Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de março de 2010

STJ REDUZ CONDENAÇÃO DE HONORÁRIOS POR SUCUMBÊNCIA DA BRASIL TELECOM

A notícia abaixo informa que o E. STJ reformou decisão do TJ gaúcho, reduzindo a condenação do sucumbente (perdedor da causa) nas verbas honorárias, de 10% sobre o valor da causa para parcos R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Parcos porque a causa é de R$ 6 milhões, sendo este o valor original da ação, sem correção e juros.
Consultando o processo no E. STJ (REsp n. 1136928/RS), trata-se de recurso especial decorrente da interposição de agravo de instrumento. E, por incrível que pareça, o A.I. é da parte exeqüente, i.e., do credor, pois seu pedido de arbitramento de honorários foi indeferido, tendo sido fixado pelo TJ gaúcho em sede do A.I. interposto.
Desta forma, podemos deduzir que não se trata de desrespeito à coisa julgada, pois a sentença que reconheceu o direito de indenização não deve conter os ônus da sucumbência, muito menos  o percentual para tanto.
Quanto a redução, entendemos que o E. STJ incorreu em equívoco, pois o § 3º do art. 20 do CPC prevê que a condenação em honorários por sucumbência será entre 10% e 20%, ainda que submetido aos critérios das alíneas "a", "b" e "c" do mesmo parágrafo.
É lei. Deve ser respeitada, por mais dolorida que seja para o vencido e por mais que provoque ciúmes nos juízes, como sói ocorrer na Justiça Comum, tanto estadual quanto federal.
A condenação em R$ 70 mil representa apenas 1,166666% do valor da causa.
E 10% de R$ 6.126.632,71 não seriam nunca R$ 1.054.719,68, mas tão somente R$ 612.663,71.
Em outras palavras, ter êxito no Brasil é proibido.
Aliás, é de se estranhar a decisão abaixo, pois a jurisprudência do E. STJ é pacífica quanto a esse assunto, reformando as esdrúxulas sentenças da JF neste aspecto.
O que me parece estar por trás nesse caso é a força do lobby da Brasil Telecom, diga-se, de Daniel Dantas,  Oi/Telemar, o novo sócio e novo milionário do Brasil - o filho do presidente Lula, e deve ter mais gente na fila dos interesses.
E os tribunais superiores ainda querem se equiparar aos tribunais internacionais, como as cortes superiores estaduais americanas e a própria Suprema Corte dos EUA?
Com dois pesos e duas medidas?
Eles (ministros) ainda não entenderam ou não querem entender que justiça séria é justiça cara para quem lesa o direito de outrem, porque obriga o lesado a ter que ir ao tribunal para que seu direito seja respeitado ou volte ao status quo ante?
Se a Brasil Telecom estivesse diante de um país sério e uma justiça séria, ela sequer teria cogitado em lesar os acionistas, obrigando-os a ter que ir às barras do tribunal.
Ademais, em país sério, ela teria levado multa muito maior pelo órgão de fiscalização.
Doeu? Achou cara a condenação em honorários? Não pratique o antijurídico. Saiba que as conseqüências serão duras.
Mas, no nosso País, punibilidade, seja no âmbito penal ou de outra seara, não é nosso forte. Nosso forte, herança portuguesa, é passar a mão na cabeça dos meninos levados.
De resto, vê-se concretizado nesse episódio o quanto ainda somos adolescentes em questões que tais, e que o Brasil continua sendo a terra da aventura e da fortuna, para que tem dinheiro, é claro, e para quem sabe jogar com o poder, consciente quanto a velha cultura jurídica herdada de Portugal: "lesemos os outros, pois, se alguém reclamar ou for justiçado, indenizaremos ao tempo e modo como escolhermos" .
O Brasil ainda possui o mesmo raciocínio jurídico em seu sistema vigente.
É o nosso grande percalço, por isso nossa justiça é claudicante, pois em razão de tal forma de pensar o jurídico, em como regrar o relacionamento entre as pessoas, é que faz com que nossa justiça seja reativa.
E não estamos nos referindo exclusivamente ao Poder Judiciário em si, mas em todo o complexo do Estado que representa a justiça: Ministérios, Secretarias, Polícias, Agências Reguladoras, Fiscalização, e, por fim o Judiciário, que deveria ser a última instância a ser provocada.
Exemplo de como funciona nosso raciocínio jurídico social, de nossa cultura social quanto aos relacionamentos, de como nos comportamos na matéria de respeitar ao próximo: "se o avião da Tam cair, não tem problema, pois terão que indenizar"
Em razão desse modo de pensar o jurídico enquanto valor social, nós não somos comprometidos com a fiscalização. É tudo um faz de conta.
A questão é que vidas morrem, potenciais de desenvolvimento humano morrem, gênios e inteligências morrem, e o País todo perde.
As empresas ou responsáveis, diante dessa regra ínsita ao nosso sistema jurídico, indenizam quanto e quando quiser. Idem para o Estado que paga suas responsabilidades com precatório.
São coisas que só existem aqui.
É o total descaso do Estado como ser que deveria administrar a sociedade.
Nosso Estado e seu organismo administrativo funciona sob a regência do cinismo. É um estado cínico, no sentido filosófico.
Publiquei em recente artigo sobre a origem histórica do duplo grau de jurisdição:
"Nos países modernos, eficiência na justiça é também uma prática processual cara para quem descumpre a lei ou lesa o direito de outrem."
O Brasil terá avanço econômico e continuará sendo um vale fértil para aventuras financeiras, mas a essência jurídica demorará mais uns 5 séculos, se isso vier a acontecer, até que nos desfaçamos da herança da cultura portuguesa de interagir com e expedir as normas jurídicas que regram a sociedade.

Fraternalmente, João Damasceno.

