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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Polícia Federal autônoma num paraíso da cleptocracia

http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/policia-federal-autonoma-num-paraiso-da-cleptocracia/

Luiz Flávio Gomes*
Em 1910 o estadista francês Georges Clemenceau declarava sua perplexidade pelos níveis da corrupção em Buenos Aires: “a economia da Argentina só cresce porque de noite os políticos e empresários estão dormindo e não podem roubar”. Foto de Clemenceau, nos anos 20, já aposentado (disponível em Ariel Palacios, acessado em 6/12/14). Se a economia brasileira anda crescendo pouco, isso significa que os políticos e empresários envolvidos na corrupção endêmica andam dormindo pouco, muito menos que “los hermanos” do princípio do século XX.
01. Hoje, 9/12, se celebra, no mundo inteiro, um dos dias mais relevantes para o calendário da sociedade civil cidadã (agora globalizada): trata-se do Dia Internacional de Combate à Corrupção. A data não foi escolhida por acaso, sim, porque foi nesse dia que as Nações Unidas assinaram a histórica Convenção contra a Corrupção, em 2003 (conhecida como Convenção de Mérida-México), que foi parida para estimular todos os países membros a desenvolver e, mais que isso, a implementar iniciativas que signifiquem efetivo combate à chaga da corrupção que, diga-se de passagem, não é um fenômeno exclusivamente humano (H. Schwartsman), visto que já constatada inclusive em vespas e formigas. A trapaça social (invadir o alheio para aumentar o próprio), como se vê, tem base biológica. Reforçou-se, com a citadaConvenção, a cooperação internacional, em especial na área das informações sobre movimentações financeiras que sinalizem os malfeitos cleptocratras (como os da Petrobra$ e do metrô$P, por exemplo). Se a data 9/12 tornou-se relevante no mundo todo, com maior fortuna deve sempre ser recordada nos paraísos da cleptocracia, como é o nosso caso (recorde-se: cleptocracia significa Estado governado – também – por ladrões).
02. Dois pontos chamam nossa atenção nesta emblemática (simbólica) data: (a) os agentes financeiros (bancos, especialmente, casas de câmbio etc.), incluindo-se os internacionais, como os suíços, já começam a colaborar mais firmemente com as investigações da corrupção; (b) por lei, a Polícia Federal brasileira se tornou autônoma (um feito inigualável em termos de América Latina e até mesmo invejável em nível planetário). Quanto aos agentes financeiros, no entanto, salta à vista ainda a ambiguidade: de um lado fazem parte das atividades das organizações criminosas (são também criminosos do colarinho branco), lavando os dinheiros sujos conquistados ilicitamente nos incontáveis paraísos mundiais da cleptocracia; de outro, com bloqueios e devolução desses dinheiros depositados em contas bancárias, mostram-se cumpridores da Convenção Internacional citada. De dia colaboram com as investigações (ponto positivo), de noite continuam lavando os dinheiros sujos do mundo todo (ponto negativo).
03. Não há como controlar (reduzir drasticamente) o “estilo mafioso de ser” dos paraísos da cleptocracia, salvo (1) pela otimização máxima da transparência (“A luz do sol é o melhor dos desinfetantes”, afirmou, já quase um século, o juiz norte-americano Louis Brandeis – 1856-1941) bem como (2) pela institucionalização da vida pública (efetividade dos órgãos de controle de todos os poderes). A autonomia que acaba de ser conquistada por lei (Lei 13.047/14, sancionada sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff) pela Polícia Federal (PF), teoricamente, constitui um desses mecanismos institucionalizantes (tal qual acontece com a autonomia funcional do Ministério Público), tendentes a tornar realidade o império da lei (que integra um dos quatro eixos dos Estados civilizados, fundados na democracia real, na economia distributiva, no império da lei e na sociedade civil cidadã). Com ela, desde logo, o cargo de diretor-geral da Polícia Federal passou a ser privativo de delegados de carreira de classe especial. Na prática isso já vinha ocorrendo desde 1995 (antes o cargo era ocupado por militares). Reforçar as instituições da República, sua independência e transparência, é (enfatizou C. A. Di Franco, Estadão), “o melhor caminho de defesa da democracia. A lei citada cumpre esse papel”.
