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terça-feira, 20 de maio de 2014

Juiz diz que umbanda e candomblé não são religiões

http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,juiz-diz-que-umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes,1167765,0.htm

Decisão da Justiça Federal do RJ diz que candomblé e umbanda não são religiões.
Veja no link acima.

Certamente que o Tribunal (TRF da 2a. Região) mudará tal decisão.
Errou o juiz, errou o MPF.
Confesso que não tive acesso aos autos, a ação inicial e a sentença. Apenas li a notícia nos meios jornalísticos.
Alguns devem aplaudir e outros estão em polvorosa. Mas é por pouco tempo, pois, como de hábito no Brasil, em poucos dias isso será totalmente esquecido.
Conforme noticiado, e a meu sentir, a sentença confunde uma coisa com outra, assim como diz a filosofia popular.

Vamos à necessária compreensão:

Ainda que nos quadros da filosofia clássica e no âmbito das definições teológicas estejam assentados que tais matizes e manifestações de credos nativos ou vindos da África não preenchem as definições do que vem a ser uma religião, não se pode confundir com o direito constitucional de liberdade de credo e da prática da sua liturgia, do culto em si.
Primeiro, é necessário estabelecer que credo é do subjetivo, do íntimo de cada pessoa, e também, do sentimento.
Filosófica, moral e teologicamente é possível ter vários pavimentos de discussão contrários a tais "religiões nativas", mas, em se tratando de direito ao credo, não há o que se discutir em si.
Alguns da Antropologia e Sociologia dirão tratar-se de aberração, pois seria a imposição de credo alienígena sobre o credo natural, nativo, etc.
A discussão sobre o que vem a ser ou não religião é campo de estudo das ciências investigativas, e não da Ciência do Direito, que é descritiva enquanto ciência e prescritiva em sua aplicação. Não é o Direito quem a definirá, cabendo apenas regular as suas liberdades e atividades.
Apenas cabe ao Direito, exercido pelo Estado, garantir a licitude do credo e do culto, bem como a liberdade de expressá-lo.
Há uma inversão de valores quanto ao primado do Estado laico e da liberdade religiosa.
Liberdade religiosa diz respeito a manifestação do credo e ao respectivo culto. Isso deve ser respeitado e preservado pelo Estado, até como manifestação cultural. Ponto.
O inverso também deve ser observado, pois, ainda que o credo seja admitido até como manifestação cultural, tal condição não deve ser imposta aos demais cidadãos, como se faz massivamente na Bahia, sendo até matéria que compõe o currículo de certos cursos na UFBA.
Assim como o Estado não deve se intrometer nos credos e suas liturgias, o inverso também é verdadeiro, ou seja, não deve haver ingerência do credo, seja ele qual for, na administração das coisas de Estado.
O credo e o culto, qualquer que seja, permitido pelo Estado, só não pode ir de encontro ao mesmo em conflitos que digam respeito a segurança nacional ou aos direitos humanos, como, por exemplo, sacrifícios humanos, canibalismo, bizarrices, sevícia de menores, mulheres, idosos ou quaisquer pessoas, xenofobia, discurso contra pessoas designadas como imperfeitas (aleijados, doentes, etc.), e situações similares.
Há que se fazer a distinção para a Ciência do Direito, que, em suas garantias civis e de Estado, para a coletividade, não há que se confundir com as possíveis definições acadêmicas da Filosofia e Teologia.
Uma coisa é o Estado garantir a liberdade civil de crer e de cultuar. Outra coisa é o Direito tentar definir, moldar, aprisionar que vem a ser o credo e a sua liturgia. Isso ficou num passado remoto.
E, aqui reside maior grau de problemática, é entender que o inverso não é verdadeiro, isto é, que o Estado que se pretende ser laico, como é o caso do Brasil, deve garantir, apenas, o direito de crer e de cultuar a quem ou ao que quer que seja, porém, o credo protegido pela liberdade NÃO deve influenciar as decisões do Estado.
Os atos do Estado, como muitos assim interpretam e desejam, caso comum dos adventistas e judaizantes quanto a guarda do sábado, equivocados que estão na postulação, bem como os adeptos da Testemunha de Jeová quanto a transfusão de sangue em casos de urgências e cirurgias.
Idem, agora, para a postulação do MPF, num argumento, sem base, de proteção ao diverso.
Por incrível que pareça, mesmo que a lei de liberdade de credo e de culto tenha sido proposta por Jorge Amado, comunista e materialista, porém, adepto dos cultos afros, via emenda constitucional, eleito em 1945 pelo PCB, preocupado que estava com as restrições a tais cultos; é inusitado que num país tão plural e permissivo, encontre barreiras justamente onde não deveria, que é na Justiça.
Os religiosos de correntes diversas e o Judiciário se equivocam diariamente sobre o tema, especialmente por conta de nossa cultura não pretender definir nada em questões polêmicas, de sempre ficar em cima do muro, e sob o apelo de "não quero criar confusão com ninguém", e, “cada um que se garanta”. Como digo, é o desdobramento do pensamento individualista, egocêntrico, ausente de coletividade, e que é transportado para um determinado grupo, i.e., tal grupo pretende tal benefício, e o resto que se dane! Não temos cultura coletiva genérica, temos cultura de interesses, apenas.