DECISÃO
STJ reduz honorários de mais de R$ 1 milhão para R$ 70 mil

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu de R$ 1 milhão para R$ 70 mil o valor dos honorários advocatícios devidos pela Brasil Telecom S/A em processo que teve execução original fixada em mais de R$ 6 milhões. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia arbitrado os honorários em 10% sobre o valor da execução.
O caso julgado é resultado de ação ordinária que condenou a Brasil Telecom à complementação de subscrição de ações decorrente de contrato de participação financeira e ao pagamento dos dividendos relativos às ações complementares. Com o trânsito em julgado da decisão, a parte autora requereu a execução do valor devido (R$ 6.126.632,71) e o arbitramento de honorários.
A empresa recorreu ao STJ, sustentando ofensa ao artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil, uma vez que os honorários advocatícios foram fixados em valor exorbitante, visto que os 10% sobre o valor que se pretende executar representam, em valores atualizados, R$ 1.054.719,68.
Segundo o relator, ministro Sidnei Beneti, é indiscutível o entendimento de que os honorários são fixados pela apreciação equitativa do juiz, conforme determina o referido artigo. Entretanto, a jurisprudência do STJ admite sua revisão quando o valor fixado destoa da razoabilidade, revelando-se irrisório ou exagerado, o que se verifica no presente caso.
Para ele, embora o percentual tenha sido justificado pelo tribunal de origem em razão do trabalho e zelo profissional despendido pelo advogado para a efetivação da execução da sentença, o arbitramento da verba honorária em 10% sobre o valor total da execução fixada em maio de 2007 mostra-se exorbitante, pois gera, sem o cálculo de atualização, o montante aproximado de R$ 612 mil.
Assim, por unanimidade, a Turma concluiu que, diante da pouca complexidade da demanda, o valor de R$ 70 mil, a título de honorários advocatícios, mostra-se adequado para bem remunerar os advogados dos recorridos sem onerar em demasia o ora recorrente.

DA DESNECESSÁRIA APLICAÇÃO DA OJ 142 DO TST


A redação da orientação jurisprudencial n. 142 do E. TST está vazada nos seguintes termos:
"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. EFEITO MODIFICATIVO. VISTA À PARTE CONTRÁRIA. Inserida em 27.11.98.
ERR 91599/93, SDI-Plena
Em 10.11.97, a SDI-Plena decidiu, por maioria, que é passível de nulidade decisão que acolhe embargos declaratórios com efeito modificativo sem oportunidade para a parte contrária se manifestar."
Há uma nova entre os ilustres juízes da Justiça do Trabalho ao abrirem vistas às partes para que se manifestem sobre embargos de declaração, em face do quanto prevê a OJ n. 142 da SDI-I do E. TST, sob o pálio de atender o princípio do contraditório.
Concessa venia, a aplicação da OJ n. 142 do E. TST se revela como desnecessária ao iter processual.
Não há previsão na lei processual para tanto, exceto quanto aos embargos infringentes, e que se dá em sede de tribunal.
A rigor, todos embargos de declaração possuem capacidade modificativa, acaso acolhido, conforme inteligência do art. 463 – II do CPC.
Saliente-se ainda que a simples oposição de embargos de declaração não é caso de observância dos artigos 397 e 398 do CPC. Exceto se fizesse juntada de novos documentos, sob a alegação de impedimento por força maior, hipótese análoga a do art. 517 do CPC.
Desta forma, ainda que de bom alvitre, não há necessidade processual e legal de se manifestar sobre embargos de declaração opostos pela parte, pois o Juízo já encerrou o seu ofício de condução do processo de conhecimento ou de fase recursal.
Ademais, mesmo compreendendo a capacidade modificativa inerente aos embargos de declaração, a possível modificação está restrita aos limites do processo, fixados pela inicial e pela defesa, ou pelo recurso que confere efetividade ao efeito da devolução dos temas propostos nos autos, pois vedado é ao juiz decidir sobre matéria que não lhe foi oposta (art.128 do CPC).
Sendo assim, não haveria nada de novo no processo, nenhuma inovação no direito substantivo ou adjetivo, visto que todas as hipóteses jurídicas são de pleno conhecimento das partes. E, eventual decisão acolhendo os embargos de declaração opostos, seja no caso de omissão, contradição ou obscuridade, não traria nenhuma novidade processual para a parte contrária, mas apenas reconduziria o processo ao limite do quanto fora proposta pela inicial e circunvalado pela defesa, bem como pelo quanto postulado em sede de recurso.
Quaisquer outras discrepâncias jurídicas, se por acaso cometidas pela sentença, somente poderiam ser modificadas pelo recurso apropriado, devolvendo-se a matéria à instância superior.
Destarte, a OJ n. 142 da SDI-I do E. TST se mostra contrária a lei processual, à economia e à celeridade processual, e em especial quanto aos princípios que norteiam o processo do trabalho.
A OJ 142 do E. TST se mostra como excesso do formalismo processual e um pseudo atendimento do princípio do contraditório, dando-lhe interpretação equivocada, carecendo de se iniciar os debates pela sua rejeição e não aplicação, tendo em vista que labora contra o inc. LXXVIII do art. 5º da CF/88.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. SUA HISTÓRIA E OBJETIVOS


