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sábado, 5 de setembro de 2009

A ADVOCACIA E SEUS DESAFIOS. CARTA EXPLÍCITA A UM NEÓFITO

A missiva abaixo é uma resposta a um aluno que consulta sobre como montar um escritório de advocacia e seus desafios. A privacidade foi mantida em alguns pontos.
Espero que seja útil a todos.
Fraternalmente, João Damasceno.

Prezado H. saúde!

Obrigado pela confiança quanto ao assunto.
Montar um escritório de advocacia não é fácil, é muito desafiador, por causa dos vários níveis de atuação em paralelo: administração, empresariar, negociar, relacionar-se com clientes, órgãos, servidores, entidade de classe, fornecedores, e, sobretudo, advogar muito bem, pois, sem que o advogado demonstre êxito, não haverá boa propaganda, sucesso e reconhecimento.
Posso te dar algumas informações, pois já passei por algumas situações desanimadoras.
Ao mesmo tempo fico muito feliz pela decisão de vocês, pois poucos alunos atualmente pretendem advogar. A maioria imagina o concurso como o paraíso, mas lá também tem seus percalços. Outros o fazem apenas por causa do título, em ser uma autoridade... O ruim é que se apegam ao título, mas se esquecem da nobre função.
Mas, algumas coisas só vêm com o passar do tempo, com o amadurecimento é que as fichas caem. Tudo é reflexo das escolhas feitas.
Advogo há 15 anos e ainda não me defini por concursos, mas confesso que amo advogar, apesar de todos os percalços e preço que pago por minha decisão de compromisso com o que é justo, com a justiça.
Afinal, advogado é quem faz justiça, apesar de muitos acharem outra coisa, pois, até onde sei, juiz é provocado. Portanto, ele nunca saberá o que se passa com o contrato, a não ser que alguém (advogado) o denuncie e provoque as soluções que o sistema jurídico oferece.
E, nós, como digo em sala de aula, trabalhamos com o podre da sociedade, com o que há de mais ruim, mais repulsivo na sociedade; é com isso que nós trabalhamos.
Trabalhamos com coisas que não são confessadas aos maridos, às mulheres, à família, ao pastor, ao padre, e até de Deus se busca esconder, mas tudo que é afundado um dia vem à tona.
São as traições, infidelidades, mudanças de comportamento, abandono do lar e dos filhos, ausência de assistência, desrespeito aos contratos, deixar de pagar o que sabe dever, difamação gratuita de outras pessoas, uso excessivo de força e do poder econômico, desrespeito às leis e por aí vai.
Claro que tudo depende do contexto, mas em regra é com o que convivemos.
Faz parte de nossa cultura, pois ainda somos imberbes no respeito às regras de convivências e às leis. Elas somente são cumpridas a duras penas e depois de um processo reativo, nunca preventivo.

Bom, vamos aos conselhos:

1 - Antes de pensar em atuar e montar escritório, é preciso definir a que tipo de pessoa você se associará e o terá como sócio, pois é um casamento.

2 - Definindo a(s) pessoa(s), passo seguinte é definir o campo de atuação.
Inicialmente é comum fazer clínica geral, ou seja, qualquer causa que surja ou que pague alguma coisa.
Mas, mesmo assim, é importante definir qual o perfil do escritório, se: Dir. Trabalho, Dir. Previdenciário (benefícios), Dir. Consumidor, Dir. Civil, Resp. Civil, Dir. Família, Dir. Comercial/Empresarial, Dir. Autoral, Dir. Tributário, Dir. Societário, Dir. Administrativo, Dir. Penal, etc., etc.
Algumas áreas são mais afins com outras do que algumas que exigem dedicação quase que exclusiva, como penal, tributário e administrativo, e dentro dessas ainda há muita coisa para se especializar.

3 - Mesmo que no início se atenda muitas áreas em comum, como trabalho, previdenciário (benefícios), consumidor e cível, há que se definir um perfil para o escritório, para que haja identidade.

4 - Se com o passar do tempo, o escritório mostrar-se competente nas diversas áreas que abraçou, criar departamentos dentro do mesmo, incumbindo a cada especialista no ramo a responsabilidade por aquela atividade: quem sabe e gosta de trabalho: trabalho, quem sabe e gosta de penal: penal, etc.
Nesse caso, descentralizar e confiar é a chave.

