Cinco candidatos inscritos no concurso público para provimento de cargos de analista e técnico do Ministério Público da União (MPU) ajuizaram Mandado de Segurança (MS 28960) no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual pedem liminar para que seja alterado o dia da prova (sábado, 11 de setembro de 2010), ou para que lhes seja permitido fazer a prova apenas após o sol se pôr. Os candidatos são membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia e, para eles, o sábado é considerado dia sagrado de adoração. Segundo os candidatos, a fixação da data está impedindo que eles tenham acesso a cargos públicos pela via democrática do concurso sem que firam suas consciências.
“Para os adventistas, o dia de repouso escolhido, abençoado e santificado por Deus é o sétimo, com o objetivo de ser um memorial da Criação, um dia em que se adora e se reconhece a Deus como Criador de todas as coisas e o ser humano como simples criatura. Neste aspecto, a questão da tolerância fará grande diferença à efetivação do direito fundamental à liberdade religiosa em uma sociedade pluralista e democrática, sem que se restrinjam os direitos daqueles que desejarem seguir suas convicções”, afirmam os impetrantes (quatro bacharéis em Direito e um licenciado em História). Segundo eles, a importância dos dias religiosos sagrados é reconhecida pelo Direito Internacional e citam, como exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No mandado de segurança, o pedido principal é para que a data da prova seja alterada para outro dia de semana, de preferência domingo. É feito um pedido alternativo para que seja permitido aos cinco candidatos chegar ao local da prova no horário estabelecido, mas esperar o pôr do sol, num local que permaneçam isolados e incomunicáveis, para só depois disso a prova ser aplicada com o mesmo tempo de duração concedido aos demais candidatos. Para “resguardar a integridade espiritual”, os candidatos pedem ainda que lhes seja permitido ler a Bíblia durante as horas sabáticas (até o pôr do sol).
O relator do MS é o ministro presidente, Cezar Peluso.
MS 28960 MC / DF - DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 08/09/2010
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-171 DIVULG 14/09/2010 PUBLIC 15/09/2010
Partes
IMPTE.(S) : NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : CHALANNA SILVA DE OLIVEIRA
IMPDO.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Decisão
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por NEIDSONEI PEREIRA DE OLIVEIRA E OUTROS, em face do Edital n.º 1 – PGR/MPU, de 30 de junho de 2010, que tornou pública a abertura de inscrições e estabeleceu normas relativas
à realização do 6º Concurso Público destinado ao provimento de cargos de Analista e de Técnico dos quadros do Ministério Público da União.
Segundo o relato da petição inicial, a designação do dia 11.9.2010 (sábado, à tarde) como data provável de realização de provas do certame violaria “o direito dos impetrantes em exercer plenamente sua cidadania concomitantemente ao direito fundamental e
inalienável de liberdade de crença e consciência”, pois o sábado configura o seu dia sagrado de adoração (sétimo dia da semana), conforme a doutrina da religião protestante que professam – difundida pela Igreja Adventista do 7ª dia:
“para os Adventistas, o dia de repouso escolhido, abençoado e santificado por Deus é o sétimo, com o objetivo de ser um memorial de Criação, um dia em que se adora e se reconhece a Deus como Criador de todas as coisas e o ser humano como simples
criatura [...] Sendo assim, o quarto mandamento da Lei de Deus requer a observância deste sábado do sétimo como dia de descanso, adoração e ministério, em harmonia com o ensino e prática de Jesus, o Senhor do Sábado, sendo ainda sua forma autêntica de
adoração suavemente delineada pelo Profeta Isaias (Isa 58:13 e 14) ao afirmar que a santificação desse dia deve ser um deleite no Senhor, não fazendo a nossa própria vontade ou buscando o próprio interesse”.
Dessa forma, afirmam os impetrantes que a realização de concursos públicos aos sábados (especificamente entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr do sol do sábado) limitaria os seus direitos de liberdade de crença e consciência e de acesso ao serviço
público, uma vez que lhes restaria apenas a opção entre a realização da prova e o exercício da sua fé.
Assim, com base em argumentos relacionados à tolerância religiosa, à neutralidade e ao caráter laico do Estado, à diversidade e à pluralidade de ideias e de crenças, à dignidade da pessoa humana, aos compromissos assumidos pela República Federativa do
Brasil em tratados e declarações internacionais, alegam, em síntese, que o ato impugnado violaria o art. 5º, VI e VIII e art. 37, I e II, da Constituição.