O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. SUA HISTÓRIA E OBJETIVOS

Há tempos que desejava escrever esse breve comentário sobre o duplo grau de jurisdição, seu registro histórico e sobre a função dessa garantia em um estado democrático de direito.
Encontrei um registro histórico dos mais belos, no livro mais que especial, que nos educa para a vida e é essencial para aqueles que lidam com o Direito.
O registro histórico primário que se tem notícia e mais antigo está contido no II Livro das Crônicas dos reis de Israel, cap. 19, a partir do verso 4, do chamado Velho Testamento, e possui data em torno de 800 anos antes de Cristo.
Aconselhamos a leitura, para quem desejar conferir, da versão bíblica revista e atualizada (RA), pois está em conformidade com a penúltima reforma ortográfica, a de 1975, derivada do acordo entre Brasil e Portugal, contendo um linguajar mais contemporâneo. Informo ainda que a versão a que me refiro é a chamada versão protestante.
O texto está consignado abaixo e peço a atenção para leitura dos parágrafos destacados em azul.
Poucos autores, seja pela razão do desconhecimento, seja por terem ojeriza ao Livro Sagrado, não fazem citação aos textos bíblicos como referência para o Direito em seus trabalhos acadêmicos. Exceção, de memória, ao ilustre Goffredo Telles Júnior(1), recentemente falecido. Uma pena...
Considerando que Montesquieu somente pôde escrever seu "Espírito das Leis" após casar-se com uma mulher rica, Jeanne Lartigue, protestante, passando então a receber ao sobrenome e a ser o Barão de Montesquieu, pois, apesar de ter estudado junto ao Clero, como somente era possível antes da reforma protestante, sua formação com influência iluminista já o fazia ferrenho crítico do absolutismo e do clero católico, ao passo em que pôde identificar nas Escrituras o exemplo da administração do estado sob a regência da lei e com divisão do poder, cujas personagens bíblicas são: o rei (executivo e com função de juiz), o corpo de sacerdotes (com função de legislador e de judicatura), e o profeta, que funcionava como o poder moderador.
Os juristas alemães afirmam que Israel é a primeira nação da história humana que possuía uma Constituição, já conhecia e convivia com o Dir. Constitucional. É o primeiro estado constitucional da história.
É verdade. Os mandamentos dados a Moisés, que não se limitaram aos conhecidos 10 mandamentos(2), são na realidade uma Constituição, pois nos textos da chamada "Torá", como os israelitas chamam o livro da lei, no conjunto de livros que conhecemos como Pentateuco, que é a reunião dos 5 primeiros livros da Bíblia(3), encontramos regras sobre Dir. do Estado, Dir. Financeiro, incluindo o embrião do imposto de renda: o dízimo, Dir. Civil (casamento, divórcio, contratos, juros), Dir. Penal, Dir. Trabalho, Dir. Previdenciário e Assistência Social, da Guerra, Dir. Sanitário, Relações Exteriores, dentre outros.
É um deleite encontrar na Bíblia as referências que ainda embasam o Direito moderno, especialmente nas questões dos direitos humanos. Melhor dizendo, o avanço de hoje tem por nascedouro os preceitos bíblicos.
Em avanço quanto a esta introdução, passemos à leitura do registro contido no II Livro das Crônicas quanto ao duplo grau de jurisdição, e mais, a divisão das competências em razão da matéria, verbis:
II Livro das Crônicas, cap. 19, vers. 4 e seguintes:
"Nomeação dos juízes
4 - Habitou, pois, Josafá em Jerusalém; e tornou a passar pelo povo desde Berseba até a região montanhosa de Efraim, e fez com que tornassem ao Senhor, Deus de seus pais.
5 - E estabeleceu juízes no país, em todas as cidades fortificadas, de cidade em cidade.
6 - E disse aos juízes: Vede o que fazeis, porque não julgais da parte do homem, e sim da parte do Senhor, e no julgardes Ele estará convosco.
7 - Agora, pois, seja o temor do Senhor convosco; tomai cuidado e fazei-o, porque não há no Senhor nosso Deus injustiça e nem parcialidade, nem aceita Ele suborno.
8 – Também, depois de terem voltado para Jerusalém, estabeleceu aí Josafá alguns dos levitas e dos sacerdotes, e dos chefes das famílias de Israel para julgarem da parte do Senhor e decidirem as sentenças contestadas.
9 - E deu-lhes ordem, dizendo: Assim andai no temor do Senhor, com fidelidade e inteireza de coração.
10 – Toda vez que vier a vós outros sentença contestada de vossos irmãos que habitam nas suas cidades: entre sangue e sangue, entre lei e mandamento, entre estatutos e juízos; admoestai-os, que não se façam culpados para com o Senhor, para que não venha grande ira sobre vós e sobre vossos irmãos. Fazei assim e não vos tornareis culpados.
11 - E eis que Amarias, o sumo sacerdote, presidirá nas coisas que dizem respeito ao Senhor; e Zebadias, filho de Ismael, principal da casa de Judá, nas que dizem respeito ao rei. Também os levitas serão oficiais à vossa disposição. Sede fortes no cumprimento disso, e o Senhor será com os bons." (Sublinhamos).

Observem que no verso 5 do texto o rei estabelece juízes nas cidades mais importantes para o reino, as cidades fortificadas, cujo objetivo era a defesa dos invasores.
Após realizar a campanha administrativa pelas cidades, o rei retorna a Jerusalém e como conclusão da reforma administrativa, estabelece um tribunal (verso 8), indicando os levitas, sacerdotes e principais (príncipes) das famílias para decidirem acerca das sentenças contestadas.
Encontramos aí, de forma subentendida, a indicação do registro estatal dos atos, a leitura e o estudo, a escrita, o procedimento, o potencial para desenvolvimento de um país.
Que significa o modelo informado? O rei compôs um tribunal para re-decidir sobre as sentenças proferidas pelos juízes estabelecidos nas cidades fortificadas, ou seja, trata-se do recurso, da instalação do duplo grau de jurisdição, da instância de 2º grau.
O verso 10 do texto indica quais seriam as matérias possíveis quanto a competência do tribunal estabelecido em Jerusalém: entre sangue e sangue, quer dizer matérias de Dir. Civil e Penal (contratos, compra e venda, homicídio, legítima defesa, vingança, lesões, acidentes, etc.); acerca dos mandamentos previstos na Lei (Torá) e mandamentos decorrentes (interpretações e jurisprudência, que compreendem o livro chamado de Talmude); e entre leis emanadas do próprio reinado, atos do executivo, indicando-nos o embrião do Dir. Administrativo, Fiscal, etc.
O verso 11 é ainda mais contundente e mais belo, o rei divide o tribunal em porções de competência. Uma turma, presidida por Amarias, cuidaria dos assuntos relacionados à Lei, a Torá (Civil, Penal, Trabalho, Previdenciário, etc.) e a outra Turma, presidida por Zebadias, cuidaria dos assuntos relacionados com os atos do rei, o embrião do Dir. Administrativo, em fase de recurso, pois comum naquela época a desapropriação para interesses pessoais do rei ou do seu exército, além de avocar para si fazendas, pomares, vinhas, produções, guarnições, mantimentos e concubinas.
É extremamente enriquecedor, belo, majestoso, elucidativo e uma experiência maravilhosa encontrar um texto tão rico em relação ao Direito, pois nos dá a exata noção das origens do Direito moderno. Realmente, somente Israel e seu povo guiado por Deus para ofertar tanta contribuição para o mundo, dentre tantos outros aspectos importantes: ciência, filosofia, matemática, medicina, física, química, biologia, literatura, finanças, direito, contabilidade, administração, história, dramaturgia, etc., até os dias de hoje.
Pois, encerrando essa introdução histórica, passemos ao comentário necessário do porque do duplo grau de jurisdição e seu real valor num estado democrático de direito.
No nosso sistema jurídico, o duplo grau de jurisdição, ou, o direito de acesso a uma jurisdição hierárquica para fins de revisão das decisões judiciais, encontra registro implícito na Constituição Federal de 1988, conforme os incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º, e que se transcrevem os mais diretos com o tema, verbis:

"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;" (Grifamos).

"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;" (Grifamos).