5 - Definir se atuará com foco em pessoas (físicas) contra os grupos econômicos, ou, se atuará para empresas.
Alguns acham que podem transitar nas duas avenidas, mas requer raciocínio, perspicácia e estratégias distintas. Poucos conseguem...
É como diz a máxima do Sumo Sacerdote: "não se pode servir a dois senhores. Ou, agradará um e aborrecerá ao outro e vice-versa e não conseguirá servir a nenhum com perfeição e dedicação." (Não são exatamente essas palavras, mas o raciocínio).

6 - O início do escritório é difícil por causa do custo administrativo: aluguel, condomínio, tributação (Iss e anuidade), telefone, recorte de jornal, internet, secretária, computadores e acessórios, arquivo, fotocópias, material diversos, etc. O custo é elevado.

7 - A associação das pessoas deve focar a sociedade, mesmo que isto signifique sacrificar a cada um no início, o pouco dinheiro que entrar deve ser investido no escritório.

8 - Os sócios devem ter afinidade e respeito pessoal, especialmente no início quando não há dinheiro, pois, do contrário, se não há fraternidade e capacidade de renúncia, na primeira vez que entrar uma grana significativa, saberá com quem você se casou, e, nesse caso, o divórcio deve ser imediato.

9 - Deve-se decidir se a associação é apenas para custear (dividir) as despesas do escritório e cada um atende seu cliente e acerta com o mesmo de forma isolada, devendo contribuir com a sua cota para as despesas. Ou, se a sociedade será comum, independentemente de quem trouxer o cliente e de que causa seja, pois, é comum que um sócio leve um cliente, mas a causa é de uma área que o outro sócio domina, gosta, etc.
Nesse caso, pode-se até definir como será a participação do que está levando a causa, mas que não contratará e nem atuará.
Usei o verbo gostar quanto as causas e é necessário mesmo. Atuar em algo que não nutre simpatia e não gosta de estudar é um bloqueio enorme para a atuação e se revelará num grande prejuízo para o cliente, que ficará com uma assistência técnica sofrível. Se não gosta de determina área, não abrace só por causa do dinheiro.
Se não conhece a área tecnicamente e nem o seu dia-a-dia, o "serviço" fatalmente prejudicará o cliente.
9.1 - Se a sociedade for comum, o dinheiro que entrar é da sociedade, paga-se as contas e se houver sobra, aí sim, divide-se entre os sócios.
A advocacia é um investimento a longo ou a longuíssimo prazo, pois os resultados só começam a aparecer, significativamente, no mínimo, após 5 anos de atuação, que é justamente quando os processos estão se encerrando. E isto com muita sorte, pois a maioria das causas hoje padecem sob a lápide: "ganha, mas não leva", dado a impossibilidade de execução ou das espertezas dos réus e da lentidão do judiciário em questões de execução que são mais complexas, como fraudes, responsabilização dos sócios, etc., além da imperícia de muitos advogados nessa fase, sem adotar medidas acautelatórias. Mas muitas coisas estão mudando esse triste ranço cultural brasileiro em não efetivar as normas, em não cumprir os contratos, mesmo que seja a força com o "bacen-jud", "detran on-line", quebra do sigilo bancário, protesto do título (sentença) nos cartórios, bloqueio de bens, etc.
Confesso que preferi a segunda hipótese de sociedade, mesmo sendo mais difícil de obter renda inicial com ela, mas representa mais afetividade com o sócio e maior longevidade da sociedade. Onde tudo é comum, não há receio, há mais franqueza e as coisas são conduzidas no interesse da coletividade e não do individualismo.
A outra forma parece mais atraente no início, afinal, cada um que se vire para conseguir seus negócios, na área em que escolheu, e contanto que pague a cota das despesas do escritório.
Mas, ao invés de ter um sócio ao lado da sua mesa, ou ao lado de sua sala, talvez você terá um concorrente, e que concorrente! E, concorrente quando vê dinheiro, vende até a mãe!
Imagine então que a sociedade foi montada na primeira hipótese, onde cada um dá conta de si e só repartem as despesas:
- Provavelmente, seu sucesso provocará inveja no outro e vice-versa, ao invés de suscitar admiração e respeito. O contrário da divisão da associação, não importando quem trouxe a causa, pois, hoje foi fulano, mas amanhã poderá ser beltrano, e assim sucessivamente, sendo que todos contribuem no atendimento, nas pesquisas e nos trabalhos que o processo demandará. Todos se sentem sócios, responsabilizados, afeitos à causa e ao cliente.
- Quando você tiver que viajar, ou ficar doente, ou de férias, ou problemas da família, etc., e ocorrer um prazo no processo do seu cliente, ou o cliente precisar de algo e você estiver fora, enfim... Você acha que o seu "sócio" fará o prazo com boa-vontade? Com a mesma dedicação com a qual ele se dedica para os clientes dele? E se ele for especialista em Dir. Trabalho e você em Dir. Administrativo? A distância das matérias é quase a de um abismo. Você terá coragem de indicar seu cliente para que o seu "sócio" atenda, com receio de perdê-lo para seu "sócio"? Num ambiente de concorrência, de inveja, o seu "sócio" pode te queimar com algum comentário sarcástico, ao invés de estar inteirado dos assuntos jurídicos do cliente, dos problemas e da sua atuação, já que, até então, era tudo individualizado?
Entende??...
Com a atuação em comum, esses problemas não ocorreriam.
Eu vivi em sociedades assim, onde competição era o que valia, ou pelo menos ela era velada e foi se estabelecendo com o passar do tempo. Em poucos dias, aquilo que foi firmado com um jantar, almoços, brindes, apertos de mãos, sorrisos, etc., transforma-se numa rede de intrigas e vinganças.
Sinceramente, só pude montar o próprio escritório em 2003, em sociedade, e foi uma decisão difícil, mas hoje começo a colher os frutos. E a minha conversa com meu sócio, antes de firmar a sociedade, foi justamente essa.
Temos afinidade na maioria das coisas da vida e total no que interessa à sociedade. O que precisa ser conversado é decidido de forma franca e pensado no futuro do escritório e no compromisso com os clientes. A postura é uma só e o perfil do escritório é único, pois até a logomarca do escritório confunde a "suposta" supremacia de nomes que existem na formação das sociedades. Quem vê a logomarca de prima não sabe se é Damasceno & Marques Advocacia ou se é Marques & Damasceno Advocacia. Só com muita atenção perceberá as nuanças da logomarca.
A forma como passará a imagem para os outros, especialmente os clientes, de como é a postura do escritório, ou seja, da sociedade, é que fará com que a mesma se mantenha viva no decorrer do tempo.
Pois, para o cliente, ele vê o escritório como uma coisa una.