Ressaltam, ainda, que, diferentemente da decisão desta Corte no julgamento da STA-AgR 389, o edital foi omisso em estabelecer qualquer forma de solução alternativa, como a hipótese de isolamento ou confinamento até o pôr do sol do dia de sábado, para
que pudessem então realizar o concurso.
Os impetrantes requerem a devolução dos valores recolhidos como custas – por entenderem incabíveis na espécie – e, ao final, a concessão da liminar para determinar à autoridade coatora:
1) que seja concedida a alteração do “dia da prova para outro que não o sábado, ou, subsidiariamente, pelas razões acima expostas, que ofereça oportunidade aos requerentes para que seja realizada a prova objetiva/subjetiva, atualmente marcada para o
turno vespertino do sábado dia 11 de setembro de 2010, no período após o pôr-do-sol do referido dia, ficando os mesmos, incomunicáveis e devidamente vigiados por fiscais, garantindo-se, assim, o necessário sigilo e a incomunicabilidade, resguardando no
período de isolamento o direito à leitura da bíblia, previamente conferida por fiscais, e recolhidas quando do início da prova;”
2) que, caso concedido o pedido acima, especialmente se for subsidiário do isolamento, se determine à entidade executora do certame convocação dos interessados na medida;
Por meio da petição n.º 0041557, a CONFEDERAÇÃO DAS UNIÕES DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA requer seu ingresso no feito como litisconsorte ativa, pugnando pelo deferimento da liminar e da segurança pleiteadas.
Decido.
No presente caso, a impetração se fundamenta no argumento de que a previsão do edital de realização de provas prevista para o dia 11.09.2010 (sábado, à tarde), para preenchimento de cargos do Ministério Público da União, violaria o direito dos
impetrantes previstos nos artigos 5º, VI e VIII, da Constituição, por coincidir com o dia sagrado de adoração previsto pela religião professada por eles – vinculados à Igreja Adventista do 7ª Dia. Violaria, ainda, o seu direito de acessibilidade aos
cargos públicos (art. 37, I e II, CF/88).
Nesse sentido, os impetrantes requerem a concessão de liminar para alteração da data para dia compatível com o exercício de sua fé ou, subsidiariamente, a concessão de alternativa para que possam permanecer isolados até o pôr do sol para a realização
das provas, devendo a autoridade coatora e a entidade organizadora do certame providenciar as medidas necessárias.
Inicialmente destaco que, no exercício da Presidência do STF, já me manifestei sobre esta questão, ao decidir a STA n.º 389/MG, que foi confirmada pelo Plenário desta Corte, após o julgamento de agravo regimental (STA-AgR 389/MG, de minha relatoria, DJe
14.05.2010).
Naquela oportunidade, embora adstrito aos limites cognitivos que caracterizam o regime de contracautela, consignei inexistir dúvida de que o direito fundamental à liberdade religiosa impõe ao Estado o dever de neutralidade diante do fenômeno religioso,
revelando-se proscrita toda e qualquer violação do ente público que favoreça determinada confissão religiosa em detrimento das demais.
Ponderei, entretanto, que o dever de neutralidade por parte do Estado não se confunde com a ideia de indiferença estatal, devendo o Estado, em alguns casos, adotar comportamentos positivos, com a finalidade de afastar barreiras ou sobrecargas que possam
impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé.
Nesse sentido, não se revelaria aplicável à realidade brasileira as conclusões a que chegou o Justice Black da Suprema Corte norte-americana, no famoso caso Everson v. Board of Education, segundo as quais a cláusula do estabelecimento de religião
(“establishment of religion” clause) prevista na Primeira Emenda à Constituição norte-americana não estabeleceria apenas que “nenhum Estado, nem o Governo Federal, podem fundar uma Igreja”, mas também que “nenhum dos dois podem aprovar leis que
favoreçam uma religião, que auxiliem todas as religiões”. Segundo Thomas Jefferson, a referida cláusula deveria ser compreendida como a construção de um “muro” entre Igreja e Estado (“erect a wall of separation between Church and State”).