Há ainda os demais artigos constitucionais que contém ordem expressa para garantia de recursos ou nominam recursos específicos e com competência exclusiva de tribunais, como se vê nos artigos 92 à 126, a título de exemplo.
A garantia constitucional do acesso ao duplo grau de jurisdição se revela como desdobramento da linguagem expressa quanto a obrigatoriedade da observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
O Código nacional de ritos, o CPC(4), ratifica o direito e regra os tipos, modos e tempo dos recursos, assim como os seus requisitos. Demais leis esparsas, ao tratar de competência material específica (Dir. Proc. Penal, Dir. do Trabalho, Dir. Administrativo, Juizados, Execução Fiscal, etc.) também dão vazão ao comando constitucional da garantia de que toda decisão, judicial ou administrativa, comporta revisão por órgão hierárquico superior e colegiado.
Tal conceito advém também da perspectiva do nosso sistema jurídico que é o de conferir segurança jurídica aos atos, principiologia na qual se funda e que fornece o desdobramento da linguagem do Direito para todos os campos de sua incidência.
A segurança jurídica em nosso sistema é que dá suporte aos princípios mais importantes da Constituição, que confere o objetivo de vir a ser um estado democrático de direito, que são os princípios da liberdade e da igualdade.
Já discorremos em artigo anterior sobre a importância de tais princípios, conforme link:


Conforme prevê o inc. LV do art. 5º da CR, tem-se que todas as decisões judiciais comportam a possibilidade de revisão, mediante o recurso inerente.
Em matéria processual, os recursos para instância superior imediata possuem a nomenclatura técnica de recurso ordinário e os recursos para instância de 3º grau, para os tribunais superiores, com filtros e crivos de admissibilidade, possuem nomenclatura de recursos especiais.
Além da revisão do julgado, o recurso tem também por objetivo permitir o controle dos atos do juiz, a fim de afastar as arbitrariedades, os abusos, os erros, o ilícito.
Para um estado que propõe em seu seio o anseio por se tornar um verdadeiro estado democrático de direito, além de garantir e efetivar as estruturas para o respeito aos princípios da liberdade e da igualdade, deve garantir como desdobramentos dessas garantias primordiais, o direito aos cidadãos, quando litigantes, para que tenham acesso a que suas lides e pleitos sejam revistos por órgãos colegiados, de hierarquia superior e que tenha por atributo mais experiência no trato das matérias legais.
Esse estado, como garantia da publicidade e transparência dos seus atos enquanto prestador do serviço jurisdicional e por deter o monopólio de dizer o direito, visto ser vedado fazer justiça com as próprias mãos, deve ainda manter estrutura administrativa judiciária capaz e competente para instituir o duplo grau de jurisdição.
É evidente que esse mesmo estado deverá regrar as formas de acesso e os requisitos para admissão e revisão das decisões judiciais através dos recursos que visem o acesso ao duplo grau de jurisdição, a fim de que esta garantia não se torne uma banalidade e seja alvo de abusos dos que enchem os escaninhos da justiça, abusando dos recursos permitidos.
Nos países modernos, eficiência na justiça é também uma prática processual cara para quem descumpre a lei ou lesa o direito de outrem.
É do regime democrático, bem como do republicano, que as decisões judiciais ou administrativas comportem a possibilidade de revisão, mesmo que sob a faculdade do interessado, ou, em se tratando do direito da coletividade, seja feito de forma obrigatória, como vemos nos casos contra a administração pública lato sensu. Pois, do contrário, não estaríamos em um regime democrático e republicano, cuja gênese é permitir a discussão dos atos provenientes da sociedade ou provocados por esta, sob o ditame do princípio básico que é a liberdade.


[1] Iniciação na Ciência do Direito, São Paulo: Saraiva.
[2] Os 10 mandamentos são uma síntese de toda a lei dada, para melhor compreensão e assimilação do povo em seu cotidiano.
[3] Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
[4] Código de Processo Civil

Capital erótico: você tem?


Vejam: a teoria se de que o mundo é movido em razão da ambição humana pelo poder e sexo, e vice-versa, agora é tese acadêmica.
JD

REVISTA ÉPOCA
Capital erótico: você tem?
ter, 23/03/10
por Isabel Clemente
categoria Uncategorized
Você está satisfeito com sua formação acadêmica? Fala línguas, tem experiência, um currículo admirável para progredir na vida? E capital erótico, tem? Sabe usá-lo a seu favor?
"Capital erótico" é um termo novo criado por Catherine Hakim, socióloga da London School of Economics and Political Science, na defesa de uma quarta categoria de habilidades pessoais, ao lado de capital econômico, social e cultural. No estudo Capital Erótico, recém-publicado na European Sociological Review, Catherine explica sua proposta: "Beleza e sex appeal se tornaram valores individuais importantes em nossa moderna e sexualizada cultura, tão importantes quanto qualificações educacionais".
Para definir esse poder erotizante, a socióloga listou os principais componentes. Você verá que beleza até conta, mas não é fundamental porque há outras 5 ou 6 características igualmente importantes para chegar ao conjunto do poder erótico.
Como socióloga, Catherine busca definir esse aspecto intangível da interação social, uma combinação de atratividade física e social que torna algumas mulheres e alguns homens companhias admiradas e desejadas no meio que freqüentam, especialmente pelo sexo oposto.
"O capital erótico é uma commodity sobre a qual estudos econômicos e sociológicos têm se mantidos cegos, apesar de sua palpável, e cada vez maior, importância em todas as esferas da vida social", escreve a autora. "Pessoas que exibem capital erótico acima da média são mais persuasivas, e quase sempre vistas como mais honestas e competentes. É mais fácil para elas fazer amigos, conseguir empregos e casar. Elas ganham, em média, 15% a mais", diz a socióloga.
E sabe quem consegue tirar mais proveito disso? A mulher. Primeiro, porque as mulheres costumam se preocupar mais com a apresentação pessoal e usam a vaidade a seu favor, diz a estudiosa. O segundo motivo é o incentivo masculino à erotização. Como há várias pesquisas mundo afora que apontam a disparidade de interesse sexual entre os gêneros, especialmente na faixa etária acima dos 35 anos, as mulheres estão numa posição de serem mais "demandadas" pelos homens, por isso mesmo vistas também pela ótica do poder erótico.
Acreditar que mulheres bonitas e atraentes contam com essa "ajuda extra" para progredir na vida não é uma grande novidade, mas a pesquisadora afirma que é totalmente falacioso afirmar que elas usam do charme para compensar falta de outros quesitos, como inteligência e poder econômico. Pelo contrário, Catherine afirma que o poder erótico vem ganhando importância crescente no mercado de trabalho e que pode fazer pela sua vida profissional, seja você artista, político, profissional de mídia, diplomata ou executivo, tanto quanto uma boa formação acadêmica.
A boa notícia, para quem começou a ficar preocupado com esse "item" tão sutil do próprio currículo, é que, segundo essa nova teoria, "capital erótico requer talento e habilidade, mas pode ser treinado, desenvolvido e aprendido". A proposta da socióloga é um tanto revolucionária, porque pretende incorporar à Sociologia o estudo dessa característica que seduz, atrai, mas que, não raro, não sabemos explicar.
Os seis componentes do capital erótico, segundo a autora
Beleza: Esse é um conceito que varia no tempo e entre culturas, mas é essencialmente valorizado por todos. O conceito moderno enfatiza a fotogenia, o que leva a valorização de homens e mulheres de olhos grandes, lábios carnudos e pele bronzeada.
Atratividade sexual: Não tem a ver com a beleza clássica, mas sim com um corpo sexy. É preciso lembrar que sex appeal tem muito mais a ver com estilo e personalidade, com "seu jeito de estar no mundo". A beleza é facilmente captada numa foto, mas o jeito como a pessoa fala e se move, não. É desse aspecto que trata a atratividade sexual.
Atratividade social: é uma mistura de graça, charme e outros dotes sociais, como a habilidade para deixar o outro à vontade, feliz e com vontade de conhecer você, possivelmente, desejando você também.
Vivacidade: aqui também trata-se de um mix de condicionamento físico, energia social e bom humor.
Apresentação: o modo como você se veste, usa maquiagem, o estilo do cabelo e acessórios é o que dá a uma pessoa uma boa apresentação.
Sexualidade: Nessa categoria, estão incluídos competência sexual, energia, imaginação erótica e outras características de um (a) bom (boa) parceiro (a) sexual. Não tem a ver com libido e, por motivos óbvios, só pode ser definida em particular, e não no convívio social.
Fertilidade: essa característica, segundo a autora, só vale para mulheres e em certas culturas que enxergam dotes especiais nas mães de crianças saudáveis e bonitas.
O estudo Capital Erótico está disponível, em inglês, no site da European Sociological Review.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Divorciada aos 10 anos. A incrível história de uma menina chamada Nujood.