10 - A cobrança de honorários é algo que precisa ser transparente para o cliente, pois, ninguém gosta de ser lesado, enganado ou de ser surpreendido.
A fama de advogado já não é das melhores perante a sociedade, dado ao número baixo de "colegas" que insistem em prejudicar a classe com seus atos desabonadores, mas, enfim, o santo paga pelo pecador. Somente suas atitudes, firmes, e sem hesitar quanto a certas "oportunidades" que surgirem no decorrer da advocacia é que o firmará como profissional respeitado.
Estipule como regra não fazer nada de graça. Veja: regra, pois toda regra cabe exceção. O que não pode ocorrer é o inverso.
Se porventura decidir fazer algo de graça, pro bono, faça com a mesma dedicação do processo que te remunera, pois, sua propaganda é sua atuação e os louros só vêm com o tempo.
Cobre honorários pro-labore, mesmo que seja pouco, e compense depois com o total oriundo da causa, especialmente se houver sucumbência. O cliente precisa entender que seu trabalho é trabalho e que todo trabalho não só merece, mas deve ser remunerado.
O Estatuto da Ordem dispõe que verba honorária de sucumbência é exclusividade do advogado. Mas nada impede que mesma seja contratada para efeito de compensação, se for deferida, pois alguns juízes, especialmente da Justiça Federal, insistem em desprestigiar os advogados, fixando percentuais irrisórios ou alteram o valor da causa para daí conceder 10% sobre a sua arbitrariedade. (Espero que o projeto de lei que tramita na Câmara seja aprovado, o qual responsabilizará pessoalmente o juiz que não fixar os honorários de sucumbência conforme dispõe a lei).
É comum, no dia-a-dia da prestação dos serviços, aparecer aquele "cliente" esperto que, primeiro leva um susto quando se diz que haverá cobrança de honorários. A reação é: mas não é só no final? Ou, seus honorários não são os da sucumbência? (Engraçado como eles alegam desconhecer a lei, mas conhecem bem esse tema). E ainda aparecerá aquele: só pago no êxito! (Como se você precisasse dele e não o contrário).
Assim como se deparará com aquele cliente que realmente não pode pagar nada de honorários. Terá que decidir e a decisão que tomar te vinculará.
Em verdade, há causas onde é comum que somente se cobre honorários ao final, no êxito. É o caso das causas previdenciárias, trabalho e pequenas causas. Contudo, se o cliente puder pagar algo em forma de pro-labore, cobre e compense ao final do processo, se houver êxito.
Contudo, mesmo que não cobre inicialmente e fique acertado que será ao final, estipule o contrato com termos claros.
E contratar honorários é negócio como qualquer outro e deve ser proposto, discutido, negociado e pactuado. Inclusive quanto aos riscos e percentuais, que, podem sim, ser maior que 20%, desde que contratado. Sem contrato, o mínimo, para ser exigido é de 20% ou o que for fixado em sentença.
Quando digo que não se deve trabalhar de graça é porque trabalhar de graça significa muito estresse por causa de algo que não te remunera e não te deixa satisfeito, além de não pagar as contas do escritório, cujas despesas são úteis para dar impulso ao processo que assumiu o encargo de fazê-lo gratuitamente.
Ademais, por incrível que pareça, o patrocínio gratuito a alguém que sabia poder pagar pelo serviço acaba se transformando no pior tipo de relação, pois, o cliente sempre reclamará que não é bem atendido justamente porque é gratuito e ele acaba por te estressar, assim como rouba o tempo necessário para se dedicar à(s) causa(s) do outro cliente que te remunera. Eis o porquê do perigo.
Não caia na armadilha, na besteira de aceitar uma causa porque o cliente está te dando uma chance, para você adquirir experiência. Experiência em qualquer trabalho só se adquire com o trabalho em si.
Só depois de muito tempo eu aprendi isso.
Não pegue algo que não conheça, que não saiba juridicamente como atuar.
A verdadeira faculdade começará com a profissão.
Advocacia é rede de relacionamento, 'network' como os americanos chamam, tanto para clientes quanto para colegas.
Faça parcerias, pois, se surgir algo que você não pode dar conta, não tem experiência, ou, mesmo percebendo que é um bom negócio, mas que não tem interesse em atuar, passe para alguém que saiba fazer, e acerte sua participação, seja pela indicação, seja por trabalhar em conjunto, ou, seja fraterno mesmo e indique o colega.
Faça contrato de honorários de todas as causas que vier a patrocinar, pois, se advogado tem a fama de ladrão, há um número infinito de "clientes" que adoram dar "cano" em advogado depois da causa ganha.
E o pior é a moda no Judiciário em liberar valores diretamente à parte, ao invés do advogado. Mais uma vez, tudo em razão do santo pagar pelo pecador. E enquanto isso na sala de justiça da OAB? Nada faz para combater tais abusos.
E, como os processos demoram muito, ao final, junto com o êxito pode vir o constrangimento, para o cliente, em ter que pagar, e, como o que foi acertado numa conversa amistosa e com um bom café fatalmente não será lembrado pelo cliente, um tipo de amnésia que ocorre, o documento te respaldará.
Sempre dê atenção aos clientes, por mais chato que o processo tenha se transformado, pois, sem contato, os clientes sabem mudar de advogado e todos estão ávidos por novos clientes.