Tal entendimento não se afigura, a priori, compatível com a nossa Constituição, pois se revela contrária, até mesmo, à concessão de imunidade tributária aos templos de qualquer culto (art. 150, IV, “b”), à prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5º, VII), ou quaisquer outras que favoreçam ou incentivem todas as religiões.
Por isso, é importante afirmar que, em nosso país, neutralidade estatal não se confunde com indiferença, até mesmo porque, conforme salientado por Jorge Miranda, “(...) o silêncio sobre religião, na prática, redunda em posição contra a religião”
(MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 427).
Não se revela inconstitucional, portanto, que o Estado se relacione com as confissões religiosas, tendo em vista, inclusive, os benefícios sociais que elas são capazes de gerar. Canotilho e Jônatas Machado afirmam, inclusive, que o princípio da
neutralidade do Estado “não tem nada a ver com indiferentismo religioso por parte dos poderes públicos. (...) O princípio da neutralidade do Estado preclude qualquer compreensão negativa oficial relativamente à religião em geral ou a determinadas
crenças religiosas em particular” (CANOTILHO, J.J. Gomes. MACHADO, Jônatas. Bens culturais, propriedade privada e liberdade religiosa. In: Revista do Ministério Público, Ano 16, n.º 64, p. 29-30).
O que não se admite é que o Estado assuma determinada concepção religiosa como a oficial ou a correta, que beneficie um grupo religioso em detrimento dos demais ou conceda privilégios. O que se deve promover é a livre competição no “mercado de idéias
religiosas”, expressão que, segundo Jônatas Machado, teria sido cunhada com base no pensamento de Oliver Wendell Holmes e Stuart Mill (MACHADO, Jônatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva; dos direitos da verdade aos direitos
dos cidadãos. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1996, p. 176).
Nesse contexto é que surgem as mencionadas ações positivas do Estado em se tratando de matéria religiosa, buscando-se afastar sobrecargas sobre determinadas confissões religiosas, principalmente sobre as minoritárias, e impedir influências indevidas no
que diz respeito às opções de fé.
Vê-se, pois, que tais ações somente se revelam legítimas se pré-ordenadas à manutenção do livre fluxo de ideias religiosas e se comprovadamente não exista outro meio menos gravoso de se atingir esse desiderato. Deve-se também ter o cuidado de que a
medida adotada estimule a igualdade de oportunidades entre as confissões religiosas e não, ao contrário, seja fonte de privilégios ou favorecimentos.
Com base nesses fundamentos, manifestei-me no julgamento da STA-AgR 389/MG no sentido de que a melhor solução para aquele caso consistia na manutenção da alternativa de isolamento dos candidatos, indicada no Edital do ENEM, pois apesar das diversas
dificuldades administrativas e práticas que decorreriam da medida, aptas, inclusive, a inviabilizar o ENEM (não em virtude de dificuldades financeiras ou meramente operacionais, mas em razão dos problemas advindos da aplicação de provas distintas a
indivíduos que participam de uma mesma seleção), a designação de data alternativa pareceu, em mero juízo de delibação, não estar em sintonia com o princípio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso.
Deixei assentado que a questão estaria a demandar uma maior reflexão por esta Corte, o que poderá ocorrer por meio do debate de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que versam sobre a matéria, ainda pendentes de julgamento.
Trata-se da ADI n.º 391, Rel. Joaquim Barbosa, na qual se discute a constitucionalidade de leis do Estado do Pará que limitaram a realização de vestibular, provas de concursos e avaliações escolares no período compreendido entre 18 horas de sexta e 18
horas do sábado subsequente. As referidas leis ainda estabeleceram o abono de faltas daqueles alunos que, por comprovado motivo religioso, não puderem comparecer à instituição de ensino no mencionado período.
Há também a ADI n.º 3.714, Rel. Carlos Britto, na qual se discute a constitucionalidade de lei do Estado de São Paulo de conteúdo semelhante. O mencionado diploma legal também prevê que, quando se revelar inviável a realização das provas no período,
elas serão realizadas no sábado, após as 18 horas.
Por ocasião do julgamento dessas ações diretas, a Corte certamente poderá se debruçar em profundidade sobre o tema, de modo a definir, com mais acuidade, o âmbito de proteção e o alcance do direito fundamental à liberdade religiosa em nossa
Constituição.
