"Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela." - George Bernard Shaw
PRINCÍPIOS BÁSICOS DE DEMOCRACIA
Para pensarmos em democracia e sua evolução desde a concepção grega, devemos, inicialmente, superar o dogma do Estado de Direito e passarmos para o conceito de Estado Democrático de Direito, pois, a simples definição de um Estado de Direito não significa que o mesmo seja respeitador das liberdades individuais e que patrocine o respeito e a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, é fácil nos depararmos nos dias de hoje com países que possuem sistema jurídico e atenderiam a definição de Estado de Direito, mas não são respeitadores da liberdade, da igualdade e da dignidade humana.
A seu turno, o moderno e contemporâneo Estado Democrático de Direito seria aquele país, melhor dizendo, a nação que, além de privilegiar a lei, o sistema jurídico erigido para a convivência social, as regras de condutas individuais e coletivas, atenderia também a exigência de transparência e legitimidade nos atos da administração pública em todos os sentidos, incluindo especialmente os atos dos poderes: executivo, legislativo e judiciário; bem assim a plena liberdade do indivíduo, ou seja, respeitar o ser pelo ser. Esse respeito também nos leva a concepção do estado ter que cuidar do ser nos quesitos que são impossíveis ao mesmo enquanto indivíduo, dado a falibilidade do ser humano, tais como saúde, educação, segurança, etc.
Para uma democracia existir e ter valores de efetividade, não podemos nos esquecer que esse sistema é extremamente caro, dispendioso para a existência de um país, pois, democracia, em suma, significa a participação de todos nas decisões e campos abertos para discussão dos temas de interesse coletivo ou que lhes afete, sendo-lhe, por essência, um exercício representativo dispendioso. Assim nos lembram as doutrinas de economia.
Por princípios básicos de uma democracia, onde os demais princípios e regras são em verdade desdobramentos de uma linguagem da cultura e dos valores de um povo em uma determinada época de sua história, tem-se que os principais são a liberdade e a igualdade, colunas que são desse conceito de se viver em coletivo.
Igualdade de tratamento às pessoas, igualdade de oportunidades, igualdade de participação, especialmente na geração, produção e distribuição de riquezas.
Um país que se diz democrático e onde não há distribuição de chances e riquezas é um estelionatário no quesito político-administrativo, circunstância que penso tratar-se do nosso Brasil, mas confiado na esperança que um dia tais perspectivas mudem no cotidiano das pessoas.
Um país verdadeiramente democrático deve primar pela efetividade das regras de convivência social, da distribuição de riquezas e na prestação dos serviços, sem que haja privilegiados diante do sistema para que, por exemplo, os mesmos serviços e oportunidades conferidas ao cidadão urbano, sejam ofertadas aos cidadãos do interior, do campo, nos quesitos essenciais de um estado: vida digna, saúde, segurança, educação, trabalho, assistência e previdência social.
Não imaginem que o conteúdo do discurso está desmerecendo os graus de dificuldades das conquistas, pessoais e coletivas, pois tudo na vida advém da luta, da perseverança, do esforço, da paciência, do esperar a sua vez, do respeito às regras, do trabalho. Também não estamos pregando um estado paternalista. Contudo, o discurso passa pela formação de um estado, de um país, de uma nação, onde ninguém pode ser destinatário de privilégios previsto em lei, pois, dessa forma, ferido está o princípio da igualdade. O princípio da igualdade elege o mérito como forma de premiar o esforço.
Outro princípio de suma importância num verdadeiro regime democrático é a liberdade. Liberdade de idéias, de expressão, de credo, de ideologia política, e tantos outros valores decorrentes. Entretanto, a liberdade, na mesma proporção em que ela nos garante uma série de direitos, exige em correlação o respeito ao próximo, em sua liberdade, e o submeter-se às conseqüências advindas do ato de liberdade de qualquer um, que não se confunde com libertinagem ou anarquia.
Há que se respeitar a liberdade individual e coletiva, porém, é preciso deixar claro que, além do estado democrático garantir sua plena liberdade, essa coletividade com o nome de estado, exigirá a submissão às conseqüências advindas do exercício da liberdade, especialmente quando esse exercício ferir os interesses da coletividade.
Em regime democrático prevalecem os interesses e o quanto definido pela coletividade. Mesmo que um ser, individualmente, não goste da regra de convivência coletiva, ele deverá se submeter à mesma, pois a coletividade, a maioria, venceu neste ponto e estabeleceu a regra de convivência.
