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quarta-feira, 2 de junho de 2010

O declínio do Leste Europeu e os ‘castings’ do Homem-pênis

Os castings do Homem-pênis

por Felipe Rigon Spack

Os países do Leste Europeu são conhecidos pelas belas modelos e atrizes pornográficas fornecidas aos estúdios norte-americanos todos os anos. Sylvia Saint e Sophie Evans são exemplos da safra de atrizes que, nos anos 90, invadiram a indústria mundial do sexo enlatado. Muitos diretores fizeram fama e fortuna quase exclusivamente a partir desse “mercado”. Um deles, o francês Pierre Woodman, ganhou notoriedade por ser também uma espécie de iniciador de jovens beldades no mundo da pornografia. Viajando pelo Leste Europeu, Woodman, que alega ter feito sexo com mais de 3.000 mulheres, descobriu talentos como a tcheca Sylvia Saint, que já foi a atriz pornográfica mais bem paga do mundo. Suas viagens, mais freqüentes na década de noventa, até hoje rendem frutos: ele mantém um site exclusivamente dedicado a seus populares “castings”.

“Casting” vem do verbo “to cast”, que no meio artístico significa selecionar o elenco para um filme ou peça de teatro. Em seus castings, Woodman transa diante das câmeras com as meninas que coleta nas ruas e shoppings de Praga, Bratislava e Moscou, a maior parte delas com idades entre 18 e 20 anos. Pode-se dizer, sem duplo sentido, que Woodman está provando um produto que, se passar no controle de qualidade, será exportado para todo o mundo. Uma das centenas de selecionadas é Aisha, uma jovem húngara de dezoito anos e belos olhos azuis. Ela é filmada por Woodman enquanto se submete a uma longa entrevista, com o auxílio de uma intérprete. Os modos da esbelta jovem em nada sugerem uma femme fatale ou uma boneca humana, e o embaraço que demonstra revela inexperiência. Woodman, por sua vez, age como bom aliciador: não coage, não ofende, fala com uma voz macia um inglês com acento afrancesado. Discorre relaxadamente sobre o mundo do sexo explícito. Chega à sinceridade de dizer que o mercado exige certas práticas heterodoxas, e pergunta se a jovem está realmente certa do que quer. Ela não hesita em dizer que deseja agarrar a oportunidade. A conversa continua por mais algum tempo e de repente um corte no vídeo mostra o casal em um quarto de hotel, visto a partir de uma câmera fixa. A relação sexual acontece de maneira mais ou menos normal (é evidente que Woodman procura as posições mais fotogênicas – afinal, ele está trabalhando). Não há indícios de estupro nem de sofrimento – na verdade, a jovem atinge um orgasmo durante as filmagens.

O site de Woodman é um grande negócio – ele cobra cerca de 300 euros pela subscrição de uma conta. No fórum online, dedicado a comentar os vídeos, clientes adoram-no como a um mito. O grande atrativo do produto de Woodman é que, ao contrário de megasites de pornografia, ele vende o sexoreal, isto é, um sexo explícito realmente consentido pela mulher que, ali, não é ainda uma atriz experiente em fingir, mas uma jovem que concordou em ter sua intimidade devassada. Que especificamente o Leste Europeu seja palco para esse “choque de realidade”, porém, é algo que chama atenção.

Belos corpos sem esperança – desconto de 50%

No senso comum dos fãs de Woodman, a profusão de atrizes do Leste Europeu na indústria pornográfica é atribuída ao “despudoramento” dessas mulheres, exatamente como a presença das brasileiras na prostituição internacional é atribuída à “lascividade” intrínseca do sangue mestiço etc. Contudo, para além dos preconceitos de classe média, a boa e velha “mão invisível” liberal pode apontar mais seguramente a verdadeira razão do boompornô do Leste Europeu nos anos 90, em que Woodman e tantos outros fizeram seus pés de meia: boas mercadorias por um preço baixo.

