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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Questão de método - Roberto Damatta

Roberto Damatta - O Estado de S.Paulo

Fique o leitor despreocupado porque essa crônica não é sobre o ensaio de Jean-Paul Sartre de idêntico título e que jaz mudo em minha mesa, embora pronto a derramar-se em cachoeira de argumentos, caso seja revisitado.
Para um inveterado leitor como eu - um homem que vive dos livros e para os livros, e uma alma salva por eles -, teria que entrar na disputa surda entre Sartre e os "dialéticos" mais ou menos marxistas, mais ou menos ignorantes ou impermeáveis às inovações da Linguística de Roman Jakobson, da Antropologia Simbólica, e, sobretudo, do "estruturalismo" de Lévi-Strauss, as quais descobriram uma surpreendente descentralização ou fragmentação do sujeito do pensamento que, a partir do Iluminismo, se centrava no indivíduo cartesiano e numa história linear, a qual culminaria com um mundo unificado seja pela compreensão, seja - como diz o último Sartre - pela violência e pela redenção revolucionária.
De qualquer modo, e eu já estou sendo muito pomposo e professoral para o jornal que apenas cita Platão, Hegel, Brecht, Freud, Hobbes, Hayek, Keynes e, obviamente, o múltiplo ou duplo Wittgenstein que, como garante a nossa santa ignorância nacional, é tão palpável quanto uma feijoada ou uma entrevista de celebridade; estou dizendo tudo isso para simplesmente contar um caso.
Uma trivialidade nacional que passa ao largo e, a olho nu, não tem a menor importância - um brasileirismo tipo comprar por duas vezes a mesma refinaria, pressionar tribunais superiores e pensar menos sobre programas e mais sobre a honra de como governar.
Aqui, a palavra método fala de um modo de resolver um problema. Da calibragem entre meios e fins. Usar um martelo para pregar um prego, ser comprometido com a coragem de dizer que não sabe. Esse é o meu método. Para outros, porém, o método tem a ver com o amplo espaço de uma vergonha que eles não sentem ou conheçam - essas coisas que são o cimento da "política".
*
Um menino de 9 anos testemunha o conserto de um relógio por um tio querido. Corria o ano de 1945 e o Toninho, ainda inocente de morte e sexo, acompanha fascinado o tio que prepara a mesa sagrada da sala de jantar para fazer algo de alta precisão: fixar o ponteiro dos segundos do relógio presenteado pelo irmão Roberval que, "bem de vida", como se dizia antigamente (hoje, estamos todos superbem de vida e de morte!), havia comprado um moderno relógio de pulso. O tio cobre a mesa com uma toalha branca e, como um neurocirurgião, prepara seus ultraprecisos instrumentos de trabalho: uma chave de fenda, uma faca de cozinha, um alicate e um martelo. Com a faca ele remove a tampa do relógio e com a pinça de fazer sobrancelhas de vovó, ele repõe o ponteiro dos segundos no seu lugar. Em seguida, Toninho assiste fascinado ao encaixe do vidro na estrutura e sorri com o sorriso vitorioso do tio relojoeiro. Mas, ao colocar a máquina que mede o invisível tempo de pé, o ponteiro consertado cai, obrigando à repetição de toda a operação. O tio repete tudo e novamente o ponteiro não fica no lugar. "Esse ponteiro desgraçado teima em não ficar no seu lugar!" Diz o tio ao Toninho, como se o ponteiro revelador dos segundos que só contam nos grandes momentos da vida, tivesse vontade. E repete a mesma operação, usando o mesmo método: faca e pinça. Mas o desgraçado do ponteiro cai novamente.
Toninho nota o suor na testa do tio cujas mãos tremem e explodem. Pois o calmo relojeiro, inteiramente transformado em monstro, toma o martelo e esmaga, desfazendo em pedaços, o que havia sido um marcador de tempo preciso e dourado.
"Questão de método!": ouviu do tio antes de saber que numa Paris desconhecida, existia um Jean-Paul Sartre que, um dia, iria perturbá-lo tanto quanto aquele teimoso ponteiro marcador de segundos.
*
Em 1979, Toninho, que é agora um professor de Ciência Política, e, em Portugal, estuda a originalidade do pensamento político português, acorda em dúvida. Não sabe se vai tomar café no bar da pensão ou se existe mesmo um pensamento político português original. Saber o que o café da manhã tem a ver com ideias políticas é semelhante ao elo entre o martelo e o ponteiro do relógio que não fica no lugar, mas foi assim que Toninho - ou Prof. Dr. Antonio como fazia questão de ser chamado - pediu o café.
- Bom dia! Disse ao dono do restaurante que estava agachado, tinha uma chave de fenda na mão esquerda e um martelo na direita e, mexia na geladeira do bar.
- Bom diz nada... Estou com essa máquina sem funcionar e o tubo do gás não quer voltar para o lugar, rosnou o dono, servindo o esperado café ao pesquisador, que, imediatamente, virou um Toninho.
Quando acabou de tomar o primeiro gole, eis que o homem quebrava a porradas o tal cano que insistia em não voltar ao lugar. "Se não vai por bem, vai por mal!", gritava, martelando furioso a máquina que, indiferente, mas humanizada, estava sendo punida pela teimosia.
Era uma questão de método.
O método luso-brasileiro que confunde bom senso com teimosia; que prefere o martelo ao especialista para colocar no lugar o delicado e teimoso ponteiro dos segundos, que se transformam em minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, séculos...

