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sábado, 8 de novembro de 2008

ACERCA DA OMISSÃO E DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO



A CORRETA INTERPRETAÇÃO DO INC. II DO ART. 535 E SUA NECESSÁRIA COMBINAÇÃO COM O ART. 515 DO CPC.


A atual redação do art. 535 do cpc contém os seguintes dizeres:
"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal."
Os embargos de declaração, ainda que detestados por alguns dos julgadores, são cabíveis quando ocorre no julgado contradição, obscuridade ou omissão.
O ponto mais polêmico e que provoca distorção na sua admissão é justamente a omissão, cuja Lei n. 8.950/94 foi introduzida no cpc para reforma, 15 anos atrás, visando a mudança de inteligência quanto ao mesmo.
Os embargos devem ser acolhidos conforme palavras do Min. Marco Aurélio do E. STF, verbis:
“Art. 535: 1c. Os embargos declaratórios não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal.”[1]
A omissão apontada nos respeitáveis decisuns é para que se atenda a adequação do processo aos ditames do sistema jurídico nacional, bem assim, a satisfação integral da prestação jurisdicional almejada.
Diga-se prestação devida, pois, se o Estado avocou para si a exclusividade do serviço de dizer o direito e distribuir a justiça, dando a cada um o que é de direito (chamado por alguns autores de monopólio estatal, consistindo em um termo impróprio, mas de fácil percepção), retirando das pessoas (cidadãos) a possibilidade de fazer justiça com as próprias mãos.
Assim, o Estado deve oferecer toda a estrutura para o processo de busca da justiça, inclusive o iter, o rito, o caminho a ser trilhado, as regras e o respeito às mesmas.
A possibilidade de oposição de embargos por omissão prevista no art. 535, ii do cpc não se restringe exclusivamente ao quanto consignado na decisão judicial, como entendem alguns julgadores e as inúmeras decisões nesse sentido, afastando a real inteligência da norma processual e se transformando numa forma de não prestar o serviço da jurisdição a que o Estado está obrigado, através do Poder Judiciário, revelando-se uma face de tirania da toga.
O cpc foi justamente reformado para superar a dogmática que, lamentavelmente, ainda vige nas veias do Judiciário e em algumas antigas referências doutrinárias.
O inc. ii do art. 535 do cpc não diz omissão sobre ponto da decisão, como é o caso das hipóteses previstas no inc. i do artigo em tela. Diz ser possível oposição dos embargos de declaração em caso de omissão quanto a ponto contido no processo (itens da inicial, itens da defesa, as provas, arguições, depoimentos, laudos periciais, matéria de direito, matéria de fato, etc.) e que deveria haver manifestação.
Sobre o tema, assim lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, verbis:
“...Finalmente, quanto à omissão, representa ela a falta de manifestação expressa sobre algum ‘ponto’ (fundamento de fato ou de direito) ventilado na causa e, sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal. Essa atitude passiva do juiz, em cumprir seu ofício resolvendo sobre as afirmações de fato ou de direito da causa, inibe o prosseguimento adequado da solução da controvérsia, e, em caso de sentença (ou acórdão sobre o mérito), praticamente nega tutela jurisdicional à parte, na medida em que tolhe a esta o direito de ver seus argumentos examinados pelo Estado.” (sic). (Grifos no original).[2]
A reforma do cpc ainda avançou para trazer nova sistemática quanto aos recursos e ao papel desempenhado pelo tribunal, conforme previsto no art. 515 do referido diploma, assim disposto:
"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
§ 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
§ 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.” (Grifamos).
O tribunal deve analisar todo o conteúdo da demanda, pois toda a matéria lhe é devolvida, para então pronunciar-se sobre os específicos pontos impugnados na sentença, através do recurso.
Nada mais óbvio, pois só é possível pronunciar sobre a parte, acaso se conheça o todo, ou seja, tudo quanto está sendo discutido.
