trancados num fusquinha de vidros fechados. Dar a impressão de termos ar-condicionado já nos deixa satisfeitos.
Além de preferirmos as aparências, aprendemos a esconder a aparência do que não nos interessa ver. Felizmente, descobrimos a podridão na superfície da política, graças às denúncias da mídia. Mas não percebemos a ferrugem que corrói a engrenagem da sociedade, porque ninguém – nem a mídia, nem nós mesmos – quer ver, porque as aparências escondem o substancial.
Fonte: Artigo publicado no Jornal do Commercio (PE) de sexta-feira, 15 de maio.
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