O que se constata, de fato, é que, em situações como esta, não cabe ao Estado, em princípio, ampla liberdade de conformação legislativa, dado o seu dever de neutralidade.
Assim, é com base na análise das medidas administrativas tomadas, em confronto com as disposições constitucionais, que passamos a investigar, caso a caso, a sua adequação.
Entretanto, o exame da adequação das medidas (data alternativa ou isolamento dos candidatos ou, ainda, qualquer outra medida), por vezes, confunde-se com o mérito da demanda.
No presente caso, entendo que, à semelhança do que já consignado no precedente aqui mencionado, a designação de data alternativa parece-me, neste juízo preliminar, não estar em sintonia com o princípio da isonomia, podendo-se convolar em privilégio para
um determinado grupo religioso.
Além disso, não se vislumbra, em princípio, que a omissão do Edital viole de forma expressa qualquer disposição legal que exija outra atuação da Administração, ao menos como decorrência do art. 37 da Constituição.
Da mesma forma, não se constata que tal omissão possa, desde logo, ter violado de forma patente a garantia de proteção do direito de liberdade religiosa dos impetrantes, o que depende, sem dúvida, de aprofundada interpretação constitucional.
Assim, tal premissa não permite concluir, por si só, que esteja demonstrado de plano ato abusivo ou ilegal da Administração quanto às regras estipuladas no edital, por falta de previsão expressa da situação dos impetrantes em questão. Fosse assim, seria
necessária a previsão de toda e qualquer situação, sob pena de ilegalidade ou inconstitucionalidade do edital publicado.
Exatamente por conta dessa indeterminação prévia de todas as ocorrências possíveis no decorrer do certame, é que se abre, nas disposições finais do edital (item 15.6), a oportunidade para que qualquer candidato protocole requerimento administrativo
relativo ao concurso.
Entretanto, não se colhe dos autos informação ou documento que comprove que os impetrantes requereram administrativamente tratamento especial não previsto em edital. Também não consta qualquer manifestação formal da Administração em negar a sua
solicitação de forma expressa.
Pelo contrário, fundamentam toda a sua argumentação no sentido de que estão “impedidos de participar do processo seletivo mencionado, pois ao estabelecer o Edital n.º 1 – PGR/MPU [...] a realização das provas objetivas e subjetivas do cargo de Analista
para a data de 11.09.10 (sábado, à tarde), o impetrado, ainda que por mera omissão, não respeitou o direito constitucional de livre profissão religiosa em concomitância com o direito democrático de acesso a cargos públicos, [...]” (fl. 10 da petição
inicial).
Tal constatação corrobora a falta de demonstração da plausibilidade do direito invocado para a concessão de medida liminar, inclusive em razão da presunção de legalidade dos atos da Administração.
A possível omissão do edital quanto à situação dos impetrantes não pode ser, desde logo, juridicamente equiparada à negativa de seu pleito no âmbito administrativo, pois do que consta nos autos a Administração sequer foi incitada a se posicionar sobre a
questão.
Contudo, ao consultar o sítio do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília - ente que organiza o certame, verifico que posteriormente à impetração deste writ foi publicado o EDITAL nº 11 – PGR/MPU, de 2 de agosto de 2010,
que tornou públicos os procedimentos para a solicitação de atendimento especial por motivos religiosos, deixando consignado o seguinte:
“1.4 Os candidatos que tiverem a solicitação de atendimento especial por motivos religiosos deferida deverão comparecer ao local designado para a realização das provas com antecedência mínima de uma hora do horário fixado para o seu início e permanecer
em recinto exclusivo até o pôr do sol, para, então, poderem realizar as provas.”
Tal fato novo corrobora a ausência da plausibilidade do direito alegado, ao prever a alternativa requerida pelos impetrantes.
Ante o exposto, indefiro o pedido liminar.
Indefiro o pedido de devolução das custas, por entender lícito o seu recolhimento, nos termos da Resolução n.º 431, de 2.6.2010.
Intimem-se os autores para que se manifestem sobre o pedido de admissão da CONFEDERAÇÃO DAS UNIÕES DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA no feito, na qualidade de litisconsorte ativa facultativa.
Publique-se.
Notifique-se a autoridade coatora, para que preste as informações no prazo legal.