Divorciada aos 10 anos.

A incrível história de uma menina chamada Nujood.

Eliane Brum: ebrum@edglobo.com.br
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

Ela sai de casa para comprar pão para a família. É o único momento que terá. Seu coração bate tão forte e tão rápido que teme que o escutem. Deixa as ruas conhecidas e dirige-se à avenida. Nas mãos, tem o pouco dinheiro que a segunda esposa do pai botou em suas mãos, dinheiro ganho pedindo nas ruas. E o dinheiro do pão, também ganho pedindo nas ruas. Ela é a única criança sem acompanhante. Olha para o chão. Salta para dentro do ônibus junto com a multidão. Escapa.
Quando o ônibus a deixa nas ruas novamente, ela não sabe como vai atravessar a avenida de tráfego insano. Ela nunca fez isso antes. Ela nunca fez tanta coisa antes. Avista o táxi. E faz sinal, como viu sua irmã mais velha fazer um dia. Entra no táxi e diz: “Me leve ao tribunal”. O motorista estranha, mas nada diz. Na corte, há tanta gente, e ela não sabe a quem se dirigir. Então avista a mulher numa mesa e anuncia: “Quero falar com o juiz”.
A mulher faz muitas perguntas. Ela só repete: “Quero falar com o juiz”. Finalmente a mulher a leva até uma sala onde, ao longe, sentado atrás de uma mesa, ela vê um homem parecido com aqueles que viu na televisão do vizinho. Espera a sua vez pensando no mar que sonha conhecer. Ela tem um oceano inteiro na cabeça, como todas as crianças que precisam imaginar para vencer dias em que a sobrevivência é arrancada minuto a minuto. A sala se esvazia. É a sua vez. Ela se posta diante do juiz. Diz:
– Quero o divórcio.
Era 2 de abril de 2008. Em Sanaa, capital do Iêmen. Neste dia, Nujood Ali, uma menina de 10 anos, torna-se maior do que qualquer das lendas de sua infância brutalmente interrompida. Sozinha, metida no véu preto das mulheres casadas, ela atravessa um mundo para transformá-lo para sempre.
Sua história em livro, escrita com a ajuda de uma jornalista radicada em Beirute, Delphine Minoui, acaba de ter a versão em inglês lançada nos Estados Unidos – I am Nujood, Age 10 and Divorced (“Eu sou Nujood, 10 anos e divorciada” – Three Rivers Press, 2010).
O que me capturou na história de Nujood, além do extraordinário explícito, foi compreender que tipo de força moveu uma menina de 10 anos a vencer as ruas de uma cidade caótica e séculos de submissão para alcançar a mesa do juiz de um país muçulmano para pedir o divórcio. Quando fazem a ela a pergunta – como você foi capaz? –, a pequena Nujood apenas diz: “Eu não suportava mais”.
Era isso. Ela não suportava mais.
Olho para o globo na minha escrivaninha xerife – tenho um mini que levo a todos os lugares onde trabalho para nunca me esquecer que o mundo é grande e a pequenez não vale nem a pena nem a vida. Quero compreender melhor Nujood. O Iêmen é distante para mim.
As últimas notícias que ouvi sobre esse país tão longe de nós contavam que a Al Qaeda havia transferido sua base de operações terroristas para lá. No passado, os romanos chamavam a região de “Arábia Feliz”, porque suas terras eram as mais férteis e irrigadas da desértica península arábica. A rica rainha de Sabá, citada na Bíblia, era dessa terra solar.
A região teve muitos conquistadores, de turcos otomanos a britânicos. O Iêmen do Norte tornou-se republicano nos anos 60 e sofreu uma sucessão de golpes militares durante os 70. Na mesma época, o Iêmen do Sul tornou-se o único estado comunista do Oriente Médio. Apenas em 1990 o Iêmen fundiu-se em uma só nação, até hoje assolada por conflitos separatistas que já geraram mais de 150 mil refugiados.
Não por acaso a Al Qaeda acha que é uma boa idéia se estabelecer nesse país convulsionado de 23,6 milhões de habitantes: além de preencher os requisitos geográficos, 41% da população é analfabeta, quase metade vive abaixo da linha de pobreza e o desemprego atinge um quarto da força de trabalho.
Nujood é filha de uma dessas famílias abaixo da linha de pobreza. Migrou para a capital, Sanaa, com seus pais e irmãos, depois de serem expulsos de sua aldeia no campo em uma desavença que envolveu o estupro de uma das irmãs mais velhas. Na cidade, o pai perdeu o emprego e não conseguiu outro, os filhos passaram a vender bugigangas e a pedir esmolas nas avenidas, como fazem a maioria de seus vizinhos. Apesar de seu país ter um presidente e uma legislação unificada, o mundo de Nujood é ainda aquele que se curva à tradição e ao poder dos chefes locais. A força dos costumes revela-se no ditado popular: “Se quiser garantir um casamento feliz, case-se com uma menina de 9 anos”.
Não é uma brincadeira. Metade das meninas do Iêmen é casada por seus pais na infância e na adolescência com homens adultos. Quando o pai de Nujood anunciou que a entregara em casamento a um homem de sua aldeia, na faixa dos 30 anos, aos olhos de seu mundo não estava fazendo nada nem errado nem incomum. Mona, a irmã preferida de Nujood, levantou os olhos num movimento que deve ter lhe custado muito e disse: “Ela é muito jovem para se casar”. O pai retrucou: “Muito jovem? Quando o profeta Mohammad desposou Aïsha, ela tinha apenas 9 anos”. Depois, o pai ainda afirmou: “Ele prometeu não tocá-la antes da primeira menstruação”.
Em fevereiro de 2008, dois meses antes de postar-se diante do juiz e mudar um mundo inteiro, Nujood foi casada contra a sua vontade. E levada pelo marido desconhecido de volta à aldeia onde nasceu. Na mesma noite, foi violentada por esse homem cheirando a cebola. Nujood gritou, pediu socorro à sogra, correu e derrubou coisas pelo caminho. Silêncio. Ninguém a acudiu. Quando se sentiu queimar por dentro, e uma dor além do suportável, desmaiou.
No dia seguinte, nua e machucada, foi acordada pela sogra e pela cunhada: “Parabéns!”. E assim seguiram-se as horas de sua nova vida de criança casada, trabalhando na cozinha durante o dia, sendo estuprada e espancada à noite. Maltratada pelas mulheres da família do marido e pelas vizinhas por gritar e chorar nas madrugadas, o que consistia numa rebeldia inaceitável.
No mês seguinte, o marido a levou à capital e consentiu que ela ficasse algumas semanas na casa de sua família. Nujood achou que estaria salva. Mas o pai disse a ela que agora era uma mulher casada e seu lugar era ao lado do marido. Do contrário, estaria jogando na lama a honra da família. A mãe afirmou que a vida de todas as mulheres era assim, que era preciso se resignar e aceitar seu destino.
Com o tempo se esgotando, Nujood descobriu que estava sozinha. Como último recurso, bateu no pobre apartamento onde a segunda esposa do pai vivia com cinco filhos, à custa de pedir esmolas nas ruas. Depois de ouvi-la, a jovem mulher disse: “Você precisa ir ao tribunal”. E fechou as mãos da menina sobre o pouco dinheiro que conseguira naquele dia.
Na manhã seguinte, quando a mãe disse a Nujood que fosse comprar pão para a família, a menina atravessou o mundo e postou-se diante do juiz.