04. A PF, “órgão permanente de Estado [não de governo], organizado e mantido pela União [continua a dependência financeira], para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal [investigação dos chamados "crimes federais"], fundada na hierarquia e disciplina [princípios organizacionais], é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça”. A autonomia funcional (agora inequívoca) não se confunde com a subordinação burocrática (ao MJ). Os delegados federais, responsáveis pela direção das atividades do órgão, exercem função de natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado (não de governo). Na prática, isso significa que a PF não é um órgão exclusivamente técnico (policial), sim, jurídico (por fazer parte, ao lado do Ministério Público, da Magistratura, do TCU, da CGU etc. Do poder jurídico de controle de todos os poderes). É inadmissível, de outro lado, qualquer tipo de interferência de qualquer outro órgão ou poder nas suas atividades (nesse ponto a autonomia da PF se distingue completamente das demais polícias do país, que continuam sujeitas à interferência governamental).
05. Com a autonomia da PF, de outro lado, fica descartada a ideia de que a polícia judiciária deveria fazer parte do Poder Judiciário (é assim que funciona nos países que adotam os Juizados de Instrução, tal qual o sistema anglo-saxão) ou deveria se subordinar ao Ministério Público, tal como ocorre no sistema norte-americano (e tantos outros países como Itália, Espanha etc.). Afastados esses sistemas alienígenas, privilegiou-se a atuação isenta e republicana da PF, na fase pré-processual. O ingresso na carreira de delegado, privativa de bacharel em direito, se fará agora por concurso público (meritocracia), cuja transparência e lisura vai doravante contar com o aval da OAB. Alinhando-se a outras instituições, exige-se três anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse. A regra permite que policiais experientes da própria instituição possam lograr aprovação para o cargo de delegado de Polícia Federal. Os ocupantes do cargo de Perito Criminal Federal são responsáveis pela direção das atividades periciais do órgão (aqui reside a autonomia funcional da chamada polícia técnica ou pericial).
*Professor e jurista.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Friboi e flexibilização da meta fiscal: o dinheiro manda e “governa”


http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/155424108/friboi-e-flexibilizacao-da-meta-fiscal-o-dinheiro-manda-e-governa?utm_campaign=newsletter-daily_20141205_415&utm_medium=email&utm_source=newsletter

O dinheiro manda, desmanda e “governa”. E o povo? Continua, por ora, na caverna. A presidenta Dilma, ao prometer liberar R$ 444 milhões para os parlamentares, conseguiu a aprovação da flexibilização da meta fiscal. Velha política brasileira (praticada deploravelmente por todos os governantes) do “toma lá dá cá”. A Friboi, por sua vez, que foi a maior “financiadora” das campanhas eleitorais de 2014 (“doou” quase 400 milhões para praticamente todos os partidos políticos; perto de R$ 70 milhões somente para a reeleição de Dilma), não “aceitou” a indicação de Kátia Abreu para o ministério da Agricultura. Se quem manda na vida política é o dinheiro (os donos dos meios de produção, de comunicação e das finanças), o grupo JBS (Friboi), para a preservação dos seus “negócios”, sente-se no direito de interferir diretamente nos atos do governo, como é o caso da nomeação do novo ministro da Agricultura.