Quais são as condições econômicas necessárias para que boas atrizes pornográficas estejam disponíveis a preços baixos? Em primeiro lugar, uma grande oferta de jovens saudáveis e bem-alimentadas. Em segundo lugar, uma extraordinária falta de futuro. Nem todos os países oferecem ambas condições: se a miséria é tanta e tão antiga que não existem nem oportunidades nem garotas saudáveis, o mercado simplesmente não se interessa, como prova a virtual inexistência de atrizes pornográficas etíopes ou afegãs. Por outro lado, o aliciamento se torna difícil se há belas jovens sadias, mas com oportunidades de ter uma vida “satisfatória” através de carreiras convencionais. Não se ouve falar em mulheres francesas ou israelenses como um “artigo de luxo” no mercado pornográfico ou na prostituição internacional. O Leste Europeu, porém, parece ser o lugar ideal para os castings de Woodman: milhões de jovens crescidas sob o manto de bem-estar do socialismo real e deixadas sem oportunidades pelo capitalismo real têm sido encontradas ali desde a década de 90.

Se há um lugar em que o reformismo capitalista foi desenvolvido até o limite, esse lugar foi a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Embora o trabalho alienado jamais tenha sido abolido, é inegável que os países que integravam o antigo bloco socialista tiveram pelo menos duas gerações de populações saudáveis, bem-alimentadas e razoavelmente instruídas, em comparação com os padrões em que vive a maior parte da população mundial atualmente. Desde pelo menos a segunda metade da década de 50, a assistência de saúde na União Soviética atingiu 100% de sua população de mais de 200 milhões de habitantes, e se estendia inclusive aos estrangeiros. Na mesma década, o analfabetismo chegou a praticamente zero, enquanto no Brasil de hoje, sessenta anos depois, ele ainda assola cerca de 10% da população. A URSS gozava, portanto, de uma população saudável, bem alimentada e instruída ao menos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Não se espanta que, quando caiu o Muro de Berlim, fosse grande a quantidade de homens e mulheres de beleza física.

A derrocada da economia planificada fez com que o PIB dos países do bloco soviético se reduzisse abruptamente, desorganizando a produção “socialista” e reorganizando o capitalismo. Durante a década de 90, a queda real do PIB nos países da ex-URSS foi de cerca de 50%. Entre 1992 e 1999, cerca de 130 mil estatais soviéticas foram privatizadas por cerca de 9 bilhões de dólares – cerca de 1/200 avos de seu valor de mercado. A sociedade de classes estava sendo restaurada em toda sua magnitude. Acompanhando a instabilidade econômica, que lançou milhões às ruas, surgiu uma grande instabilidade política, ilustrada pela dissolução do Congresso por Boris Yeltsin em 1993. Esse período de turbulências, porém, longe de ser uma “anomalia” evitável, era o vale de lágrimas perfeitamente “normal” que o capitalismo impõe à maior parte da população mundial.

Com a restauração do capitalismo, a vida prosaica mas estável que Aisha e seus pais conheceram colapsou de uma hora para outra, dando lugar a uma vida sofisticada para uma minúscula fração da ex-burocracia comunista e, por outro lado e como contraponto necessário, a uma vida brutal e instável para a grande maioria da população soviética. Estima-se que, apenas na primeira década após a queda do Muro, cerca de 500 mil russas foram traficadas para os mercados de exploração sexual mundo afora. Os índices de homicídio, alcoolismo e consumo de drogas, especialmente de heroína, tiveram um crescimento vertiginoso. Hoje, o consumo de álcool é o mais alto do mundo, com um índice 3,6 vezes superior ao da média mundial. Com essas pioras, a expectativa de vida da população reduziu-se em pelo menos 5 anos, menos de uma década após o fim do socialismo. É sobre esse pano de fundo que a venda dos corpos de jovens como Aisha passam a ser um bom negócio, tanto para os Woodmen mundo afora quanto, especificamente, para elas próprias.

A face escondida da troca

Não devemos cair na tentação fácil de dizer que valores como a “dignidade da pessoa humana” impõem certos limites à troca mercantil, e que deveríamos retirar de Aisha a liberdade de vender seu corpo através de uma intervenção estatal proibitiva. Para compreender o verdadeiro problema, seria mais sensato, neste ponto, partir da premissa liberal segundo a qual Aisha age como um sujeito de direitos dono de sua própria vida e dotado de uma autonomia individual, que permite a ela vender seu corpo como faz qualquer trabalhador. A diferença é que, em vez de alugar seu rosto, como uma modelo regular, ou alugar sua voz, como uma telefonista, ou mesmo seu afeto, como uma babá, ela aluga sua imagem e sua atividade sexual. Em troca, pode receber um pagamento polpudo, que lhe permite comprar bens confortáveis e até mesmo – quem sabe – financiar os próprios estudos, o que o salário de uma funcionária terceirizada jamais permitiria. Longe de ser um ato de escravidão, Aisha pratica uma profunda liberdade contratual.

