Um Estado permanentemente imoral  
Folha de  S. Paulo Online -07/12/2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Espero que os  eleitores não reconduzam ao Congresso os parlamentares que defenderam o imoral e  indecente calote oficial
QUANDO UM ministro do período de exceção  declarou que o Estado é, necessariamente, aético, ele disse uma verdade que, no  Brasil, constitui a essência do exercício do poder.
O administrador público  brasileiro, em geral, gere mal as contas públicas e é um agente fantasticamente  caloteiro, que não cumpre obrigações pecuniárias do Estado para com o cidadão,  muito embora, na prática de uma autêntica "vampiragem tributária", retire muito  mais recursos do povo do que seria necessário para os maus serviços públicos que  presta.
Se um contribuinte deixar de entregar parcela do fruto de seu  trabalho ou patrimônio para pagamento de tributo no prazo de vencimento, corre o  risco de ser preso. Se o administrador público deixar de pagar o que o Estado  deve em virtude de sua má administração, basta recorrer ao Congresso para  afastar a obrigação.
O monopólio do calote é oficial, público e  reiteradamente praticado, apesar de a Constituição de 1988 garantir o direito de  propriedade, há décadas, no país.
União, Estados e municípios que não pagam o  que devem em precatórios tornam seus administradores maus gestores e aéticos. E  permanecem em conluio com o Parlamento para que o confisco do patrimônio do  cidadão seja viabilizado por sucessivas PECs.
Já o "banditismo oficial" é  endeusado, gabando-se a "eficiência" de quem deve, mas não paga, nada obstante  destinar, pelo Orçamento, fantásticos benefícios aos detentores do poder  (burocratas e políticos), com aumentos muito acima da inflação e muito além dos  reajustes que têm os cidadãos do segmento não governamental, que trabalham na  sociedade.
A nova PEC dos Precatórios mereceria contra seu progenitor e  aqueles que a aprovaram no Senado ações popular ou civil pública, por  representar violação ao mais rígido princípio constitucional que rege a  administração pública, que é o princípio da moralidade, olimpicamente ignorado  por seus autores no Congresso.
Pela nova PEC, em vez de pagar, o poder  público devedor destinará pequena parcela do orçamento para ser leiloada, todos  os anos, recebendo, aqueles que entrarem no leilão, parte ínfima de seu crédito.  Se não quiser se submeter ao "assalto público", terá o "direito" de nunca  receber, porque nunca haverá dinheiro para pagá-lo.
Se o poder público  destinasse apenas o que gasta em desnecessária e, por vezes, ilegal publicidade  para pagar o que deve, já teria sido reduzida consideravelmente a inadimplência  dos precatórios.
Recentemente, quando recebi a cátedra "Lloyd Braga", na  Universidade do Minho, em Portugal, ao narrar em exposição sobre moralidade  pública que, no Brasil, os governos não pagam o que devem, mesmo quando  condenados, a informação causou espanto.
Na última reunião do Conselho  Superior de Direito da Fecomercio, o presidente da Comissão dos Precatórios da  OAB, dr. Flávio Brando, relatou fato semelhante -que, ao expor nos Estados  Unidos o permanente descumprimento de obrigações pelo poder público, a plateia  ficou espantada ao saber que quem deveria dar o exemplo termina por dar a pior  das lições, ensinando que, no Brasil, "calote" é uma "técnica" da administração  pública.
O projeto de emenda constitucional aprovado no Senado tem, pelo  menos, cinco inconstitucionalida
Espero que, se for aprovada definitivamente a referida PEC, o  Ministério Público e a OAB ingressem com ação direta de  inconstitucionalida
Mas espero, principalmente, que os eleitores não  reconduzam ao Congresso os parlamentares que defenderam o imoral e indecente  calote oficial. É essa a posição oficial do Conselho Superior de Direito da  Fecomercio de São  Paulo.
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IVES  GANDRA DA SILVA MARTINS , 74, advogado, professor emérito da  Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da  Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da  Fecomercio.
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