Com presidentes reféns, Brasil é 'ingerenciável', diz Abílio Diniz

Com presidentes reféns, Brasil é 'ingerenciável', diz Abílio Diniz



Um dos empresários que mais se aproximou dos governos do PT nos últimos anos, Abilio Diniz é duro quando o assunto é eficiência no setor público. Ele afirma que o Brasil é "ingerenciável", porque o funcionamento dos governos está subordinado às conveniências políticas.
"Eu sou um bom gestor e não consigo administrar mais de 12 pessoas abaixo de mim. Temos 39 ministérios porque os presidentes ficam reféns dos compromissos de campanha e dos acordos feitos no Congresso para governar", disse o empresário à Folha.
Eduardo Knapp/Folhapress
O empresário Abilio Diniz em seu escritório na av. Faria Lima, em SP
O empresário Abilio Diniz em seu escritório na av. Faria Lima, em SP
Para Abilio, o presidente que venha a ser eleito não terá como adiar duas reformas: a política, para reduzir o número de partidos e mudar o sistema de financiamento de campanhas, e a tributária.
O empresário diz que o brasileiro paga imposto demais, que a Receita "trata os contribuintes como delinquentes" e que foi "esse sistema tributário complexo e absurdo que sucateou a indústria".
Líder da família que construiu o grupo Pão Açúcar, e hoje no comando da BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão), Abilio afirma que o mau humor do empresariado com a presidente Dilma Rousseff é consequência da falta de transparência e da má comunicação de seu governo.
*
Folha - Quais deveriam ser as prioridades do próximo governo?
Abilio Diniz - Fiz parte da câmara de gestão do governo Dilma. Foi frustrante. Não sinto que tenha feito grande coisa, mas me deu mais conhecimento sobre o governo.
A primeira sensação é: o país não é ingovernável, mas é "ingerenciável". Não dá para ter 39 ministérios. Eu sou um bom gestor e não consigo administrar mais de 12 pessoas abaixo de mim.
Por que temos 39 ministérios? Temos 39 ministérios, porque os presidentes ficam reféns dos compromissos de campanha e dos acordos no Congresso para governar.
O Brasil precisa de uma reforma política, que repense o financiamento de campanha, ponha ordem na quantidade de partidos. O Brasil tem 30 partidos. Não tem sentido.
Gestão é colocar as pessoas certas nos lugares certos. No governo, as pessoas são colocadas nos cargos públicos em virtude dos compromissos de campanha.
O Supremo Tribunal Federal está a um passo de acabar o financiamento de campanha por empresas. Isso é bom ou ruim para o país?
Isoladamente, não seria uma boa medida. O foco é impedir as empresas de fazer doações. Mas existem maneiras de burlar isso. Se as pessoas físicas formarem uma ONG, as empresas contribuem para a ONG, que financia as campanhas. Só torna o processo mais longo.
O ideal seria uma nova Constituição, porque precisamos de muitas reformas.
Já cheguei a pensar muito sobre a possibilidade de chamar uma Constituinte. Não abandonei a ideia, mas não vou levantar essa bandeira. É difícil de concretizar.
Quais outras reformas são necessárias?
O próximo presidente não tem como escapar de uma reforma tributária. A carga de impostos é muito alta e estimula a sonegação. É o famoso crime que compensa, porque o lucro de sonegar é alto. A perda de participação da indústria no PIB é de longa data e não é culpa só dos juros e do câmbio. O que sucateou a indústria é esse sistema tributário complexo e absurdo.
Por que nenhum governo consegue reduzir os impostos?
