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domingo, 21 de agosto de 2011

América vira líder global em energia


Américas devem tirar o domínio de 50 anos do Oriente Médio na produção de petróleo
21 de agosto de 2011 | 0h 00

Amy Myers Jaffe, da Foreign Policy - O Estado de S.Paulo
Durante meio século, o centro de gravidade da oferta global de energia esteve no Oriente Médio. Um fato que teve enormes implicações para o mundo em que vivemos - mas que está em vias de mudança.
Em 2020, a capital da energia provavelmente terá mudado para o Hemisfério Ocidental, onde estava antes da ascensão das mega fornecedoras de petróleo do Oriente Médio, como Arábia Saudita e Kuwait nos anos 60. As razões da mudança são em parte tecnológicas e, em parte, políticas. Há muito tempo os geólogos sabem que as Américas armazenam uma enorme quantidade de hidrocarbonetos depositados no fundo do mar, mas difíceis de alcançar, como também nas rochas de xisto, nas areias betuminosas e em formações de óleo pesado. A reserva dos EUA de petróleo não convencional é superior a 2 trilhões de barris, com mais 2,4 trilhões no Canadá e também mais de 2 trilhões na América do Sul - em comparação com os recursos petrolíferos do Oriente Médio e Norte da África, de 1,2 trilhão. O problema sempre foi como desbloquear esses recursos economicamente.
Mas, desde o início de 2000, o setor energético vem resolvendo esse problema. Com a ajuda dos poços horizontais e outras inovações, em menos de uma década a produção de gás de xisto nos Estados Unidos disparou de praticamente zero para 15% a 20% da oferta de gás natural no país. Em 2040, poderá representar mais da metade da oferta. Essa tremenda mudança em termos de volume virou de cabeça para baixo a situação no setor de gás natural em solo americano; se antes a preocupação era atender às necessidades de gás natural do país, hoje o foco é encontrar adquirentes potenciais dos excedentes de gás dos EUA.
Avanço tecnológico. Entretanto, a produção de petróleo no fundo do mar nos EUA, que há duas décadas analistas diziam estar condenada a um declínio inexorável, ensaia um retorno. A produção de petróleo a partir do xisto betuminoso, um processo tecnicamente complexo de extração de hidrocarbonetos de depósitos sedimentares, está só no começo. Mas os analistas preveem uma produção de 1,5 milhão de barris por dia nos próximos anos, com base nas reservas de xisto somente nas Grandes Planícies e no Texas - 8% do consumo de petróleo nos EUA. O desenvolvimento do setor levanta a questão sobre o que mais o setor de energia dos EUA pode realizar se os preços continuarem altos e a tecnologia continuar avançando. O número crescente de velhos poços sendo recuperados, por exemplo, poderá contrabalançar declínios anteriores. Além de tudo isso, os analistas esperam um volume adicional de um a dois milhões de barris diários vindos do Golfo do México com a retomada das perfurações. Um pico de produção de petróleo? Não tão cedo.
Cenário promissor. O cenário por todas as Américas é promissor. O Brasil deverá ter capacidade de bombear dois milhões de barris por dia do pré-sal, depósitos de óleo cru encontrados a até cerca de 7 mil metros no fundo do Oceano Atlântico, que até alguns anos atrás eram tecnologicamente inacessíveis. Ganhos similares são previstos no caso das areias betuminosas canadenses, onde o petróleo é extraído de sedimentos de alcatrão em poços abertos. E uma produção de, talvez, três a sete milhões de barris por dia será possível se o óleo pesado, ou querogênio, in situ, nos Estados Unidos, puder ser produzido comercialmente, um processo que envolve o aquecimento da rocha para permitir que o óleo seja extraído na sua forma líquida.
Não há dúvida que todos esses avanços deparam com obstáculos ambientais. Mas o setor começa a entender que precisa achar maneiras para superar tais obstáculos, investindo em fluidos de perfuração não tóxicos, técnicas de fraturamento hidráulico menos invasivas e novos processos de reciclagem da água, entre outras tecnologias, na esperança de diminuir o impacto ambiental das perfurações. E do mesmo modo que o setor petrolífero dos EUA, a China sedenta de petróleo também reconheceu o potencial energético das Américas, investindo bilhões no Canadá, EUA e América Latina.
Por outro lado, o Oriente Médio e o Norte da África, arrebatados pelas revoluções, terão de enfrentar uma verdade inconveniente sobre seu legado de combustíveis fósseis: historicamente, as mudanças de governo na região têm levado a longos e profundos declínios da extração de petróleo. A produção da Líbia nunca voltou aos 3,5 milhões de barris diários registrados quando o coronel Muamar Kadafi derrubou o rei Idris, em 1969; chegou a menos de dois milhões de barris por dia durante três décadas, e hoje está próxima de zero.
O Irã produzia mais de seis milhões de barris ao dia na época do Xá, mas a produção despencou para menos de dois milhões diários após a revolução islâmica, em 1979. O país não se recuperou muito na década de 80 e só conseguiu atingir uma produção de quatro milhões de barris nos últimos anos. No Iraque, a produção se ressentiu durante os muitos anos de tumultos e hoje contabiliza 2,7 milhões de barris por dia, abaixo dos 3,5 milhões que produzia antes de Saddam Hussein assumir o poder.
Espírito político. A Primavera Árabe deve complicar ainda mais a situação. Uma interrupção, como em 1979, das exportações de petróleo do Oriente Médio não está fora de questão, tampouco as paralisações de trabalho ou greves dos trabalhadores que assimilaram o espírito político atual da região. Cerca de 21 milhões de barris ao dia de produção de petróleo árabe estão em risco - um quarto da demanda global. O boom nas Américas, por seu lado, dever dar o que pensar para os autocratas remanescentes do Oriente Médio. Significa que eles poderão não contar mais com os preços crescentes do produto para acalmar suas populações descontentes.
Esse reordenamento da geopolítica, estimulado pelos hidrocarbonetos, já está em curso. O poder do Irã, Rússia e Venezuela obtido com o seu petróleo está cambaleando face à enorme oferta de gás natural americana: um excedente de recursos nas Américas está fazendo com que outros fornecedores estrangeiros procurem arregimentar compradores na Europa e Ásia, o que torna ainda mais difícil para os países exportadores se afirmarem adotando uma "estratégia" energética mais contundente.
O setor energético dos Estados Unidos também poderá ser capaz de fornecer a assistência técnica necessária à Europa e à China para explorarem reservas não convencionais por sua própria conta, pondo fim à sua dependência de Moscou ou do Golfo Pérsico. Portanto, observe este espaço: Os EUA podem assumir novamente a liderança do setor energético.
Tradução de Terezinha Martino.
AMY MYERS JAFFE É DIRETOR DO BAKER INSTITUTE ENERGY FORUM, NA UNIVERSIDADE RICE E COAUTOR DO LIVRO "OIL, DOLLARS, DEBT AND CRISES: THE GLOBAL CURSE OF BLACK GOLD" (PETRÓLEO, DÓLARES, DÍVIDA E CRISES: A MALDIÇÃO GLOBAL DO OURO NEGRO) 

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