A questão, portanto, não é que Aisha tenha sido coagida a praticar uma violência contra si mesma. Embora esse tipo de barbárie também aconteça freqüentemente com milhões de mulheres por todo o globo, o mundomainstream da pornografia é regido por contratos muito precisos e advogados bastante competentes (inclusive formados em ótimas universidades), o que demonstra que eles são fruto do que há de mais esclarecido em nossa civilização – o império da lei e os direitos e garantias individuais. Nos castings de Woodman, as garotas realmente aceitam praticar sexo com ele diante de uma câmera em troca de dinheiro e sucesso. A questão, porém, é: quais foram as condições que as levaram a aceitar a sua proposta? Por que essas condições não aparecem no “casting” como parte da realidade que é mostrada? Se o mundo real é tão excitante, por que não mostrar os pais, ou tios ou amigos alcoólatras dessas jovens, que só na Rússia perfazem 6 milhões – e, desses, pelo menos 54 mil menores de 14 anos? Ou a história de como suas mães perderam seus empregos, ou de como a cobertura de saúde e a educação simplesmente se esfacelaram durante a década de 90? Por que os vídeos não trazem relatos sobre a parte sofrida de suas vidas? O sofrimento não faz parte da realidade?

Só podemos concluir que o “real” dos castings, limitado ao que pode ser excitante para o consumidor, mostra ser ele próprio uma ficção, mas muito mais verossímil que um filme pornográfico convencional, porque parece retratar os fatos “como eles são”. Essa “realidade” faz a devassidão parecer voluntária, uma vez que, de antemão, o espectador já assumiu que a vontade da garota de transar diante da câmera é “verdadeira” e que independe, portanto, de contextos materiais, necessidades ou algo do tipo – é como se, ao assistir o vídeo, os consumidores pensassem: “essas garotas é que são doidas e transam por dinheiro porque querem; por isso, nós podemos consumir os filmes sem culpa”. Não é esse, no fundo, o protótipo do argumento liberal por excelência? O patrão quer contratar o empregado, o empregado quer o emprego; a empresa quer os consumidores, os consumidores querem os produtos da empresa; a “atriz” quer o dinheiro de Woodman, e Woodman quer comprar o corpo das atrizes. Todos lucram no final, pois o caixa do supermercado e o frentista ganham seus empregos, o patrão ganha o lucro e nós, consumidores, ganhamos um bom serviço. Cumpre-se, assim, aquele paradoxo – ou seria paralaxe? – do capital: a troca, em si, ocorre sem violência e coação, mas a vida imediatamente antes e depois da troca é plena de violência e coação, de modo que o mercado, espaço em que as trocas se realizam, aparece como o verdadeiro reino da liberdade…

Esse nível mais fundamental da ideologia (exempilficado na “vontade livre” de Aisha), que já preexiste na consciência dos consumidores dos vídeos de Woodman, é precisamente o nível mais perigoso. Escapar dele leva-nos a ter de assumir uma posição prática diante do problema, isto é, a querer compreender a totalidade das relações sociais que sustentam aquela situação, lançando fora a confortável idéia da “autonomia da vontade”. Se nos damos conta do fato de que uma menina de 18 anos que nunca saiu de seu país – e talvez de sua cidade – não pode compreender o que significa entrar para a pornografia mundial enquanto conversa tranquilamente em um quarto de hotel, temos consciência de que existe um grande sistema de relações sociais montado para que isso aconteça, e mais: montado para que essas relações permaneçam ocultas tanto para Aisha (até que seja tarde demais, pelo menos) quanto para o consumidor final.