Uma reforma tributária vai ferir muitos interesses. Os Estados são dependentes do ICMS. O que precisa é o presidente encarar essa batalha, seja desgastante ou não.
A Receita trata os contribuintes como delinquentes. É vexatório. Por outro lado, dada a complexidade do sistema, não há empresa que não busque formas de pagar menos imposto dentro da lei.
Dos candidatos mais bem colocados, quem tem perfil para tocar essa agenda?
Todos. E nós, da sociedade civil, temos que dar força. Os que são capazes de manifestar suas opiniões nos jornais têm que dar apoio aos governantes para fazer as reformas.
Do jeito que estou falando, até parece que o país é um desastre. Não é. Esse ainda é um país cobiçado pelos investidores. Todos ficam de olho no nosso imenso mercado interno. Desde 2003, o Brasil iniciou algo por que eu sempre clamei, que é a maior distribuição de renda. Temos quase pleno emprego e os programas assistenciais impedem que as pessoas morram na miséria.
O país deve crescer menos de 1% neste ano, completando quatro anos ruins. O que o próximo presidente precisa fazer para que os empresários voltem a investir?
Os empresários precisam de regras claras e constantes. Se acreditarem que o governo respeita aquilo que o setor privado representa, voltarão a investir. Esse governo sempre se comunicou mal. E boa parte do mau humor entre governo, empresários e sociedade é por causa da falta de comunicação.
Como você consegue a confiança de uma pessoa? Dialogando. Nós não temos interlocução (no governo). E o governo, quando se comunica, muitas vezes não esclarece as coisas. Ao fazer um anúncio é importante não deixar margem para dúvida.
Dilma hoje é a favorita. Se for reeleita, como refazer essas pontes com o empresariado?
Nesse ponto, minha preocupação é zero. Essa ponte se refaz no mesmo dia. Se a presidente tiver disposição para estender a mão, todos vão trabalhar a favor.
E mais: tenho certeza de que a presidente Dilma aprendeu bastante nesses quatro anos, que foram mais difíceis que no governo Lula. Se eleita, ela vai se aproximar mais dos empresários.
O Aécio sempre foi muito próximo dos empresários. Tenho zero de preocupação em relação ao isolamento de qualquer um deles.
E a Marina? O empresariado tem medo dela?
A Marina é uma pessoa do bem. Sempre esteve próxima de empresários. Se ela indicar agora quem será o seu ministro da Fazenda, acho que os empresários e todos os brasileiros ficarão tranquilos. Dilma deveria fazer isso também, para aumentar a confiança.
A campanha de Dilma reclama de terrorismo eleitoral no mercado financeiro. O sr. concorda?
Terrorismo é muito forte. Eu não acho. O mercado fica mais preocupado ou animado com quem ele acredita que vai fazer um jogo pró livre iniciativa. Não vejo nada feito propositadamente.
Economistas dizem que 2015 vai ser um ano de "maldades": alta de juros, reajustes de preços, corte de gastos...
Os economistas não esquecem algumas expressões como "vão abrir a caixa de maldades". Não é bem assim. Mas precisamos reajustar os preços administrados [energia, gasolina etc.] e cortar gastos [do governo].
Temos que fazer o que é preciso e essas "maldades" são temporárias. Quanto mais brusco é o ajuste, mais rápida é a recuperação.
As montadoras estão dando férias coletivas e já há demissões na construção. Na sua opinião, vai haver mais demissões no Brasil?
Todos os indicadores mostram a atividade econômica mais devagar. As empresas estão olhando seus custos para se ajustar. Mas não vejo demissões em massa de jeito nenhum.