É impressionante como o Judiciário patina nessas questões, ora com decisões favoráveis a algum grupo, ora com decisões contrárias, ora com decisões que não definem absolutamente nada.
Mas é próprio da nossa cultura: o embaraço, o atrapalhamento, o rigor nos trâmites para não se concluir em nada, para não se produzir nada, ou quase nada.
Como diria William Shakespeare: “muito barulho por nada.”
A liberdade de credo e de culto é uma garantia constitucional que deve ser preservada a todo custo, avocando para si também, como centro gravitacional, as demais imunidades garantidas pela CR: imunidade patrimonial, financeira, e a mais importante que é a liberdade de expressar opiniões, a liberdade do discurso, a pura e simples liberdade de expressão, o “freedom of speech” assim definido pelos ingleses.
As outras imunidades, como patrimonial e financeira, são decorrentes lógicas da liberdade de credo e liturgia (culto), pois, se não houver proteção ao patrimônio e finanças, e a liberdade de expressão, é lógico, o contrário importará em morte do credo e de sua voz, do que tem a dizer.
Tal proteção é extensiva a todas as formas de associação civil, seja partido político, sindicato, associação de moradores, de pais, de vítimas, de portadores de doenças, de ONG´s, clubes recreativos, etc.
Ou seja, sem dinheiro, nenhuma delas sobreviveria. Assim, há que se afastar a incidência tributária sobre patrimônio e rendas.
Todas as associações são passíveis de fiscalização e devem atender a legislação pertinente.
Para os que torcem o nariz, pode-se pensar em adotar o modelo americano, em face do receio de arrecadação de quantias vultosas que se vê no cenário nacional entre as igrejas chamadas de neo-pentecostais, e os problemas daí advindos: impor que todos os credos tenham que cumprir funções sociais, além de expressar o credo, tais como manter escolas, creches, aconselhamentos, cursos profissionalizantes, oficinas, serviços sociais, auxílio aos necessitados com programas regulares, auxílio na obtenção de casa própria, sopão e dormitório, assistência a doentes e dependentes químicos com tratamento, internatos, reformatórios, assistência a idosos, orfanatos, apoio aos veteranos de guerra, horta comunitária, jardim comunitário, biblioteca comunitária, etc., enfim, o que for.
Desta forma, incorreu em erro também o MPF, ao propor ação judicial contra meros discursos fantasiosos e apelativos, sucumbindo em seu munus, visto que deveria se preocupar com questões mais importantes, pois, quem discorda do credo alheio tem a liberdade, constitucional, de emitir parecer, razões, argumentos, discussões, discordâncias do outro; tem a liberdade de emitir o parecer que quiser - ouça quem quiser, dê crédito quem quiser, discorde quem quiser, argumente contra quem quiser, e mude de opinião ou de credo quem quiser...
Porém, tudo dentro das cercanias das discussões, dos debates, dos arrazoados, das argumentações, no plano das idéias; nunca no ataque físico e pessoal. Esta também é uma das garantias que o Estado também oferecerá.
O combate, se houver e que é permitido, em face de sermos uma cultura e uma sociedade permeada pela diversidade, é que se dê no altiplano das idéias.
E quem pode determinar no que o outro crê ou deixa de crer, se credo é uma manifestação do subjetivo, do sentimento?
É propício o dizer de Voltaire:
"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las."
Se o MPF alega ter preocupação com condutas violentas, em face de algumas promessas que são meras fanfarrices, intimasse as partes, fizesse audiência entre elas e as fizessem firmar um acordo, um TAC, um pacto de não agressão física, mantendo apenas a liberdade de expressão das idéias, devendo até sugerir que as discussões se dêem em níveis mais elevados de inteligência e argumentação, para convencimento e persuasão.
O Estado/Juiz errou ao requerer que, para definir religião, faz-se mister a figura de um nome proeminente, de um líder único, tal como Jesus, Buda, Maomé ou o Papa; que é necessário ter livros históricos escritos e regras de condutas.
Olvidou-se que todas as religiões citadas na decisão são, por tradição, de transmissão oral. E que outras tantas, reconhecidas como tal, possuem um panteão de nomes de deuses, as chamadas religiões politeístas, à qual se vincula o Candomblé e a Umbanda, e que no Brasil é sincrética, em face de um processo próprio da Igreja Católica, que teve por missão fazer isso em todo mundo, ou seja, aplicou sincretismos em todos os lugares aonde chegou e chega, como é o exemplo do papai noel.
É mister e sempre será requerido a distinção das coisas: uma é a função do Estado em garantir a liberdade de credo e de culto, outra é impossível, que é a tentativa de impor ao Estado, laico, a definição de um credo de um culto, ou que o Estado se dobre ao desejo de um grupo religioso para lhes satisfazer as crenças e os cumprimentos dos seus votos e credos.
Exemplos dos mais comuns hoje, em voga, é a tese dos adventistas, que, ao alegarem que guardam o sábado, exigem, via ações judiciais, que o Estado os proveja de condições para que possam participar de concursos, cujas provas são aplicadas aos domingos, ou, às vezes, sábados e domingos.
É uma total inversão de valores constitucionais e administrativos quanto a função do Estado, sem a necessidade de entrar na seara teológica.