A prova de ferro, aqui, é entender que, apesar de o orgasmo de Aisha ser “real”, seu verdadeiro sentido só pode ser dado pelo conjunto mais amplo de relações sociais em que ele acontece. Aisha não está momentaneamente transando por dinheiro com um homem em um quarto de hotel, mas diante das câmeras e dos olhos de milhões de pessoas, dando origem a um vídeo que será reproduzido por anos a fio e gerará muito lucro ao seu parceiro; não é apenas uma moça que transa com um homem mais velho, mas uma jovem de 18 anos sem expectativas de futuro que transa com um experiente aliciador, integrante de um ramo de negócios que movimenta 13 bilhões de dólares ao ano nos EUA. Seu belo corpo foi construído pela luta – traída e desfigurada, mas ainda luta – de gerações de trabalhadores de todo o mundo, que sonhavam com que seus filhos e filhas não precisassem se vender ao capital – não apenas sexualmente, mas também física e emocionalmente. Quando Woodman se deita com ela em um quarto de hotel, não é ele, mas o capital que lhe apalpa os seios, lhe puxa os cabelos e a sodomiza; é o capital que, triunfante, expõe-na a todos os olhos do mundo feito um pedaço de carne, anunciando a toda a classe trabalhadora o que reserva para suas filhas e netas, enquanto perdurar seu reino.

SEM RESPONSABILIDADE SOCIAL: Segurança do Trabalho não é prioridade para empresários

Segurança do Trabalho não é prioridade para empresários

Dados oficiais fornecidos pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil (Sintracon) revelam que durante todo o ano de 2008 foram registrados 48.997 acidentes. Em 2009, quando a economia padecia os efeitos da crise mundial do capitalismo, o número subiu para 58.230, o que indica um crescimento de aproximadamente 15%. Os números podem ser ainda maiores se levarmos em conta que muitos acidentes, especialmente os das empresas informais, não são comunicados.

Por Mariana Viel

De acordo com o técnico e professor em Segurança do Trabalho, Antônio José de Oliveira, a construção civil ocupa o terceiro lugar no ranking dos setores econômicos brasileiros com maior índice de acidentes. Ele afirma que em muitas empresas a segurança do trabalho ainda é tratada como um gasto desnecessário.


Segurança não dá lucro

“Os empresários insistem no conceito ultrapassado de que os investimentos com segurança não trazem retorno”, explica. A desinformação é outro fator apontado pelo professor. “Muitas vezes nós falamos sobre a necessidade do uso de equipamentos básicos de segurança e percebemos que nem os trabalhadores, nem as pessoas que os contratam conhecem as exigências”.
O desconhecimento das normas de segurança não exime os empresários da responsabilidade. A utilização dos equipamentos determinados na Norma Regulamentar nº18 (Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – NR 18) publicada através de uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego é obrigatória.
“Tudo que acontece com o funcionário é responsabilidade de quem o contratou. Os custos de uma ação judicial contra o empregador são infinitamente maiores do que o investimento para cumprir as regras de segurança” adverte.

Jornadas extenuantes
O técnico e professor de segurança alerta também para a complexidade dos ferimentos sofridos pelos trabalhadores do setor. “É uma situação bastante preocupante porque, geralmente, são acidentes de muita gravidade. Se for manuseada sem a proteção específica para a lâmina, uma serra circular pode facilmente mutilar a mão de uma pessoa”.
Para o presidente do Sintracon, Antônio de Souza Ramalho, os acidentes também são impulsionados pelo excesso de carga horária e falta de qualificação profissional. “É preciso haver um limite e um controle eficiente das horas trabalhadas. Ao longo do dia o trabalhador começa a perder os reflexos e riscos de acidentes aumentam bastante”.
Mesmo com a elevação dos acidentes, o número de mortes nos canteiros de obras caiu. Em 1995, foram registradas em todo o estado de São Paulo 138 vítimas fatais. Em 2008, esse número caiu para sete mortes, e no ano passado subiu a 23.
Muitos acidentes acontecem em obras de pequeno e médio porte ou em situação clandestina. Um empresário do ramo, que prefere não se identificar, explica que nesses casos a falta de fiscalização dos órgãos responsáveis abre caminho para as irregularidades.
“Se eu tenho certeza que nada vai interferir no meu trabalho, não há razão para gastar dinheiro com coisas desnecessárias. Esse é um pensamento comum em obras de pequeno porte”.

