Com toda franqueza, considero o CPC de Buzaid excelente!
A meu ver, o problema do Judiciário não passa exclusivamente pelo alegado excesso de número de recursos, mas pela falta de infra-estrutura, muita boa vontade, conhecimento, simplicidade e humildade. Alguns poucos fazem jus à funçao de julgar.
É o mesmo problema do ambiente público de sempre: enquanto poucos trabalham, ainda têm que carregar centenas nas costas que nada fazem, ou pior, atrapalham e muito.
As exceções que faço ao Código de Buzaid é a ausência de mecanismos para atos urgentes (liminares) e o excesso de formalismo no processo de execução, mas corrigido modernamente pelas recentes reformas.
Mas temos que convir que o CPC de Buzaid era para uma época de liberdade restrita e que poucas pessoas iam ao Judiciário reclamar algo, especialmente contra o Estado. E, convenhamos, não é nem um pouco interessante processo rápido, liminar, etc. contra o Estado e contra o poder econômico que conforma e coopta a todos. (Vide as últimas decisões do STJ quanto aos contratos bancários).
Considerando que o CPC está se transformando numa colcha de retalhos, é melhor um novo.
Como tudo, dado aos avanços das relações sociais, toda mudança para se adequar aos tempos atuais é sempre bem-vinda.
Penso que para modernização do País, é hora de uma nova Justiça e um novo código de ritos, cujo objetivo será reeducar as pessoas, advogados, juízes e litigantes.
Por outro lado, fico feliz porque parece-me que finalmente o Brasil entrará na área da advocacia previdente, onde as barras do Tribunal deverão ser a última instância a ser procurada, como ocorre nos países desenvolvidos.
E isso só é possível por causa da estabilidade econômica.
Contudo, para que isso ocorra, é necessário que se dê educação ao povo: respeito às regras sociais, às leis e aos contratos. Isso está muito longe de acontecer, considerando que não faz parte da nossa cultura o respeito às regras e aos contratos.
Mas ainda que haja um novo CPC e sem que haja mudança na estrutura e no modo de pensar e agir do Judiciário, cujo labor se ressente da eficiência (art. 37 CF), duvido que só o novo código mude muita coisa.
Há algo necessário a se lembrar ao Judiciário: ele é um prestador de serviços e deve satisfação aos seus usuários, aos cidadãos, aos contribuintes, à sociedade.
Meu receio é que só haja mudanças de faixada. Exemplo:
Até pouco antes das reformas do atual CPC, quanto aos recursos repetitivos e de repercussão geral, quem realmente resolvia lide nesse País era o STJ. Justiça de 1º e 2º graus eram meras casas de passagem.
Como casa de passagem, poucos se lixavam em como decidir, pois sabiam que a demanda desaguaria no STJ e no STF.
O STJ ficou mais que abarrotado.
Os ministros reclamaram de muito trabalho. Vide os discursos da Min. Eliana Calmon.
Agora, em face dos novos filtros adotados para os recursos extraordinários (lato sensu), os processos são limados no 2º grau e morrem por ali.
Sejamos francos: quem crê em critério de justiça e de segurança jurídica em decisões do TJ? Raramente possuem fundamentação coerente...
Se considerarmos que os TJ´s brasileiros, com raras exceções, são ruins de qualidade e de produtividade, com os novos mecanismos de filtros dos recursos para as instâncias superiores, a sociedade ficará a mercê dos grandes grupos econômicos e do Estado, campeões de desrepeito às leis e contratos.
Um movimento social que começo a observar é que as pessoas estão desistindo de procurar o Judicário, e os que podem resolver por outra via o estão fazendo.
Também concordo que processo deve ser caro para quem desrespeita leis e contratos.
Por isso, confesso que, por mudança radical de código de ritos, prefiro o projeto do Prof. Luiz G. Marinoni. Esse sim seria revolucionário!
Outra mudança necessária é a descentralização dos Tribunais.
É evidente que um País tão grande como o nosso, e populoso, os tribunais sempre estarão abarrotados de processo. É um movimento de cidadania, o acesso ao Judiciário, proporcional a número da população e do acesso ao conhecimento dos direitos e prerrogativas.
Há muito que a Constituição prevê a regionalização dos tribunais, e não vejo um movimento sequer para implementar tal mudança. Mas é óbvio, qual desembargador gostaria de ser indicado para tomar posse no interior, longe da capital?
