STJ julga recurso e define prazo prescricional para cobrança de IPVA.
O STJ julgou o Recurso Especial n.
1.320.825/RJ,
interposto pela Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista o
julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado e que havia reconhecido
a prescrição para execução do crédito decorrente da incidência do imposto sobre
propriedade de veículos automotores – ipva.
O trâmite do julgamento deste
recurso pelo STJ se deu sob as atuais regras quanto aos efeitos da repercussão
geral, no caso, de efeito repetitivo, ocasionando a suspensão de todos os processos
que tramitam nos demais tribunais estaduais do país, firmando tese sobre a
matéria e caracterizando-a como precedente.
O tema, por incrível que pareça, não
deveria sequer ter chegado ao Superior Tribunal, pois tanto o ctn quanto as leis estaduais aplicáveis
à matéria são suficientes para espancar a esdrúxula tese suscitada pela
Procuradoria do Rio de Janeiro, e que puxou como uma locomotiva todos os vagões
dos demais estados interessados em arrecadar dinheiro.
E por uma razão muito simples e
cara ao Direito Tributário: É possível cobrar tributo sem que haja lançamento?
É evidente que não! Direito não é
magia, muito menos o Dir. Tributário.
Se o Estado cobrava o proprietário
de veículo, é evidente que a cobrança somente foi possível porque houve o lançamento
tributário, caracerizando o evento econômico, a base legal, identificando o
contribuine, a incidência do tributo previsto em lei e a consequente cobrança.
E, caso o tributo não seja adimplido, o próximo evento é prescrição da
cobrança, e não prazo decadencial para um novo lançamento.
Era, de fato, uma tese sem o menor
respaldo jurídico e legal.
De igual modo, a tese da
Procuradoria da Bahia invalida por completo a própria lei estadual que regula a
incidência e cobrança do IPVA – Lei n. 6.348/91.
Com efeito, o julgamento efetivado
pelo E. STJ coloca uma pedra sobre o tema, que sequer merecia ser agitado como
uma das bandeiras de salvação das finanças do Estado, tendo em vista o grave
prejuízo perpetrado a tantas pessoas com seus nomes negativados em decorrência
dos protestos dos títulos, prescritos, em cartórios.
Pois, na Bahia chegou-se ao
absurdo de ressuscitar dívidas prescritas há mais de 5 anos, notificar supostos
devedores, encaminhar as supostas dívidas aos cartórios para protestos, e assim
sacramentar o constrangimento ilegal das pessoas, incluindo seus nomes nos
cadastros de restrição ao crédito – spc
e Serasa. Claro, tudo isso ainda com o singelo acréscimo de honorários advocatícios
dos procuradores, mais que interessados...
A prescrição, que é o lapso de
tempo para que o interessado, credor ou lesado em seu direito (substância, mérito)
tenha o direito processual de ingressar com a respectiva ação para reaver seu
bem, ser indenizado ou voltar ao seu status
quo, é uma das formas pelas quais o Estado tenta pacificar as relações no
seio social, impondo um império de esquecimento, abandono, perdão, a impossibilidade
de eternizar as lides.
O ordenamento jurídico nacional
condiciona as ações judiciais a serem postuladas em um determinado tempo, que
pode variar de meses a anos. No caso da prescrição para crédito tributário, o
tempo para exercitar a ação (prescrição) é de 5 anos.
Contudo, em matéria tributária,
tem-se ainda um antecedente a este termo prescricional, que o tempo para se
efetuar o lançamento do tributo, que também é de 5 anos. Ou seja, a depender de
como o fato econômico é tipificado na legislação tributária, o Estado tem 5
anos para lançar o tributo ou ratificar o seu lançamento, e mais 5 anos para
cobrar o tributo lançado, caso não tenha sido pago, totalizando 10 anos para receber
o crédito.
Mas o caso da prescrição aplicável
à execução do crédito do ipva
devido foi superdimensionado pela Procuradoria do Rio do Janeiro e
imediatamente copiada pelos demais estados brasileiros, cujo objetivo explícito
era a arrecadação de dinheiro, tendo em vista a notória falência das contas públicas
daquele estado e de outros em situação semelhantemente deplorável.