Conscientização e segurança
Na tentativa de tentar reduzir o número de acidentes e mortes no setor da construção, Ramalho diz que o sindicato tem realizado constantes campanhas de conscientização para informar os trabalhadores sobre os riscos dos acidentes.
A ação do sindicato inclui a divulgação de cartazes, a realização de palestras e encenação de peças teatrais sobre o assunto. “O grande problema é que muitos trabalhadores pensam que as tragédias acontecem apenas com os outros. Acidentes nunca acontecem por acaso, eles são sempre provocados”.
Há mais de 25 anos no mercado da construção, o empresário e engenheiro civil, Ildelfonso Octavio Severino Garcia, orgulha-se em afirmar que o índice de acidentes nas obras executadas por sua equipe é zero.
“Durante todos esses anos no setor da construção, nunca tivemos registros de nenhum acidente grave. Seguimos à risca as exigências da Segurança do trabalho com os chamados equipamentos de proteção individual (luvas, botas, capacetes, cintos de segurança, óculos, máscaras). Em locais de alta periculosidade também são utilizados todos os equipamentos específicos para essas áreas”.
A conscientização pode ser encarada como a principal arma contra os acidentes na construção civil. O eletricista Uilton Nunes Ferreira – que já participou de cursos de segurança do trabalho – afirma que diante de qualquer situação que possa oferecer risco, opta por não executar a tarefa.
“Como eu conheço as normas de segurança, não faço nada que possa provocar um acidente. Se acho que determinado serviço vai oferecer qualquer tipo de risco, explico para o engenheiro ou responsável da obra que aquilo que está sendo pedido não pode ser feito daquela maneira”.
Uilton não dispensa também os equipamentos de segurança. Ele explica que sua responsabilidade afeta ainda a integridade física dos companheiros de serviço. “Tenho a obrigação de avisar meus colegas, quando alguma coisa está errada. Se vejo alguma situação errada tenho que falar com eles e pedir para que todas as normas sejam cumpridas”.

Link: http://www.vermelho.org.br/construcaocivil/noticia.phpid_noticia=130296&id_secao=255

Iluminação pública por energia eólica e solar

POSTE DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 100% ALIMENTADO POR ENERGIA EÓLICA E SOLAR


 

Cem por cento limpeza 

Por GEVAN OLIVEIRA


Empresário cearense desenvolve o primeiro poste de iluminação pública 100% alimentado por energia eólica e solar

 
 


 

Não tem mais volta.

As tecnologias limpas – aquelas que não queimam combustível fóssil – serão o futuro do planeta quando o assunto for geração de energia elétrica. E, nessa onda, a produção eólica e solar sai na frente, representando importantes fatias na matriz energética de vários países europeus, como Espanha, Alemanha e Portugal, além dos Estados Unidos. Também está na dianteira quem conseguiu vislumbrar essa realidade, quando havia apenas teorias, e preparou-se para produzir energia sem agredir o meio ambiente. No Ceará, um dos locais no mundo com maior potencial energético (limpo), um 'cabeça chata' pretende mostrar que o estado, além de abençoado pela natureza, é capaz de desenvolver tecnologia de ponta.


 

O professor Pardal cearense é o engenheiro mecânico Fernandes Ximenes, proprietário da Gram-Eollic, empresa que lançou no mercado o primeiro poste de iluminação pública 100% alimentado por energias eólica e solar. Com modelos de 12 e 18 metros de altura (feitos em aço), o que mais chama a atenção no invento, tecnicamente denominado de Produtor Independente de Energia (PIE), é a presença de um avião no topo do poste.

Feito em fibra de carbono e alumínio especial – mesmo material usado em aeronaves comerciais –, a peça tem três metros de comprimento e, na realidade, é a peça-chave do poste híbrido. Ximenes diz que o formato de avião não foi escolhido por acaso. A escolha se deve à sua aerodinâmica, que facilita a captura de raios solares e de vento. "Além disso, em forma de avião, o poste fica mais seguro. São duas fontes de energia alimentando-se ao mesmo tempo, podendo ser instalado em qualquer região e localidade do Brasil e do mundo", esclarece.

Tecnicamente, as asas do avião abrigam células solares que captam raios ultravioletas e infravermelhos por meio do silício (elemento químico que é o principal componente do vidro, cimento, cerâmica, da maioria dos componentes semicondutores e dos silicones), transformando-os em energia elétrica (até 400 watts), que é armazenada em uma bateria afixada alguns metros abaixo. Cumprindo a mesma tarefa de gerar energia, estão as hélices do avião. Assim como as naceles (pás) dos grandes cata-ventos espalhados pelo litoral cearense, a energia (até 1.000 watts) é gerada a partir do giro dessas pás.