Ora, o Estado não pode ficar a mercê de um grupo ou outro de credo todas as vezes que tiver que agir em nome da administração, como nos casos de concurso ou de cirurgia médica, citados como exemplos.
Há que se lembrar ao aderente de determinada corrente religiosa que a opção dele requer também a sucumbência ao ônus do seu credo, suas formas e liturgias. Pois, ao religioso se debita o que deve padecer pela religião abraçada, e, tal fato não pode e não deve ser oposto aos demais. É ele quem deve sofrer o ônus de sua escolha, cuja liberdade para tanto está garantida na Constituição, e não o contrário.
Nesse caso, considerando nossa formação histórica, cristã inclusive, onde o dia de observância para descanso é o domingo, o sabatista não tem legitimidade do ponto de vista da lei e nem da moral (valores) religiosa para postular a que o Estado brasileiro se desdobre para atender sua forma particular de vida e de credo. Ora, assim o Estado não é único nem supremo e nem é igual para todos, muito menos impessoal, como requer o art. 37 da CR, mas passa a ser casuístico e fica a mercê de qualquer capricho pessoal ou de um grupo, o que não pode ocorrer em hipótese alguma e está virando moda no Brasil, pois os planos legislativo e jurídico ainda não sabem lidar com tantas ações afirmativas e sucumbe a todas, tendo em vista padecermos da inexistência de um objetivo ou plano claro de nação, do que afinal de contas pretendemos ou queremos ser.
E a guerra de postulação dos adventistas somente se deve ao fato do Brasil ser o maior e melhor empregador do País, pois, se fôssemos realmente uma economia de mercado, cada um teria seu emprego, seu empreendimento e a guarda do sábado não afligiria nenhum crente do tal credo, muito menos perturbaria a administração pública.
Pergunta: os adventistas dos EUA, UK, Alemanha, França, Austrália, etc., propõem as mesmas postulações nestes países? Lógico que não! Ser servidor público por lá é, de certo modo, um desprestígio. É como se diz no interior: “num deu pra nada, foi ser funcionário público. Tá encostado na prefeitura”.
Claro que muita coisa mudou no Brasil, mas nós somos o único país do mundo que o prestígio do trabalho e da produção, do empreendimento, é totalmente convergido para o estado pessoal de autarquia que cada servidor é contemplado: autoridade. E que se esquece até de trabalhar, ou que está obrigado a tanto, sendo o emprego público "vendido" no País como "O paraíso".
Acaso a inversão do direito se consagre, como exposto e como se tem notícias de algumas decisões favoráveis, outros grupos religiosos pedirão para que o Estado se abstenha de algo ou que se obrigue a algo, que eles se abstenham se fazer algum compromisso estatal ou cívico porque guardam os preceitos do seu credo, que, nas suas concepções, são maiores que as normas, direitos e deveres do Estado.
Publiquei um comentário blog sobre tema semelhante, mas o pessoal de plantão de defesa não entendeu o quanto suscitado, provocativo, e defenderam apenas os interesses próprios, que pretendem ver acima dos demais.
Assim, pergunta-se: Ora, e o Estado, quando será efetivamente Estado?
Quando este estado será Estado para administrar seus interesses em nome da coletividade, de todos, que são iguais perante este mesmo Estado?
A lógica de Platão e Rui Barbosa acerca da isonomia não cabe aqui.
Este tema realmente não é dos mais simples, e, dado a nossa cultura, de fugir de embates e debates, é próprio do brasileiro não demonstrar interesse porque ele “não gosta de confusão”.
Mas, vamos finalizar com um conceito sobre o típico brasileiro religioso, o que crê em tudo e é supersticioso, nossa grandíssima maioria. Se não preenche todos os requisitos, ele se confunde com um e outro na prática e nas concepções ideológicas de cada credo. É o caldo do sincretismo, da herança da Igreja Católica.
Útil também a frase usada entre os protestantes, reformados: “crentes com formação de alma católica”, i.e., sincrética, que tem atenção para o místico, para o sensorial, os sentidos, o mistério...
O brasileiro é católico, mas também toma passe no centro espírita; também faz um trabalho ou participa de uma festa com comida do candomblé, ainda mais se for sincrético e aqui na Bahia ou no RJ; participa do culto dos 318 na Universal porque ele quer ser vitorioso em suas lidas, nem sempre muito éticas ou lícitas e porque quer ficar rico, custe o que custar, valendo qualquer pacto; passa num culto de milagres porque também precisa de um(a) ou algum familiar; se convidado vai em qualquer festinha religiosa, comer caruru, pipoca, ou beber santo daime, seja com os humildes da Barquinha ou com os chiques e iluminados da UDV; não perde a oportunidade de ir na “casa da luz vermelha” para fazer um 'rendez vous' com as mulheres; concorda com todas as religiões materialistas e humanistas orientais porque também precisa ficar zen, até fumar um 'beck'; e, numa roda de amigos, para não atritar com seu ninguém, concorda com os argumentos propostos pelos seguidores de C. Darwin, evolução do macaco e ateísmo, cuja máxima de aforismo é: “Se faz o bem, que mal tem?, ou, Se bem não fizer, mal também num faz!”.
Ou seja, na prática, o brasileiro é ateu, ele não acredita em banana nenhuma. Ele quer é ser servido!
É um mero supersticioso. Um completo analfabeto, um materialista e nada mais.
Talvez, por conta disso, a decisão judicial não afetará a vida ninguém.
Abs, JD 