Nesse caso, o legislador foi mais longe, pois determina que o tribunal conheça os pontos controversos da demanda, mesmo que o juízo a quo não tenha se manifestado sobre os mesmos, superando a velha escola equivocada que ainda vige no Brasil quanto a exigência de que o tribunal somente poderia conhecer aquilo que efetivamente lhe fora devolvido pelo recurso. Isto é, no entendimento dos tribunais, somente o que fora devolvido pela sentença de 1º grau.
Nada mais ilógico, pois a sentença não lhe devolve nada; quem efetivamente devolve a matéria ao tribunal é o recurso, direito de exercício facultativo da parte que tiver interesse em recorrer e atender os requisitos para tanto.
Sendo assim, considerando a atual extensão legal do que vem a ser questão omissa e dado a incidência do art. 515, os embargos de declaração devem ser conhecidos e, em sendo acolhidos, receber guarida quanto ao seu poder de efeito modificativo, conforme previsto no art. 463 do cpc, verbis:
"Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração." (Grifamos).
E não se trata de drama algum ou suposto prejuízo à parte adversa quando os embargos opostos, admitidos, puderem modificar o julgado.
É que, ainda que o novo julgamento, em razão do acolhimento dos embargos de declaração opostos, tenha o seu conteúdo modificado, isso não se traduz em mudança a ponto de prejudicar processualmente a parte, pois ela estava ciente das regras processuais e dos objetivos da ação (limitados pelo conteúdo da inicial e da defesa) desde o momento em que propôs a inicial ou ofereceu a defesa. Assim, o que vier a ser decidido por meio dos embargos, considerando que houve omissão, estará limitado ao conteúdo do processo.
Não modificar a sentença, mediante a oposição de embargos de declaração, sob a desculpa esfarrapada que já encerrou o ofício judicante ou que os embargos não demonstraram a omissão do conteúdo do próprio julgado é prejudicar uma das partes, não atentando para o que existe nos autos, sejam argumentos, matéria de direito, confissão, provas, documentos, impossibilidade jurídica do pedido, etc.
É comum tomarmos ciência de decisões judiciais calcadas no velho dogma que embargos de declaração somente são servíveis para aclarar ponto omisso do próprio julgado, o que é um contra-senso e uma contrariedade e afronta a inteligência da lei. Nesse prisma, para que o legislador se dá ao trabalho de reformar as leis, se não são acolhidas?!
Tal entendimento, maioria no meio jurisdicional, além de menosprezar a redação literal, bem como sua inteligência (mens legis) e sua finalidade teleológica, pois fora reformada para coibir abusos que tais; ainda campeiam no Judiciário e confere prejuízos às partes, pois permitem aos juízes adotarem arbitrariedades, tirania judiciária e implícito impedimento de rediscussão dos pontos controversos do processo que não foram totalmente decididos ou pacificados.
Outra reposta ilógica e comum é que os juízes não estão a disposição das partes para julgar item por item o que lhes interessa, ou, como asseveram em suas sentenças, acolher caprichos da parte (leia-se: advogado). Ora, não é para isso que por acaso existe juiz? E a pessoa que desejou esse ofício não deve cumpri-lo, pois é servo (escravo) do ofício? Essa é a famosa saída pela esquerda ou pela direita do leão da montanha (quem se lembra desse personagem de desenho animado?).
Em verdade, o modo de agir do Judiciário traduz o quanto os seus integrantes detestam julgar embargos de declaração e essa é a verdadeira motivação psicológica contida no julgamento que noticiamos acerca da decisão do TJ do Maranhão[3] que determinou ao juiz que voltasse a estudar.
Os integrantes do Judiciário precisam, na sua maioria, compreender e apreender o mandamento contido no art. 535 do cpc e seu reflexo conjunto com o art. 515 do mesmo diploma, no mesmo espírito explicitado pelo Min. Marco Aurélio, pois, do contrário, continuarão a ferir de morte a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, cujo objetivo maior é impedir a tirania de juízes ruins e que não estão à altura do ofício que abraçaram ou que tratam causas com desprezo ou por acharem mui pesado o munus de ter que decidir e as vezes re-decidir.