A liberdade, garantia de sobrevivência individual e convivência coletiva, respeitada e desejada por todos, tendo o seu exercício garantido pelo estado, possui outro valor intrínseco que o é império de submeter-se às regras de conseqüência do exercício indevido, ilimitado, ilegítimo da própria liberdade; é, por assim dizer, a outra face da moeda. Resumindo, todo indivíduo é livre e responsável por seus atos, e a liberdade significa, em tese, que o indivíduo tem o direito de fazer o quiser, contanto que saiba que enfrentará as conseqüências dos seus atos. Se bons, bons frutos colherá. Se maus, péssimos frutos (conseqüências) colherá e terá que responder pelos mesmos.
O responder as conseqüências pode se dá de diversas formas, segundo a graduação e valoração do bem tutelado pela coletividade (estado). Pode ser de ordem civil (indenização) ou penal, que é a restrição da liberdade.
Os ensinos do jurista alemão é de crucial importância para o padrão cultural de abstrair o Direito. Um dos ensinos de Konrad Hesse(1):
“... aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado.”
Destarte, os princípios básicos de uma verdadeira democracia são a liberdade e a igualdade.
Não podemos nos descurar que tudo isso se trata de valores sociais, pois, há povos, culturas que não convivem com tais valores e nem por isso deixam de conviver socialmente, de ter aspirações nacionais, de possuir modelo de governo, de conter regras jurídicas e que o melhor para eles não é nosso ideário e imaginário democrático ocidental. Acerca de tais sociedades, é preciso entender suas culturas e seus valores e respeitá-las, desde que essa convivência, tanto do povo quanto daquele que se aproxima, seja permeada pela paz e pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Com base nessas rápidas deduções, podemos discernir que certos atos de alguns países no cenário mundial, ou estão longe de atender o conceito de plena democracia ou tentam forçar "goela abaixo" o seu conceito de democracia ao outro povo. Ambas as atitudes são inaceitáveis.
Para o nosso País, resta a esperança no porvir, pois as reformas na convivência são o nosso traço cultural, avesso que somos as revoluções, para que as futuras gerações, futuros políticos, futuros gestores, futuros administradores dos interesses coletivos, tenham noção que o coletivo não é particular e os comportamentos nas duas esferas são distintos, palmeados por definições distintas do que vem a ser cada uma delas.
Outro ponto necessário ao debate de estabelecimento de verdadeiras democracias é que temos que pensar na administração dos conseqüentes. Desta forma, não se pode conceber regime democrático sem regime penal sério, de exemplo punitivo e polícia preventiva ao invés de reativa.
Por referência democrática quase perfeita temos os EUA, dentre outros países. Dizem que muita gente detesta os EUA, mas no fundo possui inveja daquele povo e do país que eles formaram. Uma verdade deve ser respeitada, o conceito de liberdade no seio social americano é o que norteia a convivência social e as decisões da administração pública lato sensu. Recentemente a Suprema Corte de Justiça dos EUA teve que decidir entre a liberdade e a garantia constitucional de portar arma e a tentativa de proibir tal liberdade em face da ameaça à vida pela facilidade de ingresso em escolas e locais públicos com arma e ferir pessoas gratuitamente. Ao contrário do que se achava, a Suprema Corte decidiu pelo direito a liberdade de portar arma, sob o fundamento de que a liberdade é garantia inalienável, irrenunciável, inderrogável. Pois, ao reverso, é obrigação do estado, da coletividade, vigiar os atos de liberdade e garantir a segurança de todos e apenar os abusos exemplarmente, que, no caso do EUA, significa, na grande maioria dos Estados federados, pena de morte.
Qual a lição que se extrai? Para os valores sociais americanos é mais caro mitigar o direito a liberdade do que proibir o porte de arma em nome de outra necessidade coletiva. A coletividade deve arcar com os ônus dos seus valores sociais, disseminados na sociedade, como por exemplo, a banalização do ser humano e das relações sociais, crise vivida nos EUA e no mundo moderno pela exacerbação do individualismo.
Os EUA ainda nos colocam outros paradoxos: é a democracia da liberdade mais vigiada do mundo, onde todo cidadão é monitorado pelo estado, cuja pretensão é a de monitorar o mundo, no chamado "big brother". Os cidadãos não confiam no governo, razão pela qual sobressaem nas relações pessoais a busca pela satisfação pessoal e pelo empreendedorismo, pois, essa ausência de confiança no estado, significa também não esperar nada de bom do mesmo, não permitindo ao povo uma atitude passiva e ao estado uma atitude governamental paternalista. Essencialmente diferente da nossa cultura.
Outro elemento é que os EUA são uma democracia interna, mas não se comporta como tal, em respeito aos princípios democráticos, no campo da política internacional, fazendo sobressair seus interesses nos negócios e nos assuntos bélicos, quando não a junção de ambos.
Temos exemplos de outros países que primam pela liberdade, mas que não possuem comportamento beligerante como os EUA: Canadá, por enquanto, Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Suíça, Holanda, Bélgica, dentre outros. Não ter comportamento beligerante não significa que não possuam soberania, forças armadas.
