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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Desastres e estupros

Prezados, saúde!
Segue artigo sobre o que temos conversado em sala de aula.
Grande Abraço, João Damasceno.
 
 
WALTER CENEVIVA 

Desastres e estupros

São cada vez mais numerosos os casos que não podem ser resolvidos a partir da lei, em seu sentido literal


HÁ SEMELHANÇA lamentável entre a queda da arquibancada no estádio da Fonte Nova, em Salvador, os contínuos desastres com aviões grandes e pequenos em São Paulo e em outras partes do Brasil e a prisão de mulheres e homens nas mesmas celas, no Pará e em outros Estados, com abusos sexuais de mulheres presas e até de uma menina débil mental. A semelhança está na omissão do poder público em cumprir sua missão constitucional em todos os fatos mencionados. Podem até ser vistos sob a mesma luz (ou sombra) do processo por homicídio contra o jornalista Pimenta Neves.
Se pensarmos em tais fatos apenas na base das leis descumpridas, estaremos vinculados a um positivismo legalista, insuficiente para a satisfação do dever do Estado em face da paz social. O direito compreende também ideais de Justiça por detrás da lei. A valoração do legislador é importante. Mas não única. Deve ser coordenada com valorações do justo, dando rumo certo ao direito, enquanto atitude de cada cidadão.
O filósofo Jacy de Souza Mendonça já escreveu que a perspectiva de quem busca o conhecimento do direito pode "influenciar sobre o resultado da experiência de forma a enriquecê-la ou gravemente empobrecê-la". Conhecer o direito é, assim, mais que a letra da lei.
Retorno à semelhança referida no começo, em três pontos: 1) é inviável qualquer forma de atividade dos seres humanos sem leis que disponham, o mais claramente, sobre os casos possíveis. A não-satisfação desse requisito permite o descumprimento; 2) a maior parte dos atos e fatos jurídicos ocorre sem atuação do Judiciário -em especial os nascidos na administração pública, a recomendarem maior atenção para estes; 3) cada texto legal esclarece a composição formal dos interesses individuais (torcedores mortos, danos causados, crimes administrativos e sexuais), e, não necessariamente, a composição justa. Quando os itens 1 e 2 não são bem compostos em face dos interesses em conflito, o dever de bem governar é mal cumprido, com dano para a sociedade e até resvalando para o crime.
No Brasil e no mundo, são cada vez mais numerosos os casos que não podem ser resolvidos a partir da lei, em seu sentido literal. Exemplo colateral de insuficiência é a demora nos julgamentos. Quando os tribunais mantêm livre o jornalista Pimenta Neves (e se prevê que nunca será preso, embora réu confesso) vê-se que o Judiciário minimiza a finalidade da lei ao adiar indefinidamente a sentença final. Satisfaz floreios da esgrima processual, negada aos órfãos da abundância de meios, sem realizar o direito substancial.
Nos casos referidos de início serão apuradas a omissão ou renúncia na aplicação das disposições legais. Na busca do "justo-justo", nenhuma lei privilegia o interesse de classe ou particular em prevalência sobre o geral. Quando outros segmentos do poder público falham nesse desiderato, caberia ao Judiciário, enquanto organização estatal, suprir o espaço aberto, pois a paz social começa e acaba no dever de julgar.
Desastres, estupros e outros crimes passaram a integrar o dia-a-dia. Ofendem o dever de tratar bem os assuntos do Estado, quando desrespeitado por maus agentes. Criam o clima de insensibilidade coletiva em que vivemos. Devemos reagir.

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