11 - Aprenda como é o mecanismo de advogar em cada ambiente: Justiça comum, Juizados, Justiça federal, Justiça do trabalho, área administrativa, delegacias, etc. Cada um tem seus procedimentos, seus padrões, suas regras internas e conseguem até mudar a lei. Cada justiça acaba tendo um CPC a parte. A Justiça Federal então, todo dia é uma novidade processual preservando os interesses da União para a qual foi criada, desobedecendo os comandos do CPC - Código de Rito nacional. Exemplo comum é o declínio da competência relativa de ofício e a determinação para que o autor comprove que a causa não se trata de litispendência, conexão, continência ou coisa julgada, quanto isso é ônus do réu. Ou seja, Constituição e CPC foram pro beleléu.
Aqui na Bahia, na Justiça comum, um dos maiores constrangimentos é ter que pedir despacho para distribuir causa por dependência. É um absurdo!
MUITO CUIDADO COM OS PRAZOS, pois advogado não tem vida, tem prazo.
Perder prazo, pode significar perder a causa e matar o direito do seu cliente, visto que ele depositou em você sua última chance e recurso de ver seu direito defendido ou recomposto.
Não se submeta ou não se inicie no ciclo vicioso de pagar propinas para atos do Estado juiz. É função de cada um dos servidores, incluindo o juiz, em fazer o que tem que ser feito e são muito bem remunerados para isso, melhor do que você inclusive, pois todo mês o vencimento deles é pago pelo Estado, receita oriunda de cujos tributos nós pagamos antecipadamente, ao passo que, você, advogado, mês pode ter e mês não.
Esse ambiente ainda perdura nas justiças estaduais, nas comuns. É a velha engrenagem de criar dificuldades para vender soluções. Muita coisa está mudando, mas até que os velhos e seus hábitos sejam aposentados, ainda se ouvirá muita cantada. E não estou aliviando o outro lado da moeda, há muito advogado que só conseguem fazer com que seus processos andem ou tenha prevalência sobre os outros dessa forma. Até liminar às 8 h da manhã, após oitiva de testemunhas, de um processo que foi distribuído às 17 h do dia anterior eu já vi!
Não sei como está agora, mas havia um tipo de processo e penso que ainda é assim, o processo fantasma, que é o processo de busca e apreensão de veículos.
Ninguém sabe de sua existência, até o dia em que o oficial de justiça encontra o veículo do devedor financeiro e o apreende, e, então, como num passe de mágica, todo o trâmite do processo que estava oculto no sistema, aparece com datas tão antigas quanto os atos praticados. E ainda dizem que a justiça é transparente...
Diante da severíssima e inconstitucional norma que é o Decreto-Lei n. 911/69, editado na época da ditadura e do interesse econômico estrangeiro aliado a tal política, seria bem melhor que se autorizasse a busca e apreensão de forma extrajudicial, como já existe para os financiamentos de imóveis, ao invés do próprio Estado praticar um ato de lesa pátria contra as garantias constitucionais.