02. É assim que funciona o conúbio escabroso entre a política (aqui mais escatologicamente que em outros lugares) e o dinheiro (que “coopta” os políticos por meio do financiamento das suas campanhas ou “comprando” os seus votos no Parlamento). Houve um tempo em que o Rei detinha (ou comandava) o poder econômico e o poder político (ele tinha ou administrava todos os meios de produção: terras, máquinas, fábricas etc.). A história conta que na medida em que os endinheirados burgueses (comerciantes, industriais, fazendeiros, seguradoras, financistas etc.) foram crescendo, o poder econômico do Rei foi paralelamente diminuindo, até ficar reduzido à cobrança de impostos. Mas os burgueses não tinham o poder político. No nosso entorno cultural, somente no final do século XVIII deu-se a grande virada: os burgueses, donos do poder econômico, assumiram também (com a Revolução Francesa, 1789) o poder político (isso já tinha ocorrido há um século antes na Inglaterra). Cortaram o pescoço do Rei e se afastaram e esvaziaram, ao mesmo tempo, o poder religioso (católico). Formalmente, os burgueses dividiram o poder visível em três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Não abriram mão, claro, do poder econômico (do controle dos meios de produção, de comunicação e das finanças), que é o que comanda o poder político (seja de forma direta, quando um endinheirado assume cargos políticos, seja de forma indireta, financiando as campanhas eleitorais dos políticos que, dessa forma, são cooptados – abduzidos – pelo poder econômico). É assim que funciona o poder até hoje; na realidade, sua configuração é a seguinte: poder econômico + poder político (Executivo e Legislativo) + Poder Jurídico.
03. A podridão (desigualdade, opressão, enriquecimento monopólico, vantagens no mercado, pilhagem do patrimônio público por meio da lei etc.) nascida dessa espúria união (do poder do dinheiro com o poder político) é a marca registrada de todas as governanças que seguem a lógica do deplorável “toma lá dá cá”, semeada sobretudo por setores pouco ortodoxos do mundo político-empresarial, que mesmo quando fazem seus “negócios” dentro da lei (como é o caso das doações eleitorais), sempre estão com um pé na canalhice do crime organizado da mesma natureza (tal qual o da Petrobra$, da Eletrobra$ etc.).
04. É neste estado lamentável que sempre esteve o Brasil. Não há mal, devassidão, humilhação ou capciosa afronta ao qual ele não tenha se submetido em seus cinco séculos de existência. O império da lei para todos, no nosso país, não passa de uma enorme ilusão (uma fantasia). Em alguns momentos, de tão desacredita e impotente, chega-se a mover o riso quando ela é invocada, porque a fraqueza institucional entre nós é sistêmica, apesar da corrupção endêmica e da violência epidêmica. A garantia da execução da lei no Brasil, em geral, mais parece a uma burla, especialmente quando de um poderoso se trata. Os recursos são canalizados para um pequeno grupo e quase tudo é feito dentro da lei (porque não há envergonha em se utilizar o Estado de Direito também para a pilhagem do patrimônio público – veja Ugo Mattei e Laura Nader, Pilhagem).
05. É assim que sempre se governa (na maior parte do tempo) no Brasil e no mundo (desde que o mundo é mundo): há lideranças carismáticas, religiosas, tradicionais (Max Weber), mas é o poder do dinheiro que preponderantemente “guia” os políticos, que entendem bem essa linguagem (seja quando vem das empresas, seja quando emana do próprio governo). É assim que a ciranda financeira gira (nas barbas do povo inerte e indiferente, que a tudo assiste e, normalmente, nada faz). Enquanto não houver uma decisiva manifestação popular as mudanças serão sempre adiadas. Já não basta expressar indignação. O momento é de agir, de sair para as ruas e exigir medidas concretas como cassação de todos os políticos envolvidos comprovadamente em corrupção, fim da reeleição no executivo e fim do político profissional no legislativo (imposição de um limite temporal, para que não haja perpetuação no poder).
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06. É da nossa tradição, quando da coisa pública se trata, que as pessoas de inteligência, de mérito e de bom tirocínio sejam deslocadas, escanteadas e, curialmente, substituídas pelos mais espertos, pelos aventureiros e ineptos, que se dispõem, sem peias, a servir de meras correias de transmissão dos grandes donos do poder que os revestem de mando. Nem sequer a Constituição representa um sério obstáculo frente à voracidade carnal, quando se sabe que tudo depende da sua “criteriosa” interpretação. Naquilo que lhe é incontroverso, dá-se seu cumprimento por quem não tem consciência do que faz nem do que deve fazer, muitos assinando em cruz o que os amos do poder determinam. Tampouco de legitimidade eleitoral se pode falar, porque aqui as eleições, desde sempre, mais se assemelham a um assalto corriqueiro na cena diurna ou noturna das urbes nacionais que a uma festividade cívica civilizada, representativa de uma participação popular consciente e seletiva (seleção dos melhores). Nas ruas a bolsa é dada sem resistência para que se possa preservar a vida do viandante acometido subitamente pelo tresloucado ladrão. Nas eleições o que se vende aos grandes donos do poder é a própria governança assim como a edição de leis e atos dos seus interesses, não infrequentemente escusos, porque muitos margeiam a canalhice deslavada do crime organizado.