O tema é extremamente instigante e nos levaria a abstrair em muitas linhas o que viria a ser o conceito de liberdade e igualdade. Contudo, são as premissas estabelecidas que devem ser seguidas como forma de raciocinar as soluções necessárias para os problemas sociais que se apresentarem.
Igualdade de oportunidades, pois, num verdadeiro estado democrático de direito, o único ser que detém privilégio é a lei, a qual todos devem se encurvar, inclusive o próprio estado que a editou. Liberdade significa respeitar o outro em suas diferenças, no plano individual, e efetivar um sistema que garanta as respostas como conseqüências dos atos que ultrapassem os limites das liberdades.
A esperança é que nossa sociedade amadureça a esse ponto. Contudo, em se tratando de sociedade, esse chamado amadurecimento não ocorre naturalmente, mas depende exclusivamente do compromisso do estado em ministrar a educação devida a todos, inclusive ou especialmente quanto as responsabilidades.
[1] A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 22, 1991.
Ótimo texto , com bons argumentos , fundamentos e exemplos . Foge um pouco a objetividade na minha opinião , por outro lado , deixa o texto um pouco mais elaborado , de forma qual instiga a vontade de leitura .
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho
Obrigado meu caro. Sempre as ordens.
ExcluirAbs, JD
Finalmente, um texto com qualidade e um conteúdo de suma importancia.
ResponderExcluirParabéns!
Grato pela visita, pela leitura e participação, e pelo elogio.
ExcluirUm abraço, João.
Parabéns pelo texto, soube claramente definir o que é um verdadeiro estado democrático, o que infelizmente não ocorre no nosso País devida a alienação que a sociedade tem hoje. Diferente de outras postagens sobre o assunto na Internet, a sua realmente me chamou muita atenção, Meus Parabéns.
ResponderExcluirPrezado, saúde!
ExcluirGrato pela visita, pela leitura e participação, e pelas congratulações.
Um abraço, João.
parabéns pelo excelente texto!
ResponderExcluirOlá Marta!
ExcluirBjos
Parabéns este texto esclareceu muito para minha pesquisa acadêmica,obrigado..
ResponderExcluirOlá meu caro.
ExcluirÉ reconfortante tê-lo aqui no espaço.
Abs, JD
Professor, li o seu texto e o achei interessante, no entanto, com a devida vênia, aquela do "... no fundo possuem (sic) inveja daquele povo ...", foi demais. Ora, DISCORDÂNCIA não significa necessariamente "inveja"! Eu, por exemplo, não tenho inveja de um país cujos dirigentes mentem e matam, outros e o seu próprio povo, para criar e manter uma guerra cujo ÚNICO intuito é proteger patrimônio econômico. Vietnã e Iraque são alguns dos exemplos que merecem ser lembrado. Inveja de um país que há pouco tempo negros não frequentavam os mesmos lugares que os brancos? Ora, ora, ora ...
ResponderExcluirOlá Amigo!
ExcluirGrato pela visita e comentário.
O comentário sobre a "inveja dos EUA" não é para se fazer um comparativo literal.
É evidente que todos os países possuem problemas sérios em sua estrutura social, nada diferente com os EUA.
E, no caso do racismo, ele é evidente em qualquer lugar do mundo, sendo externado socialmente e por condutas às claras em alguns países, tal qual os EUA, ou de modo hipócrita e velada, como se faz aqui no Brésil.
E, nos EUA, assim como na Europa, não se trata de "privilégio" dos negros, mas também de outras etnias, que são igualmente discriminadas.
A propósito, entendo que o "racismo brasileiro" é feito em razão da pobreza. Isto é, nós discriminamos pobres, que em sua maioria são negros.
E, inclusive, negros ricos ou de melhor renda discriminam pobres, inclusive negros.
Indico a oitiva do podcast do Fernando Peixoto sobre escravidão:
https://soundcloud.com/grupometropole/13-comentario-fernando-14
Contudo, a idéia do comentário sobre a "inveja" é para se tenha uma dimensão da extremidade de diferença quanto ao país dos EUA, como se tornou uma superpotência, superando obstáculos e entraves da economia, administração e objetivos comuns como nação, ainda sequer enfrentados a contento por outros países subdesenvolvidos, como o Brasil.
A independência dos EUA e do Brasil são próximas, distando apenas 46 anos; equivalente a uma geração de homens, sendo que mudanças significativas foram postuladas e efetivadas pelos EUA.
Shalom, João.
Parabéns pelo texto. Sugiro uma abordagem de Políticas Públicas, o que temos e o que falta.
ResponderExcluirOlá Maria Pierre, saúde!
ExcluirObrigado pela visita e comentário.
Excelente sugestão!
Pesquisarei a respeito.
Shalom, João.
te chupadiria agr dr
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