Se os estados estão tão aflitos
por arrecadar dinheiro e enxergam o ipva
como uma mina de ouro, deveriam envidar esforços para mudar o entendimento do STF
que proíbe a incidência do imposto sobre embarcações, lanchas, iates, aviões,
helicópteros, etc., pois, a simples a conceituação do imposto previsto na
Constituição nos leva a compreender que deveria incidir sobre qualquer forma de
veículo que se autopropulse, não sendo exclusividade de veículos terrestres. É
simples observar que os mais ricos não pagam este imposto ao possuir outros
meios de transporte, mas isso também é matéria para outro artigo.
Tal situação evidencia como as
contas públicas são tratadas neste país: com total descaso. E quando não se
sabe de onde tirar dinheiro, parte-se para invencionices legais, teses (in)jurídicas
e inaceitáveis, contando com a complacência dos tribunais em decidir
favoravelmente. Este é o grande malefício nacional, leis e decisões que são
pautadas pelo casuísmo, pelo momento, por interesses. O planejamento futuro que
se dane, ficará ao cabo e à sorte de quem vier a vivê-lo.
A tese suscitada no Rio de Janeiro
e copiada é que, apesar do contribuinte ser ampla e massivamente notificado
para pagar o ipva em um calendário
de vencimento combinado pelo número final das placas, e até com descontos nos casos
de antecipação, e, em não ocorrendo o pagamento, o Estado teria o prazo de 5
anos para lançar novamente o tributo devido, agora de forma definitiva e
individualizada, notificar mais uma vez o devedor para pagar, e, em caso de
nova inadimplência, o Estado teria mais 5 anos para cobrar, executar. Desta
forma, o Estado teria um tempo superior a 10 anos para receber o seu crédito,
com formas diversas de cobrança e constrangimentos.
O incrível não é somente a tese aventada pela Procuradoria
do Estado do Rio de Janeiro e copiada pelas demais, como num festim, pior ainda
é o Judiciário embarcar em tal argumentação, como uma criança que não tem juízo
ou discernimento, comum em alguns casos decididos aqui no Tribunal de Justiça
da Bahia, afastando a incidência da prescrição.
Ainda bem que o Tribunal está adstrito
a obedecer as regras do julgamento de recurso sob o efeito repetitivo, e agora
com a decisão do STJ terá que rever os absurdos que decidiu sobre a matéria. Quer
dizer, assim se espera...
Pois bem, a observância legal quanto a incidência
da prescrição se deve ao que está previsto no art. 174 do ctn, considerando que a mesma passa a fluir
a partir da notificação de cada contribuinte para pagamento do imposto (ipva), conforme calendário criado pelo
próprio Estado, de acordo com o número final de cada placa de veículo.
E, logicamente, foi o modo como decidiu o STJ. Isto
é, que a incidência da prescrição para caracterizar a fruição do seu prazo se dá
após o vencimento do ipva,
conforme calendário estipulado pelo Estado credor.
E por qual razão o Estado do Rio de Janeiro e o da
Bahia suscitaram a tese de que não houve lançamento regular, apesar da cobrança
anual?
Primeiro porque se deve ao fato de inventarem uma forma
de tentar arrecadar dinheiro, dando-lhe uma roupagem e maquiagem de legalidade,
com o constrangimento do protesto em cartório e restrição dos nomes no spc e Serasa, colocando os supostos devedores
em estado de constante tensão.
Segundo porque em todos estes casos, já
caracterizada a prescrição, é de fácil constatação que os Estados nunca
propuseram as ações judiciais de execução, confirmando a incúria com que tratam
as receitas públicas. Diante de tamanho descalabro, tentaram dar um jeitinho muito
comum na terra do carnaval e do futebol, fazendo uma gambiarra legal, gerando prejuízos
para diversas pessoas, e alguns incautos que acabaram por pagar os valores, a
fim de baixar o protesto em cartório e excluir o nome do spc e Serasa ou de não correr este grave
risco.
A tentativa de dar um jeitinho ao consolidar os
débitos de todos os anos prescritos, re-notificando o devedor e protestando em
Cartório, conduzindo a uma nova data de vencimento, futura, tem-se que tudo se
tratou de uma grande farsa e cometimento de ilegalidade e arbitrariedade, sendo
uma forma de extorsão estatal, caracterizando-se como atos frontais contra a
lei tributária e a Constituição da República. A farra foi, finalmente, estancada
pela veneranda decisão do STJ.
O art. 10 da Lei estadual n.