Dê-se ciência do feito à Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei n.º 12.016/2009.
Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República.
Brasília, 8 de setembro de 2010.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
Documento assinado digitalmente.
TRF mantém sentença que nega pedido de alunos para substituir aulas aos sábados por serem membros de igreja adventista
Ao analisar apelação de estudantes contra sentença que negou pedido que objetivava compelir o IFG - Instituto Federal de Goiás a oferecer-lhes prestação alternativa para as aulas ministradas aos sábados, por serem membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, o TRF da 1ª região entendeu que a CF/88 (clique aqui) não prescreve o dever estatal de facilitar o acesso às prescrições, ritos e rituais de cada religião. Assim, negou o pedido e manteve a sentença de primeira instância.
Os estudantes apelaram para o TRF após a juíza de primeira instância entender que não há como obrigar a instituição de ensino a substituir a frequência às aulas por atividades alternativas ou abonar as faltas, pois isso caracterizaria privilégio, em detrimento dos demais alunos, violando-se o princípio da isonomia. Para a magistrada, o abono de faltas encontra óbice na lei 9.394/96 (clique aqui).
No recurso ao TRF, os estudantes sustentaram que, como adventistas, dedicam às atividades religiosas, espirituais ou humanitárias o período que vai de sexta-feira, a partir do pôr do sol, até sábado, no mesmo horário. Assim, não estariam buscando privilégios, mas apenas alternativas para as aulas ministradas nos horários citados.
A desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, relatora do processo, explicou em seu voto que a lei 9.394/96 estabelece a obrigatoriedade de frequência de alunos e professores (art. 47, § 3º), salvo nos programas de educação a distância, o que não é o caso.
A desembargadora explicou que, embora a CF/88 proteja a liberdade de crença e de consciência e o princípio de livre exercício dos cultos religiosos, não prescreve, em nenhum momento, o dever estatal de facilitar, propiciar, promover o exercício ou o acesso às prescrições, ritos e rituais de cada religião. De fato, estabelece apenas o dever do Estado de proteger os locais de culto e suas liturgias.
Selene Maria de Almeida acredita que o requerimento dos impetrantes não ofende o interesse público, mas lembrou que a imposição de frequência mínima às aulas por parte do IFG, sob pena de reprovação, visa apenas a obedecer à previsão legal e disposições constitucionais. É, portanto, uma norma geral, aplicável a todo o corpo discente, independentemente da religião de cada um, não caracterizando violação a direito líquido e certo do impetrante. Dessa forma, a magistrada entendeu não haver ofensa à liberdade de crença.
Para a relatora, quando se inscreveram no concurso vestibular, os impetrantes tinham ciência dos horários das aulas e nem por isso buscaram ingressar em curso diurno ou curso que, de qualquer outra forma, não os forçasse a assumir compromisso escolar às sextas-feiras à noite e aos sábados. Conforme avalia a desembargadora, o fato de estarem impedidos de frequentar aulas às sextas-feiras à noite e aos sábados, por motivos religiosos, é ônus decorrente de sua opção, e não há de ser creditado à faculdade.
- Processo : 2010.35.00.001891-0
Veja abaixo a íntegra do acórdão. ___________
Numeração Única: 53659420104013500
APELAÇÃO CÍVEL 2010.35.00.001891-0/GO
Processo na Origem: 53659420104013500
RELAOR ( A ) : DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA
APELANTE : PAULO FELLYPE MACHADO RIBEIRO E OUTRO(A)
ADVOGADO : ANIZIO PEREIRA DE ARAUJO
APELADO : IFG - INSTITUTO FEDERAL DE GOIAS
PROCURADOR : PAULO CESAR RODRIGUES BORGES
EMENTA
ENSINO SUPERIOR. ALUNO ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. EXIGÊNCIA DE FREQUÊNCIA DE AULAS ÀS SEXTAS-FEIRA À NOITE E AOS SÁBADOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO CONSTITUCIONAL.
1. A Lei 9.394/96 estabelece a obrigatoriedade de frequência de alunos e professores (art. 47, § 3º).
2. Embora a Constituição proteja a liberdade de crença e de consciência e o princípio de livre exercício dos cultos religiosos (CF, artigo 5.º-VI), não prescreve, em nenhum momento, o dever estatal de facilitar, propiciar, promover o exercício ou o acesso às prescrições, ritos e rituais de cada religião. Estabelece apenas o dever do Estado no sentido de proteger os locais de culto e suas liturgias (CF, artigo 5.º-VI, final), sob a condição de que não ofenda o interesse público.
