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domingo, 25 de julho de 2010

Júri popular pode ser excluído de casos com facções criminosas; especialistas contestam


Absolvidos. A decisão de um júri popular sobre o assassinato de um bombeiro, um dos casos símbolo dos ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) em maio de 2006 em São Paulo, surpreendeu. E reabriu a polêmica: um conselho de sentença é a melhor opção para decidir o destino de criminosos de alta periculosidade?

Hoje, casos de crimes dolosos contra a vida são de competência do júri popular, formado por sete pessoas da sociedade civil. Mas a Câmara dos Deputados está prestes a mudar esse entendimento para os crimes cometidos por facções criminosas ou apoiados por elas. É o que prevê a PEC (proposta de emenda à constituição) 486/10, à espera de análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
A PEC transfere para o juiz a decisão final nesses casos. “Os membros da Magistratura e do Ministério Público possuem o aparato estatal para segurança pessoal e de familiares, enquanto os jurados e seus familiares em se tratando de pessoas do povo não dispõem dessa segurança integralmente”, escreve o autor da proposta, deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), em sua justificativa.
Marcelo Milani, representante do Ministério Público no caso dobombeiro João Alberto da Costajulgado em março deste ano, defende que o clamor popular não justifica a alteração na lei, ainda que, em sua opinião, o júri tenha sido “injusto”. “É uma mudança circunstancial que não significa muita coisa. Por si só acho insuficiente. Não vai ter uma mudança estrutural. Porque se há coação, há tanto para jurado, como para o juiz. Não se pode aprovar uma mudança por causa do clamor popular. Se ela não traz alteração à sistemática, não adianta”, afirma.
Para o promotor, apenas uma mudança estrutural tornaria a decisão nesses casos menos subjetiva. “No caso do bombeiro, foi injusto sim, tanto que entrei com o recurso. Mas é preciso tentar outras medidas, por exemplo, o sorteio numerado, para não expor os jurados. Proteger melhor. Porque existe um sistema de segurança e justiça, e não é alterando uma lei que se resolve o problema”, complementa.
O mesmo considera Mozart Valadares, presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). “Eu não enxergo nenhuma vantagem, nenhuma melhoria. A sociedade é convocada para decidir sobre esses casos. São sete juízes que vão julgar. Se for analisar essa questão da pressão, ninguém tem aparato para garantir segurança nesse país. Vários juízes foram assassinados. Todos nós vivemos em insegurança. Isso esvazia a instituição tribunal do júri”, critica.
Na avaliação de Valadares, a PEC apenas cria uma expectativa falsa. “Tem que parar com isso. Criar uma ilusão. Os locais onde essas organizações criminosas se entranham são os em que o poder público é ausente. O Estado tem que atuar mais. Tem que atacar o problema pela raiz. Se o problema fosse transferir competência, seria muito fácil”, defende.


“Juízes sem rosto”
Para especialistas, a PEC pode reforçar ainda a disseminação da figura do chamado “juiz sem rosto”, já existente em países como Espanha e Itália. É o magistrado que não se identifica em determinados julgamentos por questões de segurança, o que acontece hoje em uma única Vara no país, a 17ª Vara Criminal de Maceió, especializada no Combate ao Crime Organizado (Leia a reportagem completa).
A 17ª Vara é composta por cinco juízes que acumulam a competência juntamente com a de outras que integram, como cíveis e criminais. São designados para fazer parte desse grupo por dois anos e, ali, somente tratam dos crimes com pena de reclusão superior a quatro anos que tenham sido praticados em atividade que evidencie um grupo organizado, inclusive com relação ao júri.
A proposta é alvo de Adin (ação direta de inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Alagoas. A entidade alega que a lei aprovada para criar a Vara criou um “tribunal de exceção” e que é de competência da União legislar sobre o tema. A maior contestação, no entanto, é contra o juiz sem rosto.
“Na prática, o anonimato impossibilita que a defesa possa alegar suspeição ou impedimento de um dos juízes. Além disso, quando os advogados vão à Vara têm que esperar para falar com um dos juízes, o que estiver presente. Este, depois que recebe o advogado diz que é com outro juiz e o advogado não consegue ver a decisão que prendeu seu cliente”, afirmou o presidente da OAB, Omar Coêlho.
Já o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de controle externo do Judiciário, elogia a iniciativa e defende a especialização como forma de dar maior rapidez aos processos.
Para o presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o chamado juiz sem rosto é inconstitucional. “Aquele que está sendo julgado tem o direito de estar pessoalmente com seu juiz, identificando-o, na preservação do devido processo legal, onde são garantidos a ampla defesa e o contraditório, daí, não se admitir no modelo vigente, alguém ser julgado por um juiz que não se sabe quem seja”, defende.
Outro obstáculo ao modelo, segundo ele, está ligado às questões de impedimento e suspeição do magistrado. “A Justiça não pode ser secreta, ela tem que ser a guardiã das instituições, da cidadania e tal só se dá com a desejada independência desse poder, que tem na transparência de seus atos a confiança da nação. Deve haver outras formas para combater o crime organizado e que seja garantida a segurança dos magistrados em situação de risco e o pleno exercício de suas prerrogativas.”
A admissibilidade da PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sob relatoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). Se aprovada, a proposta será analisada por comissão especial e, depois, votada em dois turnos pelo plenário.

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