O juiz e seus colegas acolheram Nujood. Shada Nasser, advogada iemenita e ativista dos direitos das mulheres, assumiu sua causa. Um repórter brilhante, Hamed Thabet, e a editora-chefe do jornal Yemen Times, Nadia Abdulaziz al-Saqqaf, fizeram um grande barulho na imprensa, que atravessou as fronteiras e se espalhou pelo Ocidente. Nujood começou a conhecer uma outra face da sociedade iemenita, culta e progressista, onde as mulheres não se sentiam obrigadas a cobrir o rosto e o corpo com niqabs, estudavam e elegiam seus destinos.
Em 15 de abril de 2008 Nujood tornou-se a primeira esposa-criança a obter o divórcio no Iêmen. Hoje, com 12 anos, vive com sua família. No princípio, os pais e os irmãos achavam que ela tinha lançado vergonha sobre seu nome. Agora, que os royalties do livro garantem uma parte do sustento de todos, sua história tornou-se mais palatável. Em casa, não se fala sobre o que aconteceu. O irmão mais velho apenas anuncia, a voz irritada, que mais um jornalista estrangeiro está batendo na porta.
Nujood e sua irmã menor voltaram para a escola. E esta é outra face extraordinária da história de Nujood: depois de toda a violência, ela voltou a ser criança. Mais madura, mais sábia, mais doída, mais livre. Ainda assim, de volta à infância como uma criança que brinca, desenha e sonha.
Como repórter, acompanhei muitas histórias de crianças violadas de todas as maneiras. Percebi que só sobreviviam com chance de ter uma vida àquelas que conseguiam manter dentro de si algo de intacto. Uma parte delas mesmas que seus algozes não conseguiam alcançar. Com essa ínfima parcela íntegra nos confins de si mesmas, quando tinham a sorte de serem salvas, reinventavam uma vida. As que não conseguiam, as que eram violadas por inteiro, podiam seguir respirando, mas estavam mortas. E não há nada mais brutal do que o rosto de uma criança morta que respira.
Ao ler a história de Nujood, penso que com ela se passou algo assim. E, por mais paradoxal que pareça, acredito que ela tenha encontrado forças para sobreviver e para resistir porque era amada por sua família e, mesmo em meio à pobreza e a dificuldades de toda ordem, conheceu momentos de alegria. Pela memória, pela imaginação e pelo sonho, Nujood manteve sua subjetividade intacta. E, por fim, encontrou alguém que a escutou: a segunda esposa do pai, os juízes da corte.
Nujood tornou-se o fio de esperança e de possibilidade onde as meninas casadas do Iêmen podem se agarrar para alcançar um destino novo. Depois de seu exemplo, outras duas garotas, Arwa, de 9 anos, e Rhim, de 12, foram à corte pedir o divórcio. O parlamento iemenita aprovou uma lei proibindo casamentos antes dos 17 anos para ambos os sexos. Ainda que no interior do Iêmen as leis tribais e os costumes pesem mais que a legislação oficial, é um começo promissor. Na vizinha Arábia Saudita, outra criança entregue pelo pai a um homem na faixa dos 50 anos pediu o divórcio. A menina tinha 8 anos.
Este é o momento em que muitos de nós, brasileiros, suspiramos aliviados. Gratos por viver em um país menos arcaico, onde coisas assim não acontecem. O Iêmen, trazido para perto de nós por Nujood, volta a tornar-se borrado no tempo e no espaço, longe e diferente demais para nos reconhecermos nele. Exótico.
Não é o que vejo. Guardadas as enormes diferenças culturais e históricas, há muito de semelhante que deixamos de enxergar. E não apenas a prostituição infantil diante de nossos olhos nas capitais do Nordeste e do Norte, nas estradas que cortam o país, no interior de São Paulo, em todos os lugares.
Não foi o Superior Tribunal de Justiça do Brasil que, em 2009, absolveu o corredor Zequinha Barbosa e seu assessor, Luiz Otávio da Anunciação, acusados de terem feito sexo com três meninas, de 13, 14 e 15 anos, em troca de valores entre R$ 60 e R$ 80? A justificativa: as garotas já eram “prostitutas reconhecidas”. Não foi o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que em 1996 absolveu um homem que tinha feito sexo com uma garota de 12 anos? O argumento: “Nos nossos dias, não há crianças, mas moças de 12 anos”.
Nessas duas decisões antológicas, é importante assinalar, não estamos falando dos fóruns estropiados dos rincões do Brasil, mas das cortes superiores. Se aplicassem a lógica contida nessas decisões, diante do pedido de Nujood os juízes do Iêmen poderiam argumentar que: 1) casamentos de meninas fazem parte da tradição do país; 2) ela já não era uma virgem, mas uma “esposa reconhecida”; 3) Não existem crianças de 10 anos no Iêmen, mas moças. E, com tantos bons argumentos, poderiam ter despachado Nujood de volta ao inferno. Benditos juízes do “exótico” Iêmen.
Para muitos – como Nujood lá do outro lado do mundo, como milhares aqui –, a Justiça não é o último recurso, mas o único que têm para conter a violência da qual são vítimas. Se ela falha ao deixar de escutar ou tarda demais, arrebenta a vida daquele indivíduo que sofre – e corrompe a todos nós.
Em 2006, busquei investigar um fenômeno novo: as viúvas-crianças do tráfico. Na periferia de Fortaleza, entrevistei uma menina que, se escrevesse um livro como o de Nujood, poderia ter o seguinte título: xxxxxx , 14 anos, viúva, uma filha. Não posso dar o nome sem violar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas ela estava lá, conversando comigo com a filha nos braços. E sua história foi contada em meu terceiro livro.
A garota vivia com um assaltante viciado em crack por vontade própria. Quando ele foi assassinado, tinha 13 anos e estava grávida. Este não era um drama para ela. A tragédia era voltar para o barraco da família. Tinha escolha? Nenhuma.
Em 1997, numa reportagem sobre incesto, entrevistei uma menina de 12 anos que havia sido estuprada pelo pai numa das maiores cidades do interior do Rio Grande do Sul. Ao longo de seu terrível relato, ela me contou que agora namorava o policial que havia atendido o seu caso. Ou seja: aquele que tinha, oficialmente, como representante do Estado, o dever de defendê-la dos abusos do pai e de qualquer outra violação, botou o pai na cadeia e passou a abusar dela. Eu o denunciei. Mas com certeza não é o único caso.
Conto estas histórias aqui porque não acredito no jornalismo que transforma o outro em exótico. Aquele que permite aos leitores acreditarem que a violência e a injustiça pertencem ao outro – e, neste caso, ao outro do outro lado do mundo. Prefiro que meus leitores não respirem aliviados nem se sintam tão a salvos. O mundo só começa a mudar quando olhamos para dentro de nós – e para o nosso quintal – com a verdade possível.
O que mais me fascina, na história de Nujood, é a força que moveu essa criança de 10 anos a atravessar sozinha a cidade e vencer séculos de opressão para dizer uma frase que continha o mundo inteiro: “Quero o divórcio”. Nujood não dá a si mesma nenhuma qualidade especial. Com sinceridade, ela apenas diz a todos que insistem em compreender o extraordinário que ela contém: “Eu não suportava mais”. Em sua simplicidade, ela não permite que lhe atribuam algo de especial – e então outras meninas não poderiam seguir o mesmo caminho por não possuir este algo a mais.
Acho que é isso que ela também nos dá. Nas pequenas e nas grandes tragédias da vida de cada um de nós – e de nossa comunidade, de nosso país, do planeta – às vezes, tudo o que precisamos dizer para os outros e principalmente para nós mesmos é isso: “Eu não suporto mais”.
Estamos, então, prontos para atravessar a rua de nós mesmos. E mudar nosso pequeno mundo.