Quanto a notícia abaixo, especialmente quanto a aplicação de multa pela recalcitrância em recorrer, cabe uma pergunta:
O Judiciário terá coragem de aplicar as referidas multas ao Estado, seu maior cliente? Maior procrastinador? Maior litigante de má-fé? Maior descumpridor dos mandamentos constitucionais e das leis? Como o atual exemplo obscuro do INSS?
Se sim, acreditarei na proposta do novo Código.
Mas, como não acredito em papai noel, pinóquio, chapeuzinho vermelho, lobo mau, duende, gnomos, seres da floresta, bruxas, etc., continuarei na minha sina peregrina e solitária.
Será o mesmo remédio amargo de sempre: mudanças só contra o povo.
Fraternalmente, João Damasceno.
Revista Isto é
Brasil. Edição: 2102 | 19.Fev - 21:00
Por uma justiça mais ágil
Proposta de reforma do Código de Processo Civil (CPC) está pronta para ser analisada pelo Senado e prevê a redução do número de recursos em 70%
Hugo Marques
EXCESSO
O ministro Luiz Fux espera que mudanças reduzam a demanda do Judiciário em 50%Sancionado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici em 1973, o Código de Processo Civil (CPC) é um calhamaço com mais de mil artigos, nos quais a palavra recurso aparece 130 vezes. Graças a estes artifícios, muitos processos se arrastam na Justiça por décadas. Mas a farra de recursos está com os dias contados. Encarregada pelo Senado Federal de elaborar o anteprojeto do novo CPC, uma comissão de renomados juristas concluiu a primeira fase do trabalho em dezembro. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luiz Fux, que preside a comissão, anuncia uma verdadeira degola nos recursos judiciais para acelerar a Justiça. “O sistema recursal brasileiro é muito pródigo e nós vamos reduzir o número de recursos em mais de 70%”, prevê Fux. “Hoje, se a parte recorrer em tudo, um processo tem até 30 recursos. Acho que uns cinco são suficientes para resolver a ação.”
O principal dispositivo que a comissão encontrou para inibir o número de recursos é a punição à parte que recorrer de forma protelatória e perder a causa. É um dispositivo estritamente financeiro. Se o advogado apresentar um recurso sobre uma causa e perder, ele terá que pagar custas e honorários novamente. Os honorários são fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação. Hoje, a parte só paga uma vez, ao fim do julgamento. Se a reforma for aprovada, se quiser apresentar os dez recursos protelatórios, a parte terá de pagar dez vezes as custas e os honorários, caso perca em todas as tentativas de protelação. “Muitas vezes, a manobra é apenas para ganhar tempo, pois o advogado sabe que quando o recurso chegar aos tribunais superiores não terá sucesso, porque há jurisprudência pacificada”, diz Fux. “A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Vão acabar pensando duas vezes antes de recorrer, porque agora vai ficar oneroso.”Esse festival de recursos faz com que processos fiquem, em muitos casos, por décadas apenas na primeira instância. Sobreviventes do naufrágio do Bateau Mouche no Réveillon de 1989, as irmãs Elaine Maciel, jornalista, e Heloísa Helena Maciel, acupunturista, até hoje não receberam nenhuma posição da Justiça se receberão ou não a indenização que exigem. “Anima um pouco saber que vão extinguir recursos. É uma luz no fim do túnel. Senão vou morrer e não verei o final desse processo”, diz Elaine. “No ano retrasado, me chamaram para fazer uma perícia, para saber se fiquei com trauma. Se eu fosse um juiz, ficaria com vergonha de pedir uma coisa dessas quase 20 anos após o acidente.” Advogado de 26 familiares de vítimas do naufrágio, João Tancredo acha que não basta reduzir o número de recursos. “Não adianta enxugar procedimentos se não houver celeridade da máquina do Judiciário”, diz Tancredo. “Se aplicarem multas aos recursos procrastinatórios, será uma medida eficiente.”