07. Vamos aos detalhes dos fatos: Dilma pretende nomear como ministra da Agricultura a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). O Grupo JBS (Friboi), que foi o campeão nacional em doações na campanha de 2014, quase R$ 400 milhões (69,2 milhões somente para a reeleição de Dilma), tendo ajudado 1.705 candidatos, que receberam dele recursos de forma direta ou indireta (via partido) (Estadão2/12/14), é contra essa nomeação. Sabe-se que quem financia a campanha eleitoral “compra” o governo e o parlamento. Nem sempre leva tudo, mas tenta impor (e preservar) os seus “negócios” (o JBS, a propósito, ajudou a eleger 1 presidente, 12 senadores, 18 governadores e 190 deputados federais – Folha 2/12/14). Um “doador” desse porte tem acesso fácil (evidentemente) aos palácios governantes. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, fora da agenda, recebeu um dos maiores donos do poder e do dinheiro (Joesley Batista) (Estadão Folha). Por que o JBS não quer a senadora como ministra? Primeiro porque ela criticou a campanha publicitária da Friboi (achando-a antiética, prática monopolista e marketing enganoso).
08. Mais ainda (conforme o Estadão): o Ministério da Agricultura faz parte dos “negócios” do reclamante. Em outubro/14 esse ministério foi condenado na Justiça por ter beneficiado claramente citado grupo, impondo limitação à exportação de carnes pelos Entrepostos de Carnes e Derivados (ECDs), operados por pequenos frigoríficos (que não têm condições de doar R$ 400 milhões numa campanha eleitoral). Menos de dois meses depois de proibir o uso de expressões “especial” e “premium” em rótulos de carne, uma secretaria do referido ministério descumpriu a regra para atender os interesses do JBS (que também é um dos grandes beneficiários dos empréstimos favoráveis do BNDES – R$ 7 bilhões recentemente). É importante sublinhar (como fazem os doadores) que todas as “doações” eleitorais do mundo empresarial estão devidamente declaradasao TSE. Disso ninguém pode esquecer (tudo foi declarado, nos termos da lei). Também foi nos termos da lei que Hitler matou milhões de pessoas durante o nazismo.
09. A ciranda do crime organizado político-empresarial (que governa grande parte do PIB do país) é muito dinâmica (Estadão): a senadora Kátia Abreu (assim como seu filho Irajá Abreu-PSD-TO), por seu turno, recebeu doações da empresa Fiagril (R$ 550 mil), que está sendo investigada na Operação Terra Prometida (da PF), que cuida de um esquema bilionário organizado criminosamente por fazendeiros e empresários para a venda de terras destinadas à reforma agrária (é nesse esquema que estão envolvidos, dentre outros, dois irmãos do atual ministro da Agricultura, Neri Geller, do PMDB). A venda ilegal de lotes nunca foi novidade. Nem tampouco a grilhagem de terras pelos mais fortes. A novidade está na constituição de uma organização criminosa poderosa, envolvendo quase uma centena de fazendeiros, funcionários do Incra etc. Maior cuidado devemos ter no Brasil com os grandes ladrões cuja função pública é nos livrar dos pequenos ladrões (A arte de furtar).
Veja o vídeo que gravei: O que fazer com Políticos Corruptos?
P. S. Participe do nosso movimento fim da reeleição (veja fimdopoliticoprofissional. Com. Br). Baixe o formulário e colete assinaturas. Avante!