Cada poste é capaz de abastecer outros três ao mesmo o tempo. Ou seja, um poste com um "avião" – na verdade um gerador – é capaz de produzir energia para outros dois sem gerador e com seis lâmpadas LEDs (mais eficientes e mais ecológicas, uma vez que não utilizam mercúrio, como as fluorescentes compactas) de 50.000 horas de vida útil dia e noite (cerca de 50 vezes mais que as lâmpadas em operação atualmente; quanto à luminosidade, as LEDs são oito vezes mais potentes que as convencionais). A captação (da luz e do vento) pelo avião é feita em um eixo com giro de 360 graus, de acordo com a direção do vento.

À prova de apagão

Por meio dessas duas fontes, funcionando paralelamente, o poste tem autonomia de até sete dias, ou seja, é à prova de apagão. Ximenes brinca dizendo que sua tecnologia é mais resistente que o homem: "As baterias do poste híbrido têm autonomia para 70 horas, ou seja, se faltarem vento e sol 70 horas, ou sete noites seguidas, as lâmpadas continuarão ligadas, enquanto a humanidade seria extinta porque não se consegue viver sete dias sem a luz solar".


 

O inventor explica que a idéia nasceu em 2001, durante o apagão. Naquela época, suas pesquisas mostraram que era possível oferecer alternativas ao caos energético. Ele conta que a caminhada foi difícil, em função da falta de incentivo – o trabalho foi desenvolvido com recursos próprios. Além disso, teve que superar o pessimismo de quem não acreditava que fosse possível desenvolver o invento. "Algumas pessoas acham que só copiamos e adaptamos descobertas de outros. Nossa tecnologia, no entanto, prova que esse pensamento está errado. Somos, sim, capazes de planejar, executar e levar ao mercado um produto feito 100% no Ceará. Precisamos, na verdade, é de pessoas que acreditem em nosso potencial", diz.

Mas esse não parece ser um problema para o inventor. Ele até arranjou um padrinho forte, que apostou na idéia: o governo do estado. O projeto, gestado durante sete anos, pode ser visto no Palácio Iracema, onde passa por testes. De acordo com Ximenes, nos próximos meses deve haver um entendimento entre as partes. Sua intenção é colocar a descoberta em praças, avenidas e rodovias.

O empresário garante que só há benefícios econômicos para o (possível) investidor. Mesmo não divulgando o valor necessário à instalação do equipamento, Ximenes afirma que a economia é de cerca de R$ 21.000 por quilômetro/mês, considerando-se a fatura cheia da energia elétrica. Além disso, o custo de instalação de cada poste é cerca de 10% menor que o convencional, isso porque economiza transmissão, subestação e cabeamento. A alternativa teria, também, um forte impacto no consumo da iluminação pública, que atualmente representa 7% da energia no estado. "Com os novos postes, esse consumo passaria para próximo de 3%", garante, ressaltando que, além das vantagens econômicas, existe ainda o apelo ambiental. "Uma vez que não haverá contaminação do solo, nem refugo de materiais radioativos, não há impacto ambiental", finaliza Fernandes Ximenes.

Vento e sol
Com a inauguração, em agosto do ano passado, do parque eólico Praias de Parajuru, em Beberibe, o Ceará passou a ser o estado brasileiro com maior capacidade instalada em geração de energia elétrica por meio dos ventos, com mais de 150 megawatts (MW). Instalada em uma área de 325 hectares, localizada a pouco mais de cem quilômetros de Fortaleza, a nova usina passou a funcionar com 19 aerogeradores, capazes de gerar 28,8 MW. O empreendimento é resultado de uma parceria entre a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a empresa Impsa, fabricante de aerogeradores. Além dessa, a parceria prevê a construção de dois outros parques eólicos – Praia do Morgado, com uma capacidade também de 28,8 MW, e Volta do Rio, com 28 aerogeradores produzindo, em conjunto, 42 MW de eletricidade. Os dois parques serão instalados no município de Acaraú, a 240 quilômetros de Fortaleza.Se no litoral cearense não falta vento, no interior o que tem muito são raios solares. O calor, que racha a terra e enche de apreensão o agricultor em tempos de estiagem, traz como consolo a possibilidade de criação de emprego e renda a partir da geração de energia elétrica. Na região dos Inhamuns, por exemplo, onde há a maior radiação solar de todo o país, o potencial é que sejam produzidos, durante o dia, até 16 megajoules (MJ – unidade de medida da energia obtida pelo calor) por metro quadrado.