Um comentário:

  1. O juiz voltou atrás:

    http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2014/05/20/interna_nacional,530849/juiz-volta-atras-e-ve-umbanda-e-candomble-como-religiao.shtml

    Juiz volta atrás e vê umbanda e candomblé como religião

    Agência Estado
    Publicação: 20/05/2014 20:31 Atualização:
    Rio, 20 - O juiz federal Eugênio Rosa de Araujo, autor da polêmica decisão segundo a qual candomblé e umbanda "não se constituem em religiões", voltou atrás. Ele manteve a decisão liminar em que autorizou a permanência no YouTube dos vídeos da Igreja Universal, considerados ofensivos pelo Ministério Público, mas mudou a argumentação de que os cultos afro-brasileiros não são religiões.

    No novo texto, Araujo explica que a decisão de manter os vídeos teve como fundamento a defesa da liberdade de expressão. Ele lembra que reconheceu na liminar "que tais vídeos são de mau gosto, como ficou expressamente assentado na decisão recorrida, porém refletem exercício regular da referida liberdade".

    "Destaco que o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões, daí porque faço a devida adequação argumentativa para registrar a percepção deste Juízo de se tratarem os cultos afro-brasileiros de religiões, eis que suas liturgias, deidade e texto-base são elementos que podem se cristalizar, de forma nem sempre homogênea", escreveu.

    Ele ressaltou ainda que "inexiste perigo de perecimento das crenças religiosas afro-brasileiras", já que a liminar dizia "respeito à liberdade de expressão e não à liberdade de religião ou de culto".

    O MPF pediu a retirada dos vídeos postados no YouTube por entender que afrontavam as religiões afro-brasileiras. Ao analisar o caso, o juiz Araujo escreveu que "as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões". Referindo-se à umbanda e ao candomblé, o magistrado afirmou ainda que "não contêm os traços necessários de uma religião" por não terem um texto-base (como a Bíblia ou o Corão), uma estrutura hierárquica nem "um Deus a ser venerado".

    A decisão causou revolta em praticantes das religiões afro-brasileiras. Está marcado para esta quarta-feira um ato em solidariedade às religiões de matriz africanas na Associação Brasileira de Imprensa. O MPF recorreu da decisão de Araujo.

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