12 - Defina as rotinas do escritório, tudo deve ser voltado para os prazos: recursos, defesas, prescrições...
Responsabilidade e seriedade em tudo quanto fizer, além da boa vontade.
Aliás, muita coisa nesse País, especialmente no Judiciário, resolver-se-ia se houvesse boa vontade, porque lei tem até demais.
Salomão dá um conselho precioso: "tudo quanto vier à tua mão, faça logo".

13 - Explique e reparta com o cliente o ônus da prova e busque a verdade, pois essa responsabilidade é sua quando o cliente lhe apresenta o problema.
Em regra, os clientes "sabidos", e todos os são, apresentar-se-ão como sendo inocentes, santos, puros, imaculados, vítimas, prejudicados, sedentos por vingança.
Na medida em que ele expuser o caso, a lesão do direito, verifique como se deu realmente, como tais outras hipóteses não ocorreram, se ocorreram, por quê, por quê, por quê e muitos por quês, quem viu, quem ouviu, quem esteve presente, qual documento, e, essencialmente, como provar.
Nem se apresente como super-homem para o seu cliente, do tipo "xá comigo" e nem deixe isso subentendido ao mesmo. Ele é tão responsável pelo processo, pelo êxito, pela prova; quanto você.
"Ah doutor, a prova é com o senhor." NEGATIVO!
O ônus da prova é do cliente. A técnica da prova e como provar o alegado é com você. Seu trabalho é técnico.
Na medida em que aprender as técnicas da prova, aprenderá como refutar aquelas que se pretendem produzir nos autos sem o mesmo rigor ético e técnico.
Essa cultura do cliente sabido, que esconde a verdade do advogado, também desaba diante da outra cultura que é o medo insuperável do juiz. Instado a responder, sob a ameaça de ser preso (ainda que não seja possível, especialmente para as testemunhas), todo mundo treme e confessa tudo bonitinho, colocando-o em situação constrangedora perante o juiz e todos os demais, e ainda ficará marcado como o advogado esperto, o danadinho. Cliente passa, mas você fica.
Considerando que a prestação do serviço de advocacia é também tutelada pela lei de consumo, cujas deficiências técnicas podem resultar prejuízos para os clientes e direito de ressarcimento, e considerando a moda em condenar parte e advogado solidariamente por litigância de má-fé (que também não é possível, mas existe o risco), o ideal é que a entrevista com o cliente seja documentada e assinada.