Água poluída mata mais do que todos os tipos de violência, alerta ONU

http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultimas-noticias/2010/03/22/agua-poluida-mata-mais-do-que-todos-os-tipos-de-violencia-alerta-onu.jhtm

22/03/2010 - 11h47
Água poluída mata mais do que todos os tipos de violência, alerta ONU
Da Agência Brasil. Em Brasília.

O consumo e a uso de água não tratada e poluída matam mais do que todas as formas de violência, segundo relatório divulgado hoje (22), no Dia Mundial da Água, em Nairóbi, no Quênia, na África. O documento intitulado Água Doente foi elaborado pelo Programa para o Meio Ambiente da das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês). Sem informar números, o estudo afirma que milhares de crianças e adultos morrem por ano em decorrência da “água doente”. Por isso, alerta para a necessidade de adoção de medidas urgentes.

De acordo com o relatório, as populações urbanas deverão dobrar de tamanho nas próximas quatro décadas. A projeção é que os números subam dos atuais 3,4 bilhões para mais de 6 bilhões de pessoas. Nas grandes cidades já há carência de gestão adequada das águas residuais em decorrência do envelhecimento do sistema, de falhas na infraestrutura ou de esgoto insuficiente.

“Isso significa que mais pessoas agora morrem [por causa] de água contaminada e poluída do que de todas as formas de violência, inclusive guerras. A água contaminada é também um fator chave no aumento de vidas vegetais e animais mortas em mares e oceanos de todo o mundo”, diz o documento, informando que 2 bilhões de toneladas de resíduos são jogadas em águas de todo o mundo por ano.

Segundo o documento, substâncias que compõem um poluente de águas residuais, como nitrogênio e fósforo, podem ser úteis na produção de fertilizantes para a agricultura. O alerta é acompanhado pela informação de que 10% da população mundial consomem alimentos alimentos cultivados com águas residuais para irrigação e adubação.

“É um desafio que vai aumentar, pois o mundo sofre rápida urbanização e industrialização, além de crescente demanda por carnes e outros alimentos, a não ser que se tomem medidas decisivas”, adverte o estudo.