3. A jurisprudência desta Corte entende que a Constituição Federal de 1988 (art. 5.º, VIII) assegura a liberdade de crença como direito individual do cidadão, sob a condição de que não ofenda o interesse público, ou seja, que não seja ele invocado para a isenção de obrigação legal a todos imposta e a recusa de cumprir prestação alternativa prevista em lei. (Cf. TRF1, AG 2001.01.00.050436-4/PI, Segunda Turma, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, DJ 09/09/2002, e AMS 1997.01.00.040137-5/DF, Sexta Turma, Juiz Souza Prudente, DJ 28/09/2001.)
4. Apelação dos impetrantes improvida.
ACÓRDÃO
Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1a. Região, por unanimidade, negou provimento à apelação dos impetrantes, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 09 de fevereiro de 2011.
SELENE DE ALMEIDA
Desembargadora Federal - Relatora
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17janeiro2012
DIREITO NA EUROPA
Procuradora religiosa não consegue folga aos sábados
Uma promotora em Portugal vai ter de escolher o que tem mais importância na sua vida: a fé ou o trabalho. Pelo menos até que consiga na Justiça o direito de exercer os dois. É que ela, como adventista do Sétimo Dia, não pode trabalhar aos sábados. Mas, como promotora, precisa cumprir um ou outro plantão aos finais de semana. O Conselho Superior do Ministério Público português se recusou a modificar a escala de plantão da promotora. Em dezembro, o Supremo Tribunal Administrativo de Portugal negou liminar para liberá-la do trabalho aos sábados (clique aqui para ler a decisão). A briga ainda deve continuar na Justiça.
O dia de sábado
A mesma promotora já teve de se apoiar no Judiciário para entrar definitivamente para os quadros da Ordem dos Advogados de Portugal, em 2007. Depois de cumprido o estágio obrigatório, ela tinha de fazer uma prova, marcada para um sábado. Mais uma vez, fé e profissão se chocaram. Dessa vez, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu a favor da promotora e a Ordem teve de remarcar a prova dela para outro dia da semana.
Não pode o Judiciário impor a entidade de ensino superior encargos e ônus materiais que beneficiem determinado aluno destacando-¬o das atividades a que devem se dedicar os seus colegas à conta da confissão religiosa voluntária de quem deseja ser privilegiado.
No entendimento 6ª turma do TRF da 3ª região a lei deve ser igual para todos e ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. "Não é possível estabelecer privilégio na área de ensino superior para um determinado grupo religioso."
Com essa consideração, o colegiado negou a uma estudante universitária do curso de Enfermagem e membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia o direito à alteração do regime de aulas e provas estabelecido pela Universidade. Segundo os magistrados, a criação de privilégios em favor de determinada crença religiosa violaria os princípios constitucionais da igualdade e da legalidade.
No MS, a estudante pedia que lhe fosse assegurado o disposto na lei 12.142/05, de SP, que prevê o fornecimento de atividades alternativas ao aluno, respeitando o conteúdo programático da disciplina, bem como o abono de faltas já anotadas e das faltas supervenientes, assim como horários alternativos para realização das provas.
Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador Federal Johonsom Di Salvo, ressaltou que ao ingressar no curso de Enfermagem, a estudante tinha pleno conhecimento de que deveria submeter-se aos critérios e exigências da referida instituição de ensino, dentre eles, os horários em que as aulas seriam ministradas - o que incluía as sextas-feiras à noite e sábados de manhã – sendo descabida a alegação tardia de ofensa ao direito à liberdade de crença.
"A Universidade que faz cumprir seus regulamentos - aos quais o discente voluntariamente aderiu ao se inscrever na instituição de ensino - não está violando qualquer direito líquido e certo do aluno que posteriormente não os deseja cumprir, à conta de prática religiosa. Aderir a qualquer confissão religiosa, ou permanecer sem crença alguma, é direito fundamental de qualquer brasileiro. Mas a opção adotada não outorga mais direitos ou privilégios do que possuem os demais cidadãos."