14 - Não sonhe com causas milionárias, pois se tratam de negócios e não apenas de direito. Ademais, elas só surgem com o passar do tempo, quando você for conhecido por sua experiência, por seu trânsito, por sua capacidade, pelos processos vencidos, pelo respeito e admiração dos colegas.
Isso não quer dizer que não deve se preparar para a mesma, pois pode aparecer a qualquer momento.

Algumas outras coisas serão acrescentadas e aprendidas com o passar do tempo, especialmente com os erros, com as más escolhas, com as decepções.

Ah! Antes de tudo, o primeiro objetivo é passar na OAB e estabelecer a sociedade com aqueles que passarem também.
Ter um rábula que não passou na OAB dentro do escritório é complicado e vexatório nos contatos com os clientes.
Espero ter auxiliado.
Quaisquer outras dúvidas, escreva-me

Quando o seu escritório for famoso, cobrarei essa consultoria, que será a execução da mesma, acaso aproveitada ou adotada.

Sucesso!

Grande Abraço, João Damasceno.

TRISTE REALIDADE


Eu nasci em 1969 e lembro que o início dos meus estudos, enquanto criança, era dureza.
Não digo que se deva dar o mesmo tratamento como antes, quando criança era mero objeto.
Mas as coisas hoje estão fora de controle.
Se não houver compromisso para mudanças nos valores e na educação domésticas, não se sabe qual será o futuro da sociedade com crianças que não recebem limites em suas ações, que não sabem ouvir e conviver com um "não", e que não respeitam os demais, muito menos qualquer nível de autoridade.
Não se apresentam às crianças tais diferenças, pois iniciam por desrespeitar aos pais nos seus lares.
Sem limites, a adolescência ingressa cada vez mais cedo no mundo das drogas e outros comportamentos delinqüentes.
Aos poucos pais que não se incluem nessa realidade, terão outra tarefa árdua, ensinar aos filhos em como lidar com a maioria de adolescentes, jovens e adultos que terão comportamento completamente distinto, como o quadro acima, e, por causa da convivência com os outros, é possível que o trabalho desses pais seja infrutífero e concorram para formar adultos decepcionados e desistimulados com o mundo real.
Na nossa atual cultura e que será o fundamento para a sociedade vindoura, ninguém aceita um não.
Só o amanhã poderá nos dizer como é que as coisas estarão...
JD.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

NOSSOS VALORES. TRÂNSITO

Resposta a um colega sobre o art. 58 do CTB que determina a preferência aos ciclistas no trânsito.
JD

Prezado Dr. Valci, saúde!

O trânsito brasileiro é a representação nua e crua dos valores e da cultura social brasileira.

O comportamento dos brasileiros no trânsito é nosso extrato de como lidamos com o bem da vida, com os valores, com as nossas relações sociais.

Também me incluo sobre o que a seguir se alinha, mas devemos ressalvar as exceções, com todo respeito.

O trânsito é onde eu posso agir com minha parcela de poder: o veículo, e sem dar muita satisfação aos outros.

É nele que eu posso competir com um pouco mais de igualdade, nem sempre com igualdade, mas posso competir.

Presente ainda o ânimo em desobedecer a normas ou explicitar o suposto direito de não ser um anônimo.

Não há nada mais insuportável para o brasileiro do que o anonimato, o ser um comum.

Ninguém suporta ser tratado como um comum, pois, se abordado, fará a pergunta elementar de qualquer um que detém seja lá qual for a parcela do poder, mínima que seja, ou que apenas o represente: "você sabe com quem está falando?"

O trânsito representa uma ausência de valor em nossa sociedade que nos custa muito caro como País, pois sequer somos uma nação.

O valor ausente é o senso de coletividade.

Todos dirigem como se estivessem guiando apenas e tão somente sozinhos e para si, como se não tivessem responsabilidade para com o próximo, ou como se não tivessem que agir no coletivo de veículos que é o trânsito.

Parece um paradoxo, mas não é e explico.

Se alguém pretender entender a sociedade brasileira, sob a perspectiva sociológica e afins, basta analisar o trânsito.

No trânsito, ambiente de exercício da nossa cultura, com a ausência de um valor elevado que é o senso de coletividade, eu posso:

Não respeitar os pedestres, os outros veículos, as regras, as normas, a urbanidade, e a necessária abstração de norma de convivência social que é respeitar o próximo, pensar no próximo, agir em prol do próximo.