Cursos ministrados na área pública

Sexta-feira passada, 19.03.10, palestramos na Câmara Municipal do Salvador, conforme a programação proporcionada pela JAM Jurídica, sobre o agente público, com ênfase no servidor público em gênero e em especial sobre o empregado público, abordando a alteração constitucional proporcionada pela EC n. 19/98, mas ainda subjudice no STF em decorrência da Adin n. 2.135-4/DF, além de expor a atual competênica da Justiça do Trabalho, em face da EC n. 45/04.
Foi um encontro marivolhoso, pois continha inclusive a participação de ex-alunos da graduação que são servidores da Câmara.
O local possui uma vista belíssima da Baía de Todos os Santos, pois fica ao lado do Elevador Lacerda.
Abaixo, notícia e foto do curso ministrado no TCE do Estado de Sergipe.
A notícia veiculada pela assessoria de imprensa do TCE contém alguns equívocos, que tomei a liberdade de corrigir.
Shalom a todos!   

Curso aborda contratação de celetista
Publicado em: 15/12/2009
João Damasceno ministrou aula desta terça-feira

http://www.tce.se.gov.br/sitev2/conteudo.ler.php?cat=4&id=1478

Créditos: Ascom/TCE

Segundo ele, o que muda com isso é a flexibilização do contrato de trabalho por parte da administração e a redução do custo, principalmente com a realização de concursos, já que no caso dos celetistas as provas poderão ser menos rigorosas, “isso porque vemos o Estado gastar enormes quantias para realizar concursos onde milhares se inscrevem a apenas três são absorvidos. Além disso, a demissão, no caso do trabalhador não atender as necessidades do cargo, fica muito mais fácil no regime da CLT”.

Outra economia é no tocante a previdência, já que o servidor estatutário recebe na aposentadoria o mesmo valor que recebia enquanto na ativa e o celetista, por maior que seja o salário dele, no ato da aposentadoria, passa a receber o valor correspondente ao tempo de sua contribuição, limitado ao teto do RGPS. “Ele contribui com o teto máximo, que hoje está em torno dos R$ 3 mil e fração, e se aposenta com igual valor, mesmo que quando na ativa o salário dele tenha sido muito maior do que esse valor”, explicou.

Damasceno destacou que a limitação pelo teto previdenciário a longo prazo reduzirá o déficit da previdência. “O Estado deve fazer uma reforma administrativa com o objetivo de preservar contratando pelo regime estatutário apenas servidores para as funções essenciais nas áreas financeira, jurídica e diplomática, devendo os demais serem contratados pelo regime celetista e mesmo dentro das áreas abrangidas pelos estatutários, existirão setores que abrigarão celetistas”, ajuízou.

O professor exemplificou citando o caso dos juízes de direito, porque para ele na justiça, apenas os juízes deveriam ser contratados pelo regime estatutário, já que isso além de garantir estabilidade, o alivia de injunções. Os demais servidores, na opinião do advogado, deveriam ser contratados pelo regime celetista.

Damasceno declarou que os tipos de contratação para os cargos de confiança não são abordados agora, porque esse tipo de cargo pode ser distribuído conforme a vontade do responsável pelas vagas, que poderá efetuar contratações e demissões conforme a vontade dele. “Nesse caso as contratações não deverão sofrer alteração por enquanto, como estatutárias ou celetistas, mas talvez o ideal seja exigir capacitação técnica e cria a vinculação com a CLT também”, finalizou.

ÁLCOOL. ACIDENTES DE TRÂNSITO. VALE A PENA VER

http://www.youtube.com/watch?v=Z2mf8DtWWd8

DIA MUNDIAL DA ÁGUA

Água, essência da vida!

Água que não se deve poluir e que deve ser cuidada, pois é tão essencial quanto respirar.

água1

A esperança é que todos saibam utilizar a água, evitando o desperdício, para que não sejamos levados a valorizá-la quando estivermos lidando com a escassez.

água

Contratação sem concurso pode afetar patrimônio de administrador público

Download do arquivo

Administrador público que contrata sem concurso pode responder com o patrimônio pessoal, e a cobrança pode ser feita na Justiça do Trabalho. Este é o entendimento da 2ª Turma do TRT da 5ª Região (TRT5-BA), segundo o qual há responsabilidade solidária de prefeitos, governadores e outros agentes do Estado que contratam pessoas de forma irregular. Conforme os desembargadores que compõem o órgão, além do contrato ser nulo, o trabalhador pode requerer no judiciário que políticos paguem do próprio bolso salários e FGTS. 

A decisão da 2ª Turma foi tomada no julgamento de recurso ordinário (0051800-98.2009.5.05.0192) de uma servidora contratada sem concurso no Município de Rafael Jambeiro. Após quase quatro anos de vínculo, o contrato foi anulado por força de um Termo de Ajuste de Conduta firmado pela Prefeitura com o Ministério Público do Trabalho. A funcionária entrou então com ação na 2ª Vara do Trabalho de Feira de Santana. Como já é comum nesses casos, foi reconhecido o direito aos salários e ao FGTS. O juiz negou-lhe, no entanto, direito a indenização pela demissão e a inclusão de dois ex-prefeitos como réus no processo. Inconformada, a reclamante recorreu. 

Na segunda instância, a Turma também negou indenização por entender que a trabalhadora tinha ciência da irregularidade do contrato e não poderia se beneficiar 'da própria torpeza'. Quanto à responsabilização dos ex-prefeitos, o órgão julgador adotou uma compreensão com base na Emenda 45, de 2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para que ela abrangesse todos os fatos referentes à relação de Trabalho. O voto do relator do processo, desembargador Cláudio Brandão, aprovado à unanimidade pela Turma é um precedente para que os juízes trabalhistas julguem inclusive o envolvimento e a responsabilidade de terceiros nesta relação. 

O relator argumentou também em seu voto que os gestores públicos no Brasil têm a convicção da impunidade e, mesmo depois de 20 anos de vigência da Constituição e de milhares de condenações por contratações irregulares, a prática continua a ser muito adotada. Ele citou jurisprudência que recomenda a responsabilização solidária do agente público e da Administração como forma de defender o patrimônio público e restituir a moral administrativa. Também, o Código Civil, que coloca à disposição da justiça os bens de todos os responsáveis na reparação dos danos.

Execução - Uma vez declarada a responsabilidade solidária de município e ex-prefeitos, a cobrança do dinheiro devido à trabalhadora vai ser feita paralelamente, abrindo-se um precatório contra o primeiro e um mandado de citação e penhora contra o segundo. A ex-funcionária também pode indicar bens dos políticos e até suas contas bancárias para que seja realizada a penhora. 

Fonte: TRT5 - 12.03.2010