Essa característica levou investidores a escolher a região, especificamente o município de Tauá, para abrigar a primeira usina solar brasileira. O projeto está pronto e a previsão é que as obras comecem no final deste mês (abr10). O empreendimento contará com aporte do Fundo de Investimento em Energia Solar (FIES), iniciativa que dá benefícios fiscais para viabilizar a produção e comercialização desse tipo de energia, cujo custo ainda é elevado em relação a outras fontes, como hidrelétricas, térmicas e eólicas.

A usina de Tauá será construída pela MPX – empresa do grupo EBX, de Eike Batista – e inicialmente foi anunciada com uma capacidade de produção de 50 MW, o que demandaria investimentos superiores a US$ 400 milhões. Dessa forma, seria a segunda maior do mundo, perdendo apenas para um projeto em Portugal. No entanto, os novos planos da empresa apontam para uma produção inicial de apenas 1 MW, para em seguida ser ampliada, até alcançar os 5 MW já autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os equipamentos foram fornecidos pela empresa chinesa Yingli.

Segundo o presidente da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Antônio Balhmann, essa ampliação dependerá da capacidade de financiamento do FIES. Aprovado em 2009 e pioneiro no Brasil, o fundo pagaria ao investidor a diferença entre a tarifa de referência normal e a da solar, ainda mais cara. "A energia solar hoje é inviável financeiramente, e só se torna possível agora por meio desse instrumento", esclarece. Ao todo, estima-se que o Ceará tem potencial de geração fotovoltaica de até 60.000 MW.

Também aproveitando o potencial do estado para a energia solar, uma empresa espanhola realiza estudos para definir a instalação de duas térmicas movidas a esse tipo de energia. Caso se confirme o interesse espanhol, as terras cearenses abrigariam as primeiras termossolares do Brasil. A dimensão e a capacidade de geração do investimento ainda não estão definidas, mas se acredita que as unidades poderão começar com capacidade entre 2 MW a 5 MW.

Bola da vez

De fato, em todas as partes do mundo, há esforços cada vez maiores e mais rápidos para transformar as energias limpas na bola da vez. E, nesse sentido, números positivos não faltam para alimentar tal expectativa. Organismos internacionais apontam que o mundo precisará de 37 milhões de profissionais para atuar no setor de energia renovável até 2030, e boa parte deles deverá estar presente no Brasil. Isso se o país souber aproveitar seu gigantesco potencial, especialmente para gerar energias eólica e solar. Segundo o Estudo Prospectivo para Energia Fotovoltaica, desenvolvido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o dever de casa no país passa, em termos de energia solar, por exemplo, pela modernização de laboratórios, integração de centros de referência e investimento em desenvolvimento de tecnologia para obter energia fotovoltaica a baixo custo. Também precisará estabelecer um programa de distribuição de energia com sistemas que conectem casas, empresas, indústria e prédios públicos.

"Um dos objetivos do estudo, em fase de conclusão, é identificar as oportunidades e desafios para a participação brasileira no mercado doméstico e internacional de energia solar fotovoltaica", diz o assessor técnico do CGEE, Elyas Ferreira de Medeiros. Por intermédio desse trabalho, será possível construir e recomendar ações estratégicas aos órgãos de governo, universidades e empresas, sempre articuladas com a sociedade, para inserir o país nesse segmento. Ele explica que as vantagens da energia solar são muitas e os números astronômicos. Elyas cita um exemplo: em um ano, a Terra recebe pelos raios solares o equivalente a 10.000 vezes o consumo mundial de energia no mesmo período.

O CGEE destaca, em seu trabalho, a necessidade de que sejam instituídas políticas de desenvolvimento tecnológico, com investimentos em pesquisa sobre o silício e sistemas fotovoltaicos. Há a necessidade de fomentar o desenvolvimento de uma indústria nacional de equipamentos de sistemas produtivos com alta integração, além de incentivar a implantação de um programa de desenvolvimento industrial e a necessidade de formação de profissionais para instalar, operar e manter os sistemas fotovoltaicos.

Fonte: Revista Fiec