Assim, pergunta-se:

Respeita-se faixa de pedestres? Não

Respeita-se local correto de estacionamento? Não

Respeita-se vagas destinadas? Não

Sinalizo com antecedência o que pretendo fazer, para que o outro motorista entenda e se acautele, como dar seta para virar a esquerda ou a direita? Não (No máximo, sinalizo no próprio ato de fazer a curva, como se estivesse avisando a mim mesmo que estou virando).

Preocupo-me em ter os faróis, lanternas, lâmpadas e outros elementos sob manutenção, pela preocupação em fazer com que o meu veículo seja visto pelos outros? Não

Respeito vaga pré-fixada em condomínio? Não

Respeito o veículo que já está em uma rotatória, pois a preferência é dele, visto que, em uma urgência, ele não teria muita área de escape e nem forma adequada de virar a direção para um lado ou outro? Não

Bom, as questões seriam muitas por causa dos maus exemplos diários.

É muito engraçado como todo mundo sabe disso, e parece que só serve para passar no exame "água" do Detran, pois, nas ruas, a situação é totalmente inversa.

É assim que convivemos. E cada dia vivo, depois do trajeto no trânsito, é uma vitória e uma dádiva.

O trânsito acaba funcionando, ainda que em caos, porque sou forçado a respeitar o outro veículo, o maior, o ônibus, a carreta, etc. Ceder, ser educado, ser urbano, jamais...

É da nossa cultura exigir ética do outro, mas nos auto apiedamos com nossas falhas.

É da nossa cultura sermos extremamente formalistas e exigentes na elaboração e prescrição das normas, mas não obedecê-las em sua totalidade.

Na nossa cultura, é constrangedor o lesado, o que teve o direito violado, pleitear ou lutar por seus direitos. Tais pessoas não são bem vindas, bem aceitas, não são recomendadas, é um problemático, persona non grata...

O que mais me impressiona na sociedade brasileira é ainda a herança da cultura trazida pelos portugueses em valorizar o que é ou que vem do exterior.

Todas as pessoas que viajam para os chamados países desenvolvidos voltam embasbacadas com o respeito das pessoas de lá quanto as regras públicas e de coletividade.

Ora, o engraçado é que essas mesmas pessoas que viajam, e criticam o Brasil, elogiam o exterior, são as mesmas que no dia-a-dia cometem os mesmos crimes de desobediência civil que tanto critica. Isso sim é um paradoxo.

Estou ultimando um artigo para postar no blog quanto a minha falta de fé em que um dia seremos uma nação.

É bem provável que nos sairemos bem na economia, mas teia social, respeito ao próximo, coletividade, prestação de serviço público digno...? Jamais. Certamente é coisa para, além de um milagre, mais 500 anos ou mais.

Enquanto nossa educação de valor social for pautada pelo individualismo e pelo sucesso imediato, teremos uma sociedade distorcida em todos os ambientes que você imaginar, e trânsito é apenas uma delas.

Ser benevolente com uma pequena mazela entorpece o senso quando se necessita analisar outra de grau mais elevado ou perigoso

Penso que discutimos muito isso quanto ao sucesso do vídeo da professora libertina.

Voltando ao trânsito, seria muito bom se os ciclistas, ou, todos aqueles que circulam de bicicleta pelas ruas, também respeitassem o CTB, não andassem na contramão, pregando-nos sustos ao volante, ou disputando lugar com o carro, como se carne pudesse ser mais forte que o aço e a velocidade.

É de se lembrar que a maioria dos ciclistas também trafega no trânsito pautado pelo mesmo senso social exposto anteriormente: individualismo.

Além da ausência de educação e valor social, nossa sociedade no quesito de administração pública padece de outro mal gravíssimo, qual seja: ausência, desejo, seriedade e competência para fiscalizar. Não gostamos de fiscalizar, nem de sermos fiscalizados.

Os países elogiados não são desenvolvidos somente porque o povo respeita isso ou aquilo, mas porque são seriamente fiscalizados, e, se necessário, seriamente punidos.

Você encontra esse senso aqui no Brasil? Eu desconheço, pois sempre se dá um jeitinho de abrandar o castigo. Vide os crimes oriundos de acidente de trânsito que vitimam pessoas.

Ainda se discute se a lei seca é constitucional ou não. Na verdade, na prática, poucos são os que possuem senso de respeito para com a mesma.

Respeitar o art. 58 do CTB? Isso é o de menos...


Fraternalmente, João Damasceno.