BATEAU MOUCHE
Elaine Maciel: mais de 20 anos sem decisão de 1º instânciaPara evitar que casos como esses se repitam, há mecanismos que simplesmente serão extintos na reforma do Código de Processo Civil. É o exemplo dos embargos infringentes, uma medida que praticamente só serve para atrasar os processos nos tribunais locais, nos estaduais e nos federais. Ele funciona nos casos em que a votação não é unânime e as partes derrotadas interpõem o recurso para fazer valer o voto derrotado. “Com base nesse voto isolado, a parte pode tentar fazer prevalecer o voto minoritário, através dos embargos infringentes”, explica Fux. “É complicado até sob o ângulo filosófico.” No novo CPC, a possibilidade de recorrer ficará concentrada no fim do processo. Só liminares e decisões de extrema urgência serão recorríveis imediatamente.
O novo código também vai abolir os instrumentos que permitem a instauração de novos processos adicionais à demanda original. “Tudo que você tiver de alegar na defesa, que o juiz é suspeito, que a causa está com valor errado, que o foro não é competente, bastará apresentar isso numa petição”, diz Fux. “Com isso, vamos terminar com os incidentes processuais que dão margem a um filhote de processo, no meio do processo.”
Com as mudanças, duas ações serão extintas. Fux adiantou que a ação possessória, quando alguém quer retirar uma pessoa ou um grupo que invadiu sua posse, será substituída por um procedimento mais simples. Também será decretado o fim da ação de consignação, que muitas vezes é impetrada quando o réu discorda do valor concedido a ele no pagamento de alguma dívida. O depósito em juízo deve ser substituído pelo depósito na conta-corrente da parte. As demarcações de terras deixarão de ser procedimentos judiciais, o que ajudaria a esvaziar muitas varas. “Estamos pensando em passar isso para o procedimento administrativo”, diz Fux. “O perito e o agrimensor podem fazer a demarcação. O caso pode ser resolvido num cartório, entre pessoas capazes.”
A comissão também vai instituir artigo específico sobre a conciliação das partes. Esta palavra aparece 12 vezes no texto atual do CPC, mas é pouco estimulada no Judiciário. “Vamos concentrar a conciliação como primeiro ato do processo. O juiz, quando convocar a parte contrária, vai buscar uma conciliação”, diz Fux. Com mais de 30 anos de magistratura, Fux já fez várias conciliações, uma delas no seu gabinete no STJ, que uniu os representantes do MST, do Incra e fazendeiros do Pontal do Paranapanema. Ele explica que as conciliações não devem ficar restritas aos juizados especiais, mas podem também ser incentivadas nas grandes causas.
Outra novidade do CPC é a instituição de um “processo piloto”, ou “guardachuva”. O ministro dá como exemplo os milhares de causas contestando o pagamento de impostos como ISS e ICMS. “Quando surgir uma demanda sobre estas matérias de interesse nacional, haverá um processo-piloto”, diz. “Hoje se promovem milhares de ações, um ganha e outro perde, afronta-se o princípio da igualdade. Há jurisprudência diferente para o mesmo caso.”
É o que acontece com Marilza de Souza Lima, que faz parte de um grupo de professoras aposentadas que entrou com uma ação contra o Estado de São Paulo por gratificação por atividade do magistério em janeiro de 2006. Em outubro do mesmo ano a ação foi julgada procedente em primeira instância, mas ainda dependia do julgamento pela Câmara de Justiça de São Paulo. “Desde então, não tive nenhuma notícia. O curioso é que outras professoras que entraram com a mesma ação, na mesma data, já receberam a gratificação.” Por conta das discrepâncias da atual legislação, não há nada de anormal com o fato de as colegas de Marilza já terem recebido e ela não. Os grupos de processos são fechados com 30 autores e cada grupo vai, aleatoriamente, para uma vara cível – que julga a ação de forma independente. E cada uma delas decide da maneira que melhor entender.
O trabalho da comissão que revisa o código termina em abril, com uma proposta de anteprojeto de lei que será entregue ao Congresso Nacional. Os 12 juristas que compõem a comissão esperam que o novo CPC seja sancionado ainda este ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para haver consenso quanto às propostas, o projeto será debatido em audiência pública no Congresso. Fux diz que a perspectiva de redução do número de ações tramitando no Judiciário a partir do novo código é muito grande. “No mínimo, a redução da demanda com a adoção dos novos instrumentos será acima de 50%”, prevê. Hoje, só no STJ tramitam 250 mil ações. Na Suprema Corte dos Estados Unidos, diz o ministro, são 50 processos por ano. Ele espera que o cidadão tenha mais acesso à Justiça. “Afinal, aqui é a última porta que o aflito tem para bater.”
Colaborou Fabiana Guedes
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