6.348/91 (Bahia) parece dispor de forma genérica e omissa sobre o lançamento do
tributo, ao designar a dependência e condicionamento de ato formal posterior ao
fato gerador, mas que, em verdade, refere-se e se limita ao período de
ocorrência do próprio fato gerador (a partir de 1º de janeiro do ano de exercício
e no decurso do respectivo ano), tratando-se do evento econômico que é o suporte
da incidência do imposto, o fato de alguém ser proprietário de veículo
automotor, em que o Estado tem a faculdade e o privilégio de estabelecer um calendário
fixo para pagamento.
Ora, referido art. 10 não pode ser
admitido como um cheque em branco para se lançar tributos após decorridos 5
anos prescritivos do fato gerador estipulado no § 1º do art. 1º da própria Lei estadual.
Isto é ausência de lealdade e do dever legal por interesses extorsivos. Isto é
má-fé, deslealdade, torpeza e inconstitucionalidade.
E não podemos olvidar que estamos tratando de um
tributo cujo lançamento é de ofício, ou seja, é o próprio Estado quem o faz,
sem participação alguma do contribuinte, que é apenas notificado para pagar.
Se a pretensão destes Estados fosse ratificada pelo
STJ, estaríamos diante de uma inovação, inversão e aberração jurídica, em que seria
permitida a cobrança de tributo sem que houvesse lançamento.
Em questão tributária, a lição simples é que, se não
há lançamento, não há constituição do crédito e do débito, nem identificação de
quem deve pagar o imposto – contribuinte, muito menos ainda se pode executá-lo.
A argumentação falaciosa da Procuradoria fez confusão
entre fato gerador e lançamento. Ora, tanto houve o lançamento tributário que
houve a cobrança do ipva no
calendário de pagamento estipulado pelo próprio Estado.
E tanto é verdade, que os Estados lançaram mão de
outra forma de constrangimento, pois, se as pessoas, proprietárias, não pagam o
tributo no calendário previsto, conforme o número final de placa, ficam
sujeitas ao impedimento de transitar com o veículo, podendo ter o veículo
recolhido em blitzes policiais, justamente pelo falta de pagamento do ipva.
Ora, e como é possível cobrar mediante o calendário
estipulado pelo Estado, com meses de vencimento conforme número final das
placas dos veículos, e ficar impedido de transitar; se não houve o lançamento
tributário?
Poderíamos acreditar que a sefaz recebe dinheiro de contribuinte sem identificá-lo e
sem saber do que se trata, e qual tributo está sendo quitado? Se assim for, trata-se
de enriquecimento sem causa legal. Trata-se também de espoliação e extorsão, e
não de cobrança de tributo!
Se o Estado não faz o lançamento tributário, não
pode a sefaz cobrar e receber os
valores, muito menos o detran e a pm fiscalizar e apreender veículos
justamente pela falta de pagamento do ipva.
Embora este tema também já esteja sendo superado com as decisões judiciais que
proíbem tais comportamentos dos estados em constranger condutores ao pagamento
do tributo pela via da apreensão dos veículos.
Entretanto, nos casos dos tributos de lançamentos
anuais, casos do iptu, itr e ipva, tanto ocorre o fato gerador no ano
quanto ocorre o lançamento de ofício pelo ente credor, in casu, o Estado da Bahia, ao emitir o documento de cobrança, e,
no caso do ipva, ao divulgar a
tabela com as datas de previsão do pagamento do imposto, conforme previsto no §
1º do art. 1º da Lei n. 6.348/91.
Tanto é verdade que há o lançamento tributário, que
se faz a respectiva cobrança do tributo no calendário que o Estado elabora
considerando os números finais de placas dos veículos.
Diante da inadimplência, o credor, que é o Estado,
deve executar o valor do seu crédito tributário.
A constatação que salta aos olhos é que os
pretensos créditos tributários do Estado a título de ipva estão prescritos, conforme dispõe o ctn, não sendo permitido o direito de relançá-los
e de protestá-los, como uma forma de ressuscitar os créditos e constranger o
devedor ao pagamento.
Tendo o Estado protestado títulos prescritos, agiu
ilegalmente, ao arrepio da lei, apenas pela sanha voraz de arrecadação. Pior
ainda é o E. Tribunal de Justiça referendar as atitudes ilegais do Estado por
sua sefaz e Procuradoria. Extorsão
por dupla agência!
Enfim, finalmente o tema foi pacificado, respeitando-se
a lei e de forma favorável aos contribuintes que se encontram em tais circunstâncias.