* João Damasceno.
Advogado, consultor jurídico e professor universitário. Salvador, Bahia.


[1] STF-2ª Turma, A.I. 163.047-5-PR-AGRG-EDCL, j. 18.12.95, v.u., DJU 8.3.96, p. 6.223. In Tehotônio Negrão. Código de Processo Civil e Legislação em vigor, 35ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 592, 2003.
[2] Manual do Processo de Conhecimento, 4ª ed., São Paulo: RT, p. 541, 2005.


Um comentário:

  1. Prezado Colega:

    Há um trabalho, no mesmo sentido, em:
    www.padilla.adv.br/teses

    Contudo, o que impede que a lei seja cumprida É a "cultura" da superficialidade?


    "É impossível saber tudo e acertar sempre logo a celeridade é mais importante do que a segurança." isso é uma falsa relação de causa e efeito!

    Se o exame cuidadoso aumenta as chances de escolhas corretas, a solução rápida produz muitos erros, e transforma justiça, algo sério, numa loteria: No lugar de vencer quem tem razão, a vitória é de quem tem sorte ou influência?

    Mostrar trabalho, por respostas condicionadas e mecanismos de solução superficial, produz para estatística de produtividade sem muito trabalho.

    A quem aproveita, e a que grupos beneficia essa crença e inversão de valores?

    É muito mais fácil e rápido buscar um único motivo para indeferir, do que analisar toda a prova para concluir pelo direito, e ainda ter que mensurar o dano!
    A improcedência de pleitos justos, com a impunidade dos maus, estimula a audácia e fomenta comportamentos ilícitos?

    .:.

    O uso da linguagem, não é novidade:

    Há 1/4 de Século, o Prof.Dr.Luiz Fernando Coelho elaborou brilhante Tese de Livre Docência:

    Teoria Crítica do Direito.
    Revela o direito como instrumento de dominação.

    Resumimos, as 500 laudas da tese, na RDC-RT v.49/21-3, em 3 páginas, também em:
    www.padilla.adv.br/teses/normas

    A distorção, na aplicação do direito, o exercício superficial do poder, compromete as liberdade, democracia e dignidade?

    O povo que o aceita, como “normal”, foi "robotizado"?

    Controlando a informação e o processo de pensamento, a "indústria de consumo" transforma as pessoas em engrenagens para ampliar o lucro?

    www.padilla.adv.br/processo/pensamento

    Atenciosamente,
    Professor PADILLA
    Luiz Roberto Nuñes Padilla
    http://lattes.cnpq.br/3168948157129653
    OAB/RS 016.697
    UFRGS Faculdade de Direito Campus Centro
    Cep 90046-900 * Porto Alegre * RS * Brasil
    Dept. de Direito Privado e Processo Civil
    DIR2 (51)3308-3322 COMGRADI (51)3308-3597

    * Para realizar grandes sonhos, é preciso sonhar GRANDE.

    Nos anos oitenta, sonhamos elaborar uma
    Teoria Geral doS ProcessoS:
    Adroaldo Furtado Fabrício, nosso orientador, cofiou o cavanhaque e sentenciou:
    "Mas, isto não é tema para uma tese de mestrado!"
    E completou:
    "Nem para doutorado... Seria tema adequado para livre docência."

    Após 20 anos de pesquisa e docência ininterrupta, nossa uma percepção sobre os
    processos de pensamento e de comunicação,
    dos quais são espécies os jurídicos:
    administrativos, cíveis, desportivos, eleitorais, legislativos, penais e trabalhistas
    http://www.padilla.adv.br/UFRGS/TGP

    Para realizar grandes sonhos, é preciso sonhar GRANDE.

    Conheces o clássico de Vitorino Prata Castelo Branco:
    "O advogado e a defesa oral"?
    www.padilla.adv.br/teses/DefesaOral_VitorinoPrataCasteloBranco.pdf

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